Mestrado Europa

Ponto de encontro das disciplinas de mestrado do ISCSP sobre temas europeus da responsablidade de José Adelino Maltez, Andreia Soares e Raquel Patrício

26.7.06

A CONSTRUÇÃO ECONÓMICA DA UNIÃO EUROPEIA - O MERCADO INTERNO E A UNIÃO ECONÓMICA E MONETÁRIA

A CONSTRUÇÃO ECONÓMICA DA UNIÃO EUROPEIA – O MERCADO INTERNO E A UNIÃO ECONÓMICA E MONETÁRIA

RAQUEL PATRÍCIO
[1]


O MERCADO INTERNO

CONSTRUÇÃO E REALIZAÇÃO DO MERCADO INTERNO

A construção da Europa, desencadeada efectivamente durante os anos 50, desenvolveu-se segundo um processo que, ante avanços e recuos, buscava alcançar, progressivamente, a integração total.
Apesar da antiguidade da ideia de unidade europeia, o final da Segunda Guerra Mundial afigurou-se decisivo para o lançamento da primeira pedra do edifício europeu. Destroçada, a Europa carecia de uma reconstrução rápida, que ao mesmo tempo solucionasse o problema político das relações franco-alemãs (em torno das quais giravam as Relações Internacionais da Europa desde 1870[2]) e permitisse aos Estados europeus enfrentar, por um lado, a ameaça soviética que começava a nascer e, por outro, o desafio económico norte-americano.
De objectivos amplamente políticos, a criação das Comunidades foi estrategicamente iniciada pela via económica. A colocação, sob uma Autoridade Comum, da produção do carvão e do aço franceses e alemães procurava, não só encetar entre os dois rivais europeus continentais, uma cooperação económica que ligasse os destinos de um Estado ao outro, como também, e sobretudo, colocar, sob essa Autoridade Comum, a produção dos bens essenciais a qualquer esforço de guerra, tornando-a materialmente impossível.
Eram objectivos evidentes dos Tratados de Paris (que criou a CECA) e de Roma (que criaram a CEE e a EURATOM) a fusão dos sistemas económicos e das políticas económicas dos Estados-membros de modo a obter-se, posteriormente, uma unificação política entre estes. Declaradamente económicos, os objectivos das Comunidades apresentavam uma finalidade amplamente política, confessada apenas no Preâmbulo do Tratado de Roma-CEE. Na verdade, o objectivo político de unir os Estados europeus pareceu ser mais facilmente alcançável através do pragmatismo da via económica.
Assim, o objectivo imediato das Comunidades, assim que a CEE e a EURATOM foram criadas foi, desde logo, a construção, entre os Estados-membros, de uma união aduaneira, que redundaria na supressão dos direitos alfandegários e das práticas comerciais restritivas e no estabelecimento de uma Pauta Aduaneira Comum para os Estados-membros face a terceiros, o que deveria ser alcançado até 1970. O Tratado de Roma-CEE previa que o grande objectivo do mercado comum deveria ser alcançado progressivamente, ao longo de um período de transição de doze anos. Os direitos aduaneiros seriam suprimidos em dez etapas, enquanto as restituições quantitativas eram efectivamente eliminadas e os contingentes desapareceriam até 1965.
Os Estados que entretanto aderissem às Comunidades beneficiariam de um período de cinco anos para desmantelar as suas formas de protecção (casos da Grã-Bretanha, Irlanda, Dinamarca e Grécia), ainda que para Portugal e Espanha se concedesse um período mais alargado de seis anos.
Ao estabelecer o objectivo de criar uma união aduaneira para depois alcançar-se um mercado comum (de acordo com a clássica tipologia da integração regional), os Seis fixaram objectivos ambiciosos, fazendo o mercado comum repousar especialmente sobre uma união aduaneira de produtos industriais: um espaço de comércio livre complementado por uma política comercial comum.
Uma vez ultrapassada esta fase, o Tratado de Roma-CEE definia o objectivo de criar uma união económica, através do estabelecimento de políticas económicas e sociais comuns e da livre circulação dos factores de produção (a juntar-se à das mercadorias e dos serviços). Como objectivo de longo prazo, o Tratado estabelecia a criação de um grande espaço social, onde a integração política pudesse ser realizada, de forma a concretizar o grande sonho dos criadores da Europa Unida.
Ainda que avançasse bastante a nível de objectivos de longo prazo, o Tratado apresentou-se, naturalmente, mais preciso relativamente aos objectivos económicos de curto prazo, os mais facilmente alcançáveis.
Assim, o Tratado de Roma-CEE aponta, como instrumentos para a realização dos objectivos propostos, a realização das condições que permitissem a livre circulação das mercadorias, dos serviços, dos factores de produção e do estabelecimento das empresas. O Tratado previu, também, a coordenação das políticas económicas nacionais (enunciando o “princípio da coordenação”), não atribuindo competências significativas às Instituições Comunitárias, com excepção da agricultura e pescas (concessão feita à França), dos transportes, do comércio com países terceiros e da concorrência (complemento natural da criação, que se pretendia, de Mercado Comum). Sectores expressamente enunciados no Tratado, para os quais se pretendia a criação de políticas comuns.
Para alcançar os objectivos definidos, o Tratado previu, ainda, a criação do Fundo Social Europeu (FSE) e do Banco Europeu de Investimentos (BEI).
Com a estrutura institucional, os objectivos e os meios para os alcançar definidos, o Tratado entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1958, num período favorável à economia mundial em geral e à economia europeia em particular.
As economias dos Seis prosperavam, as trocas comerciais progrediam entre si, estando a primeira etapa da liberalização das trocas concluída a 1 de Janeiro de 1959, enquanto 1960 marcava o início da adopção das primeiras medidas comuns sobre a livre circulação de capitais e o início do funcionamento efectivo do FSE.
As frustrações dos Seis em matéria de cooperação política (em virtude dos desaires que, nessa matéria, iam ocorrendo) não abalaram o intuito de prosseguir a integração europeia pela via económica.
Pondo de lado os problemas e as dificuldades da área política, os Seis prosseguiram o desarmamento alfandegário, adoptaram um plano conjunto de luta contra a inflação, enveredaram por uma nova etapa de processo tendente à livre circulação dos trabalhadores, com a elaboração de um programa quinquenal de política económica; realizaram mais uma fase do desarmamento alfandegário, passando os direitos a estar reduzidos em 30%, em comparação com os de 1958, aboliram os direitos inter-estados comunitários, elaboraram definitivamente o mercado agrícola comum e reafirmaram os objectivos da Política Agrícola Comum (PAC), que estavam fixados desde 1960 (livre circulação dos produtos; organização comum dos mercados para a produção; preferência comunitária e solidariedade financeira). Fixaram os objectivos da Política Comercial Comum, da harmonização dos sistemas fiscais, da Política Social Comum e da Política Regional Comum e aprovaram o primeiro programa de política económica de curto prazo, que pretendia a unificação, a partir de 1970, dos regimes da Taxa sobre o Valor Acrescentado (TVA) praticados nos vários países e concluíram a fusão institucional das três Comunidades, iniciada logo em 1957, ao dotarem-nas de uma Comissão e de um Conselho únicos. Verificou-se, também, a adesão da Grã-Bretanha, da Irlanda e da Dinamarca (1973), bem como a adopção da Pauta Aduaneira Comum, de modo a concluírem a criação da união aduaneira a 1 de Julho de 1968 (dois anos antes do previsto).
Apesar do avanço significativo da integração europeia, o mercado europeu permanecia ainda largamente fragmentado em mercados nacionais. A liberalização das trocas comportava dois limites importantes. Por um lado, as cláusulas de salvaguarda, que permitiam aos Estados-membros suspender as obrigações impostas pelo Mercado Comum, e, por outro, a ideia de que a supressão dos contingentes não implicava a impossibilidade de manter (ou eventualmente até aumentar) o proteccionismo não tarifário (especialmente através de normas técnicas), desde que se estivesse em períodos de dificuldades económicas, funcionavam como obstáculos que persistiam à livre troca.
Por isso, era necessário avançar-se ainda mais no domínio da integração económica, embora esta primeira fase de construção do Mercado Interno – a chamada fase de transição (1958-1969) – tenha sido extremamente importante para o lançamento dos alicerces que permitiriam que as fases seguintes fossem realmente consistentes.
De facto, a construção do Mercado Interno iniciou-se (primeira fase) efectivamente em torno da noção de “mercado”, com uma conotação amplamente liberal e a confiança total na capacidade reguladora do jogo espontâneo daquele, o que significa que o projecto do Mercado Interno repousa sobre a lógica da integração pelo mercado: é a liberdade de circulação das mercadorias, dos serviços, da mão-de-obra e do capital que produz progresso económico-social e proporciona uma aproximação política entre os Estados-membros.
A política de concorrência orientava-se perfeitamente nesta lógica, reforçando a direcção liberal da construção do Mercado Interno. A política agrícola, pelo contrário, criava um tipo de intervenção extremamente incidente e, por conseguinte, prejudicial à dimensão liberal da construção do Mercado Interno, revelando uma concepção extremamente intervencionista das Autoridades Comunitárias.
De facto, enquanto que a política de concorrência constitui, desde o início, um complemento natural do Mercado Interno, os princípios da PAC deixam pouco espaço ao jogo espontâneo do mercado.
Os efeitos benéficos da livre circulação de mercadorias não poderão ser alcançados se actores públicos ou privados entravarem o acesso ao mercado, através da imposição de preços ou de quantidades às trocas intracomunitárias. A regulamentação da concorrência compõe-se, pois, desde o início, da proibição de alianças e abusos de posição dominante e de um controle rigoroso das ajudas dos Estados-membros às respectivas empresas.
Os princípios da PAC, pelo contrário, assentam, desde o início, sobre uma rigorosa intervenção comunitária e sobre a formação dos preços agrícolas pela fixação, para a maior parte dos produtos, de um preço mínimo e de um preço máximo; assentam, ainda, sobre as subvenções dadas às maiores e mais produtivas explorações através de um sistema de compensações entre o mercado europeu e o mercado mundial e, ainda, sobre a integração total do orçamento agrícola no orçamento comunitário.
A integração económica prosseguia, apesar de tudo.
Desde logo, a existência de uma Pauta Aduaneira Comum entre os Estados-membros fez com que o território desses Estados passasse a constituir um território aduaneiro único, o que, por sua vez, fez com que perdesse todo o sentido o sistema de receitas das Comunidades até então praticado. Assim se optou por um sistema de receitas próprias, de acordo com o qual deixavam de constituir receitas de cada Estado-membro, afectas ao respectivo orçamento nacional, para passarem a ser receitas do orçamento comunitário, as receitas decorrentes dos direitos aduaneiros, dos direitos niveladores cobrados em matéria agrícola e uma percentagem das receitas arrecadadas pelos Estados-membros a título de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA).
Ligado a este novo sistema de receitas comunitárias, o aprofundamento do processo de integração económica prosseguiu com o alargamento das competências do Parlamento Europeu em matéria orçamental. Prosseguiu, também, com o programa de apoio monetário entre os Seis (solidariedade monetária entre os Seis) que visava estabelecer um fundo especial com base nas propostas contidas no Plano Barre, que preconizava uma cooperação monetária a curto prazo com o objectivo de unificar gradualmente as políticas económicas e financeiras, a fim de dotar as Comunidades de uma moeda única a partir de 1980 (objectivo patente no Relatório Werner, endereçado aos governos nacionais em Outubro de 1970).
No entanto, a crise de confiança no Dólar norte-americano comprometeu o avanço do plano monetário dos Seis. Para evitar a especulação, a Alemanha e a Holanda decidiram deixar flutuar as respectivas moedas, enquanto os parceiros tomavam medidas severas de controlo sobre as taxas de câmbio, dando, assim, entrada a crise financeira dos anos setenta. A França decidiu de imediato abandonar a participação nos trabalhos da união económica e monetária e o funcionamento normal da PAC parecia ameaçado.
A crise atingiu o auge quando Richard Nixon decidiu suspender a convertibilidade do Dólar (impondo um embargo sobre o ouro) e instituir uma taxa de 10% sobre as importações. A decisão de Nixon deveria ter um carácter transitório, para permitir o reequilíbrio do sistema, mas, na realidade, tornou-se irreversível, dada a permanência de factores de instabilidade, destruindo as bases do sistema de Bretton Woods.
As crises monetárias vieram, naturalmente, introduzir elementos de instabilidade ao processo de construção do Mercado Interno, que até então caminhara tranquilamente. Perante a crise, os Estados-membros viram-se incitados a recorrer a todas as formas de proteccionismo, ao mesmo tempo que procuravam formas para reagir ao colapso do sistema financeiro internacional.
Neste contexto, o Conselho de Ministros decidiu, em 1972, estabilizar as relações cambiais entre os Estados-membros através de uma ligação directa ao Dólar, fixando uma margem de flutuação das moedas dos Estados-membros em relação ao Dólar de 2,25%, devendo os Bancos Centrais dos Estados-membros intervir apenas a partir desse momento. O pressuposto desta experiência das serpentes monetárias era o de que o Dólar readquiriria estabilidade no plano internacional como moeda de pagamentos que era e continuaria a ser, o que, contudo, viria a mostrar-se errado, já que a crise dos anos 70 era mais profunda do que se pensara, ligada aos problemas de confiança gerados pelo envolvimento militar dos EUA na guerra do Vietname, pelo agravamento do défice comercial e do desequilíbrio da Balança de Capitais norte-americanos.
Desta forma, em Março de 1973, os Estados-membros decidiram uma nova estratégia, mantendo o compromisso da flutuação conjunta das moedas europeias, mas desaparecendo a obrigação de flutuação face ao Dólar. Esta experiência da serpente monetária teria, todavia, uma curta duração, em virtude do primeiro choque petrolífero (1973) ter tornado a crise dos anos 70 ainda mais profunda.
Continuando a buscar uma solução para enfrentar a situação assim criada, os Estados das Comunidades optaram por uma alternativa autónoma, independente do Dólar e dos EUA, através da estruturação, entre as moedas europeias, nas suas relações mútuas, de um mecanismo que permitisse estabilizar os câmbios e que consistia na criação de uma moeda escritural que representasse a média ponderada do valor das várias moedas que aderissem ao sistema. O valor da moeda assim criada, a Unidade de Conta Europeia (ECU), fixado politicamente, abria caminho a toda a evolução informal, à margem do sistema institucional comunitário, que acabaria por conduzir à criação, a 8 de Abril de 1978, no Conselho Europeu de Copenhaga, do Sistema Monetário Europeu (SME). Com os objectivos de assegurar a estabilidade cambial das moedas europeias umas em relação às outras e estabelecer um enquadramento institucional que impedisse que os eventuais reajustamentos se fizessem de forma unilateral e passassem a fazer-se no quadro de regras e de decisões tomadas conjuntamente, o SME constituía a solução europeia para a crise financeira dos anos 70, fixando a margem de 2,25% de flutuação das moedas europeias relativamente ao ECU.
Tornava-se progressivamente claro que a estrutura institucional das Comunidades carecia de uma profunda reforma, ao mesmo tempo que as crises económicas e orçamentais por que as Comunidades vinham passando tinham também de ser solucionadas. Tornava-se claro, ao mesmo tempo, o fraco dinamismo do aparelho produtivo comunitário e a sua crescente falta de competitividade, designadamente face ao Japão e aos EUA, especialmente nos sectores de alta tecnologia (tecnologias da informação e electrónica), mas também nas indústrias automóvel e de maquinaria, denotando a fragmentação do mercado comunitário, que cunharia as expressões euroesclerose e europessimismo para descrever o impasse pelo qual passava o processo europeu de integração. Paul Krugman, em análise à economia comunitária em 1991, atribuiria esta situação à existência de barreiras não-tarifárias ao comércio intra-comunitário. E, de facto, era, à época, notória a existência deste tipo de barreiras (físicas, fiscais e técnicas) que impediam que o comércio entre os Estados-membros fosse tão acentuado quanto no início da construção das Comunidades.
Foi neste contexto que Jacques Delors se tornou presidente da Comissão Europeia (1985), o que viria a mostrar-se determinante para o impulso do processo europeu de integração. Logo em Março, Delors apresentaria o Programa para o Mercado Interno ao Parlamento Europeu e, em Junho, a própria Comissão apresentaria, no Conselho Europeu de Milão, o Livro Branco do comissário para o Mercado Interno, Lord Cockfield, que continha um programa de reformas legislativas relativas à eliminação dos entraves às trocas intra-comunitárias. Medidas legislativas essas que os Estados-membros teriam de transpor para a ordem jurídica interna de modo que o Mercado Interno pudesse entrar efectivamente em funcionamento a 1 de Janeiro de 1993.
O Programa para o Mercado Interno, assim como o Livro Branco eram, assim, apresentados como uma estratégia para que as Comunidades conseguissem aumentar a competitividade. A ênfase que o programa colocava na desregulamentação estava perfeitamente de acordo com a doutrina liberal que, à época, políticos como Thatcher e Reagen proclamavam. Porém, essa desregulamentação teria de ser acompanhada por medidas redistributivas da riqueza para compensar as regiões mais frágeis economicamente e os sectores populacionais desfavorecidos.
Assim, a Cimeira de Milão teve, também, que tomar as decisões relativamente à preparação das medidas necessárias para rever os Tratados comunitários, já que a aplicação de tais medidas implicava maior autonomia de decisão por parte das Comunidades, isto é, a extensão do voto, no seio do Conselho, por maioria. A Grã-Bretanha, a Dinamarca e a Grécia mostraram-se, de início, preocupadas com a extensão da maioria em detrimento da unanimidade, mas cedo compreenderam que esse seria o preço a pagar pelo Mercado Único, fortemente desejado pelos sectores políticos e empresariais nacionais, ao mesmo tempo que receavam ver-se afastadas do processo decisório relativamente à construção do Mercado Interno e, por conseguinte, incapazes de influenciá-lo.
Assim se chegava ao fim da segunda fase de construção do Mercado Interno (1970-1985), dominada pelas crises dos anos setenta e posterior relançamento da integração europeia e, naturalmente, da construção do Mercado Interno.
Na continuação do Livro Branco, o Conselho Europeu do Luxemburgo chegaria ao texto do Acto Único Europeu[3], assinado na Haia, em Fevereiro de 1986 (para entrar em vigor a 1 de Julho de 1987).
O Acto Único Europeu faz uma mini reforma aos Tratados de Roma, introduzindo alterações nos vários domínios, a mais significativa das quais no âmbito económico.
Na verdade, o objectivo primordial do Acto Único Europeu era lançar a competitividade da economia europeia através do estabelecimento de um Mercado Único de 320 milhões de consumidores, isto é, de um espaço sem fronteiras no qual fosse assegurada a livre circulação das mercadorias, serviços, pessoas e capitais.
Este objectivo, tal como descrito no Acto Único Europeu, ultrapassava desde logo a vertente puramente economicista para visar, pela primeira vez, desenvolver o sentimento dos Europeus pertencerem a um mesmo mundo, no interior do qual pudessem circular livremente, deslocando o foco central, da economia, para o cidadão, o que explica a introdução do conceito de espaço sem fronteiras internas, que transcende largamente o de mercado comum[4].
A terceira fase de criação do Mercado Interno, claro período de concretização, decorre, assim, de 1986 a 1992, na tentativa de efectivamente aplicarem-se as regras institucionais, económicas e sociais definidas pelo Acto Único Europeu para alcançar o Mercado Interno. O Acto Único Europeu, primeira reforma dos tratados comunitários, lança, assim, uma nova fase no processo europeu de integração. Reconhecendo formalmente o SME, motivando esforços renovados para a união política, para a reforma institucional e para o reforço das políticas social, regional, da concorrência e da tecnologia, introduzindo, nos Tratados, a coesão económica e social, o Acto Único Europeu modifica, ainda, o processo de tomada de decisão comunitário, alargando a maioria qualificada e mantendo a unanimidade para as questões sensíveis (em relação às quais os Estados-membros manifestam divergências) da fiscalidade, dos movimentos de pessoas e dos direitos e interesses dos trabalhadores.
A construção do Mercado Interno surge, assim, concluída, apresentando-se a construção europeia, no início dos anos noventa, consolidada. A integração não podia, a partir de então, manter-se no âmbito dos mercados, pois exigia, já, que se pusessem em prática as políticas comuns, ou uma coordenação das políticas nacionais que levariam à exigência das reformas institucionais que Maastricht viria dar resposta, abrindo o caminho para a União Económica e Monetária, quarto grande período da construção económica da Europa, que ultrapassa o Mercado Interno, mas que com ele haveria de conviver.
Alguns objectivos, porém, não foram, ainda, totalmente alcançados, como os que se referem à liberalização em matéria de mercados públicos, reconhecimento de diplomas do ensino superior, serviços financeiros, telecomunicações, transportes, propriedade intelectual e ambiente. Razão pela qual o Conselho Europeu de Amesterdão (1997) sugeriu que a Comissão elaborasse, a cada seis meses, um relatório constatando a situação de cada Estado-membro face ao Mercado Interno, sendo certo que os vários Estados-membros têm posicionamentos diferentes relativamente ao mesmo. Em Fevereiro de 2003, a Comissão concluiu que os Estados-membros com maior número de infracções à legislação do Mercado Interno eram a França, a Itália e a Espanha, enquanto a Suécia, o Luxemburgo e a Dinamarca eram os que menos infracções cometiam. Em Abril do mesmo ano, apenas a Dinamarca, a Finlândia, Portugal e a Grã-Bretanha cumpriam o objectivo tolerância zero de transposição das directivas relativas ao Mercado Interno que havia sido decidido no Conselho Europeu de Barcelona do ano anterior. Finalmente, em Maio, a Comissão avaliava que a Itália, Portugal, a Irlanda, a Áustria, a Espanha e a França eram os Estados-membros que menos cumpriam a legislação relativa ao Mercado Interno, enquanto a Dinamarca, a Suécia e a Finlândia eram os que mais a respeitavam.


OBSTÁCULOS AO FUNCIONAMENTO DO MERCADO INTERNO


Uma vez constituído o Mercado Interno, deveriam resultar, essencialmente, duas consequências positivas. Por um lado, a emergência de grandes empresas, beneficiando de economias de escala, como resultado do aumento da dimensão do mercado europeu e, por outro, a criação de uma favorável pressão concorrencial, quer em termos de baixa de preços, quer em relação à inovação tecnológica. Tal significa que o Mercado Interno não se limita a colocar produtores e consumidores europeus em contacto; antes altera as estruturas produtivas, favorecendo a competitividade das empresas europeias nos mercados mundiais, face aos seus grandes concorrentes.
A permanência de obstáculos à circulação livre das mercadorias, dos serviços, das pessoas e dos capitais, todavia, origina, na prática, sérias perturbações às trocas entre os Estados-membros, podendo interferir com aqueles efeitos benéficos.
Assim, se em relação às mercadorias os entraves físicos – paragem das mercadorias nas fronteiras, originando custos de funcionamento dos serviços que tratam das operações comerciais, custos de armazenamento e de transporte, bem como custos suportados pelas Autoridades Públicas responsáveis pelos procedimentos aduaneiros – não existem desde 1 de Janeiro de 1993, em função da entrada em vigor do Mercado Interno nessa data, os entraves técnicos constituem uma fórmula muito usual de travar a livre circulação de bens. Consistem na aplicação de normas técnicas com justificações sociais, ambientais, de saúde pública ou ainda de uma lógica industrial de estandardização que, evidentemente, podem ser reais e, por conseguinte, ter cabimento na protecção dos consumidores nacionais e do próprio Mercado Interno, mas podem, também, ter um efeito proteccionista propositado, já que, se é certo que qualquer norma nacional cria um obstáculo à entrada, no mercado nacional, de mercadorias provenientes dos parceiros, originando um efeito proteccionista nefasto, certo é, também, que tais normas se transformam em mecanismos à disposição dos comportamentos mais proteccionistas.
Face aos entraves causados pelas normas técnicas, procura-se aplicar, à circulação das mercadorias, quer o princípio da não-discriminação em função da nacionalidade, quer o do reconhecimento mútuo, bem como dar prioridade às acções de normalização, através de regulamentação comunitária e da harmonização. Estas acções são levadas a efeito, quer pelos industriais europeus, que são mobilizados a conceder prioridade à normalização na sua estratégia dirigida ao mercado interno, quer pelos organismos para tal criados, designadamente o Centro Europeu de Normalização, o Centro Europeu de Normalização Electrotécnica e o Instituto Europeu de Estandardização das Telecomunicações, compostos pelos organismos nacionais de estandardização.
Em paralelo com os entraves técnicos, actuam os entraves fiscais, que se resumem, basicamente, à fiscalidade indirecta, em especial o IVA, imposto sobre o consumo, um dos maiores fornecedores de receitas fiscais que revertem a favor das finanças públicas do Estado-membro consumidor. O grande problema em torno do IVA, para além da disparidade de taxas aplicadas entre os Estados-membros (o que origina distorções da concorrência), diz respeito ao actual sistema de cobrança, o qual se exerce no Estado-membro de destino das mercadorias, não correspondendo às práticas comerciais modernas, por criar um controlo físico dos movimentos das mercadorias, nas fronteiras, quando o objectivo central do Mercado Interno é, justamente, terminar com essas fronteiras. O grande objectivo relativamente ao IVA consiste, assim, em passar a cobrá-lo no país de origem, embora ainda não se tenha chegado a acordo sobre a modalidade para fazê-lo.
Na verdade, já o Tratado de Roma-CEE falava na necessidade de harmonizar os impostos indirectos, embora fosse muito vago quanto ao que efectivamente queria dizer com harmonização, até porque apenas referia que as legislações nacionais deveriam ser aproximadas. Diversos passos vêem sendo dados no sentido da harmonização da fiscalidade indirecta, designadamente do IVA, porém a realidade é que os progressos têm sido lentos, existindo apenas um compromisso vago em matéria de harmonização fiscal a médio prazo, especialmente por se tratar de uma matéria central à soberania estadual, decidida, por conseguinte, por unanimidade.
Relativamente aos impostos directos, a questão é também complicada, até porque, tal como os impostos indirectos, também exigem a decisão da União Europeia por unanimidade, representando cerca de 40% das receitas estatais provenientes da cobrança de impostos. Por outro lado, a competição fiscal é também uma realidade, já que, com a mobilidade do trabalho e do capital, os trabalhadores e os investidores dirigem-se para os Estados-membros onde a cobrança fiscal é mais reduzida, como a Irlanda, acusada pelos parceiros da União Europeia de fixar taxas fiscais baixas para chamar o investimento directo estrangeiro.
Seja como for, a verdade é que, quer se trate de impostos indirectos, quer de impostos directos, as diferenças nos sistemas fiscais dos Estados-membros representam uma barreira à concretização do Mercado Interno, porque podem causar distorções nos preços e, desta forma, prejudicar o processo competitivo. Implicam, além do mais, ajustamentos nas fronteiras, o que, por sua vez, implica a necessidade de controlos fronteiriços, precisamente o que o Mercado Interno pretende abolir. Por outro lado, operar com sistemas fiscais distintos aumenta os custos e a complexidade dos negócios entre os agentes económicos dos vários Estados-membros.
A par dos entraves físicos e fiscais, há, ainda, que ter em conta a protecção dos mercados públicos como barreira que se interpõe à livre circulação das mercadorias. Estes mercados têm sido os mais difíceis de abrir, porque privilegiam os fornecedores nacionais em detrimento dos estrangeiros, caindo nas práticas discriminatórias, principalmente nos sectores-chave da economia nacional, como o fornecimento de água, electricidade, gás, os transportes públicos e as telecomunicações.
Em 1988, o Relatório Cecchini efectuou uma análise dos efeitos que a abertura dos mercados públicos europeus teria na então CEE a Doze e obteve resultados que podem ser enquadrados em dois tipos de efeitos. Os efeitos directos estimavam os ganhos em cerca de 3 a 8 mil milhões de Ecus, enquanto os indirectos, como o aumento da concorrência, a diminuição dos custos em virtude da pressão sobre os preços, o efeito de concentração (que levaria à redução do número de agentes económicos intervenientes em cada mercado) e a melhoria da taxa de utilização das capacidades de produção, estimava os ganhos totais em cerca de 4 a 8 mil milhões de Ecus, sendo certo que os ganhos globais poderiam ascender a sensivelmente 0,5% do PIB comunitário (segundo dados de 1986).
Denominado “Os Custos da Não-Europa”, o relatório procurou demonstrar que a falta de unidade do mercado europeu e a sua contínua fragmentação constituíam custos elevados para o consumidor europeu e para a economia de um modo geral, pois o diagnóstico contemplava conclusões várias relativamente à economia europeia. Assim, os custos de produção eram elevados, segundo o Relatório Cecchini, em virtude da falta de estandardização das normas técnicas, enquanto os altos custos dos transportes se deviam às formalidades aduaneiras, existindo, ainda, não apenas uma duplicação dos custos de investigação e desenvolvimento, como também uma reduzida eficácia das actividades estatais.
Em relação às pessoas, não existem propriamente entraves à livre circulação. Na verdade, sendo um aspecto central da integração dos mercados de trabalho, a liberdade de circulação das pessoas já viu serem levantados os entraves que anteriormente existiam, como as restrições à permanência dos trabalhadores de um Estado-membro no território de outro, assim como as respectivas famílias, as discriminações com base na nacionalidade, as questões relativas à segurança social, entre outros, existindo hoje, mesmo, diversos programas de intercâmbio estudantil e a possibilidade dos reformados e estudantes de um Estado-membro residirem noutro mesmo sem neste terem qualquer vínculo contratual de trabalho – questão que, até há bem pouco tempo, era obrigatória para se poder residir em qualquer Estado-membro que não o da nacionalidade do cidadão em causa.
É verdade, todavia, que não obstante estes avanços, ainda se mantêm algumas dificuldades em matéria de reconhecimento de diplomas universitários e outras qualificações profissionais, ao mesmo tempo que a própria Convenção de Schengen – introduzida no Tratado da União Europeia pela revisão realizada em Amesterdão, ainda que com carácter de cooperação reforçada – apresenta igualmente alguns problemas. Desde logo, no espaço Schengen, a supressão de controlos tem originado questões complicadas em matéria de asilo, imigração, cooperação entre polícias, alfândegas e justiça. E, na prática, o que se verifica é que a mobilidade do factor trabalho é muito reduzida na União Europeia, não porque existam entraves à liberdade de circulação de pessoas, mas porque as próprias pessoas mobilizam-se pouco para migrar. Na verdade, o factor trabalho movimenta-se, fundamentalmente, em virtude da abertura de filiais das grandes empresas, o que significa que as nítidas disparidades em termos de níveis salariais e taxas de desemprego entre os Estados-membros não têm sido suficientes para justificar um processo de emigração com os custos que implica.
Em relação aos serviços, cuja liberdade refere-se à prestação de serviços propriamente dita, mas também ao estabelecimento em condições de igualdade face aos nacionais do Estado-membro receptor, o estabelecimento da livre circulação foi um processo muito lento, que decorreu, essencialmente, através de três gerações de directivas que tinham por objectivo a harmonização. A primeira dessas directivas estabeleceu a liberdade de estabelecimento sem restrições com base na nacionalidade. A segunda estabeleceu a liberdade de prestação de serviços, autorizando os agentes económicos a desenvolver actividades num Estado-membro sem aí possuírem estabelecimentos. A terceira directiva autorizou, por sua vez, os agentes económicos dos sectores da banca, dos seguros, corretoras e companhia aéreas a exercerem a sua actividade noutro Estado-membro com base no princípio do reconhecimento mútuo.
Apesar destas medidas, há ainda obstáculos à livre circulação dos serviços porque existe uma grande heterogeneidade fiscal. No entanto, a liberalização dos serviços é considerada positiva, tal como a liberalização da circulação das mercadorias, e assenta na melhoria da distribuição de recursos com especialização internacional e oportunidades para explorar economias de escala. Muitas das razões que se apontam para o comportamento restritivo dos Estados-membros nesta matéria referem-se à protecção dos consumidores, à necessidade de garantir a segurança (caso do transporte aéreo), de assegurar um mínimo de nível (caso dos serviços médicos), garantir a solidariedade bancária (caso do sistema bancário), proteger as indústrias nacionais por razões de prestígio ou estratégicas (como o transporte aéreo), controlar as tecnologias-chave (como a ciência da informação e as telecomunicações) e por razões culturais (caso dos serviços audiovisuais), sendo certo que a maior parte destes serviços são, tradicionalmente, monopólios nacionais.
Em relação aos capitais, em virtude das etapas para se alcançar a união económica e monetária, a livre circulação entrou em vigor a 1 de Julho de 1990, data da entrada em vigor da directiva de 1988 que estabelecia a liberdade de circulação dos capitais, embora se tenham concedido derrogações para Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda, até 1994. Quase não existem, todavia, hoje, entraves em matéria de circulação livre de capitais, existindo apenas alguns, poucos, relativamente a regimes fiscais específicos, como os fundos de pensões.
Evidente se torna, a partir desta análise, a existência de obstáculos vários às liberdades de circulação, ainda que a regra seja a da não existência de tais obstáculos, os quais, muitas vezes, persistem como formas proteccionistas de actuação por parte dos Estados-membros. Esta situação tem mantido a fragmentação do mercado comunitário em vários mercados nacionais. No entanto, cada vez menos esta surge como a razão explicativa da falta de dinamismo e de competitividade da economia europeia, recentemente explicada em termos de rigidez do mercado de trabalho, de dificuldades nas questões educacionais e na formação/treino profissional e no gap tecnológico, especialmente no que se refere à ciência da informação.
Em virtude destas constatações, o Conselho Europeu de Lisboa, de Março de 2000, propôs um novo objectivo estratégico: renovação económica, social e ambiental para os próximos dez anos, de modo que, em 2010, a economia europeia seja a mais dinâmica e competitiva do mundo.
Conhecido como a “Estratégia de Lisboa”, o programa do novo objectivo estratégico procurava estabelecer uma economia assente no conhecimento e uma sociedade do conhecimento através de políticas para desenvolver a sociedade de informação; completar o Mercado Interno para promover o processo de reforma estrutural com vista a alcançar a competitividade e a inovação; alcançar o pleno emprego através da abertura de novas oportunidades de emprego; promover um mercado de trabalho integrado por forma a reduzir o desemprego e as disparidades sociais e regionais, através da modernização do modelo social europeu, o que passa pelo investimento nas pessoas e pelo combate à exclusão social; promover uma União Europeia cada vez mais integrada através da melhoria do transporte, das telecomunicações e das redes de energia e proteger o ambiente.
A Estratégia de Lisboa foi confirmada, em Março de 2002, pelo Conselho Europeu de Barcelona, através da criação de um Conselho para a Competitividade. Neste sentido, também, a Comissão publicou, em Maio de 2003, um Plano de Dez Pontos procurando concretizar a realização completa do Mercado Interno de acordo com a Estratégia de Lisboa e com a Estratégia Europeia para o Emprego, de 1997, de modo a estabelecer uma estratégia de actuação de 2003 até ao final deste ano.
Seja como for, as quatro grandes liberdades de circulação são um dado adquirido em matéria de Mercado Interno, assentando sobre uma série de pressupostos fixados pelo próprio Tratado, através dos fundamentos das liberdades de circulação, existindo os obstáculos como excepções que se interpõem à regra geral da livre circulação.


FUNDAMENTOS DAS LIBERDADES DE CIRCULAÇÃO


O princípio da não-discriminação é um dos fundamentos básicos do Mercado Interno, tendo como principal objectivo que o tratamento concedido, por qualquer Estado-membro, a mercadorias, serviços, capitais ou pessoas oriundas de outros Estados-membros seja exactamente o mesmo que o atribuído aos produtos, serviços, capitais ou pessoas nacionais, visando impedir que exista um tratamento diferente, com base na nacionalidade, de situações semelhantes.
O princípio do reconhecimento mútuo, estreitamente ligado ao princípio da não-discriminação, exige que a legislação de um outro Estado-membro seja equivalente, nos seus efeitos, à legislação nacional[5]. De facto, o Tribunal de Justiça estabeleceu o princípio segundo o qual um produto legalmente fabricado e colocado no mercado de um Estado-membro da Comunidade deve ser aceite nos outros Estados-membros, dado que os padrões de qualidade e segurança são iguais em todos os países comunitários. Contudo, apesar de ter contribuído substancialmente para agilizar as transacções intracomunitárias, acaba por não ser suficiente para assegurar a protecção da saúde e da segurança dos consumidores ou para garantir a legalidade das transacções comerciais. Este princípio aplica-se também, naturalmente, e com base na mesma lógica, aos serviços, capitais e pessoas que circulam no território comunitário, obrigando, designadamente, que sejam reconhecidos os diplomas de um Estado-membro por outro.
O princípio da regulamentação comunitária ou harmonização funciona como complemento às medidas de efeito directo, asseguradas pelo princípio da não-discriminação, e à jurisprudência comunitária, presente no princípio do reconhecimento mútuo, incentivando-se a aproximação das legislações dos Estados-membros na medida do necessário para o funcionamento do Mercado Comum. Foi, também, posto em prática um novo sistema de harmonização técnica e normalização, no qual as directivas de harmonização passariam a concentrar-se em exigências essenciais de saúde, de segurança e de protecção do ambiente. Esta flexibilidade da harmonização permitiu evitar que uma precisão excessiva dos textos prolongasse demasiadamente a sua elaboração, bem como a respectiva negociação. Estima-se que cerca de vinte a trinta por cento dos bens que atravessam as fronteiras internas da União Europeia estejam submetidos a normas harmonizadas, sendo o restante das trocas regido por procedimentos de reconhecimento mútuo.


IMPACTO E EFICÁCIA DO MERCADO INTERNO

Para avaliar os efeitos económicos da constituição do Mercado Interno, a Comissão Europeia encarregou um conjunto de peritos, liderados por Paolo Cecchini, para identificar os mecanismos microeconómicos que permitiriam lutar contra a inflação e a fragmentação do aparelho produtivo europeu. Apresentado em 1988, o Relatório Cecchini, intitulado “Os Custos da Não Europa” pretendia avaliar, às vésperas da concretização do Mercado Interno europeu, os ganhos que adviriam a um país por participar num projecto como o Mercado Interno e, sobretudo, os custos de não participar, chegando à conclusão sobre a existência de dois tipos fundamentais de custos. Por um lado, os custos directos das barreiras económicas que persistem nas fronteiras internas da Comunidade e que afectam as trocas, como as tarifas e as restrições quantitativas, assim como das barreiras que existem no interior dos vários Estados-membros que evitam as trocas, como as diferentes normas e regulamentos técnicos e, por outro, os custos indirectos, resultantes da não integração dos mercados. Representam estes custos aquilo que se deixa de ganhar pela manutenção das barreiras, isto é, os custos que a economia comunitária tem de suportar porque as barreiras que os Estados-membros mantêm impedem que a Comunidade como um todo tire pleno partido da integração dos mercados e da produção global. Custos estes que podem resultar da não obtenção de economias de escala, assim como da não intensificação da concorrência.
As barreiras que os Estados-membros, no seio do Mercado Interno, persistem em manter nas suas trocas mútuas conduzem a uma segmentação do mercado europeu em mercados nacionais, o que provoca elevados custos administrativos, de produção, de transportes e com a investigação e o desenvolvimento, provoca falhas na competitividade e reduzida eficácia das actividades estatais, contribuindo para a formação de oligopólios e, assim, originando uma diferenciação de preços dos mesmos bens e serviços nos vários Estados-membros.
Sendo esta a realidade do Mercado Interno Comunitário que hoje temos, convém ter sempre presente que esse Mercado Interno foi um processo de construção difícil, faseado e moroso, que permanece imperfeito. Daí a importância da análise sobre o que realmente aconteceria caso não houvesse, entre os Estados-membros no seio do Mercado Interno, tais barreiras. Ocorreria, naturalmente, a integração plena, que levaria à racionalização da produção e da distribuição, conduzindo ao aumento da produtividade e à redução dos custos e dos preços. O que equivale a dizer que, teoricamente, a integração económica produz, justamente, esses efeitos, quando alcançada na plenitude.
Efectivamente, o Mercado Único conduz à concorrência acrescida, que leva os agentes económicos a tentar diminuir os custos de produção de modo a obterem maior grau de competitividade. A abertura dos mercados públicos, por seu lado, também conduz à diminuição dos preços, já que os produtores nacionais deixam de ficar em situação de quase-monopólio nos mercados nacionais, gerando um aumento da concorrência que provoca a revisão das políticas de preços praticadas pelos agentes económicos, de modo a eliminar discriminações entre os Estados-membros, o que conduz à harmonização dos preços (reduzidos) e provoca, ainda, o desaparecimento dos factores de ineficácia nos agentes económicos (os quais resultam, muitas vezes, de excedentes de produção, da existência de elevado nível de mão-de-obra e de stocks demasiado elevados). O aumento da concorrência provoca, ainda, o desaparecimento dos agentes económicos menos eficientes, ficando no mercado comum apenas os que dispõem efectivamente de vantagens comparativas, o que leva à racionalização das estruturas produtivas e ao reforço da especialização dos grandes grupos industriais.
O Mercado Único origina, ainda, efeitos dinâmicos sobre a oferta e sobre os custos, que levam ao aumento da dimensão do mercado o que, por sua vez, conduz ao aparecimento, a prazo, de empresas de grande dimensão que reduzem os custos de produção em virtude de obterem economias de escala, já que utilizam técnicas de produção que fazem diminuir o custo unitário, por produzirem em quantidades superiores (efeito particularmente visível nas empresas que utilizam equipamentos pesados, porque o aumento do rendimento destes será mais notório) e já que as empresas com sucursais podem colocar em comum a promoção das vendas, a investigação, o desenvolvimento, a gestão e o financiamento, o que altera o carácter organizacional destas empresas.
Para além destes efeitos benéficos ao nível da microeconomia, o Mercado Interno produz também resultados de carácter macroeconómico. Afinal, a supressão das barreiras às trocas faz diminuir os custos de produção, o que faz pressão sobre a concorrência e acaba conduzindo à diminuição dos preços, de modo a que as empresas europeias se tornem mais rentáveis e competitivas no mercado externo, melhorando o saldo comercial da União Europeia, o que reflecte ganhos de competitividade. Por outro lado, o aumento da actividade económica produz aumento do PIB e das receitas públicas, bem como criação de empregos. Além do que as Administrações Públicas beneficiam do aumento das receitas – pois a actividade económica cresce – e da redução das despesas – pois os preços descem –, o que lhes permite aumentar o saldo líquido.
Os efeitos positivos observados pela análise dos efeitos macroeconómicos produzidos pela integração dos mercados são, porém, atenuados por factores não tão positivos daí resultantes, mas que, na prática, ocorrem, flexibilizando a rigidez teórica.
Assim, o aumento do PIB gera inflação (pela procura) e faz aumentar as importações, o que atenua a baixa dos preços e a melhoria do saldo com o exterior. Simultaneamente, a supressão das barreiras alfandegárias e a progressão da produtividade moderam a criação de empregos e a Comunidade é, ainda, afectada pelos acontecimentos internacionais e especificamente europeus, como o alargamento aos países da Europa Central e Oriental, a globalização e a revolução das tecnologias da informação, de modo que se torna difícil isolar os efeitos que podem ser exclusivamente atribuídos à criação do Mercado Interno europeu.
Do mesmo modo, a legislação relativa ao Mercado Interno ainda não produziu todos os seus efeitos, pois os agentes económicos ainda se estão a adaptar ao novo contexto de liberdades e ao novo ambiente regulamentar. Persistem, também, alguns obstáculos à plena liberdade de circulação: as regras comunitárias, que têm que ser transpostas e aplicadas de forma eficaz e equitativa por parte de todos os Estados-membros, muitas vezes não o são, ou são-no de forma incorrecta ou demoram muito tempo a sê-lo, havendo muitos atrasos.
Estes factores prejudicam a efectiva implementação do Mercado Interno. Assim, numa primeira fase, pelas reestruturações que impõe ao aparelho produtivo de toda a Comunidade, o Mercado Interno gera destruição de empregos no sector industrial e de serviços, bem como a tendência para a polarização das actividades económicas mais rentáveis nas regiões centrais da União Europeia, agravando as assimetrias regionais. Daí que o Acto Único Europeu tenha desenvolvido políticas de apoio à coesão económica e social, com destaque para as Políticas Regional, Social e dos Transportes.
Tudo isto demonstra que as vantagens previstas do Mercado Interno só aparecem no médio prazo, sendo ainda variáveis consoante existam, ou não, políticas de acompanhamento, com as quais os resultados são mais favoráveis, já que tais políticas permitem retirar todas as vantagens inerentes à criação de um Mercado Interno e minimizam os riscos da sua implementação, o maior dos quais acaba por ser a quebra de coesão do já fragmentado espaço económico europeu. Estes resultados mais favoráveis tornam-se visíveis em termos de crescimento do PIB e do emprego, traduzindo uma orientação macroeconómica mais expansionista. E têm repercussões menos positivas sobre o equilíbrio das finanças públicas e do saldo com o exterior.
A partir daqui, fácil se torna concluir sobre o impacto e a eficácia do Mercado Interno europeu, sendo certo que este provoca efeitos em termos de reforço da integração, da concorrência e, ainda, vantagens para os consumidores.
Desta forma, o funcionamento do Mercado Interno tem resultado numa maior concorrência entre as empresas, na aceleração do ritmo de reestruturação da indústria, facto que origina uma maior competitividade. Verifica-se, paralelamente, uma maior variedade de bens e serviços à disposição dos consumidores, a preços mais baixos, bem como maior rapidez e menos custos nas entregas transfronteiriças e maior mobilidade, entre os Estados-membros, dos trabalhadores e pessoas não activas (estudantes e reformados).
Simultaneamente, o comércio intracomunitário aumenta em virtude da eliminação dos obstáculos, sendo certa a alteração da natureza dos fluxos comerciais, pois os Estados-membros não se estão a especializar num maior número de sectores; especializam-se no âmbito de um mesmo sector de actividade, em nicho de qualidade e de preço (neste campo existe uma relativa convergência das estruturas produtivas dos Estados-membros).
A inserção internacional da economia comunitária segue no bom caminho, pois o Mercado Interno origina um forte acréscimo do comércio mundial, aumentando grandemente a participação da União nesse comércio, o que significa que o aumento do comércio intracomunitário não prejudica o comércio com países terceiros, fazendo, até, aumentá-lo. Logo, os países terceiros também beneficiam do Mercado Interno.
A melhoria do rendimento a nível comunitário, por seu lado, proporciona uma relativa convergência a favor da maioria dos Estados-membros periféricos da União Europeia, cujas taxas de crescimento são, em geral, superiores, registando-se, também, uma redução da inflação e uma melhoria do investimento, enquanto o Mercado Interno permite obter um nível de emprego superior ao que existia, apesar da situação, hoje, não ser muito favorável.
Em suma, o impacto macroeconómico do Mercado Interno é claramente positivo, esperando-se, para o futuro, a melhoria desse impacto, à medida que o mesmo se realiza e que os agentes económicos se adaptem ao novo ambiente mais concorrencial. Paralelamente à adopção da Moeda Única, o Mercado Interno é o aspecto mais ambicioso do processo de integração regional europeia. É evidente que, se certas medidas não forem tomadas, a constituição do Mercado Interno pode prejudicar o comércio internacional como elemento global.
O regionalismo e o multilateralismo podem, no entanto, compatibilizar-se, desde que os acordos regionais tenham, na sua base, uma filosofia de abertura face a terceiros países; daí falar-se em regionalismo aberto, por oposição ao regionalismo preferencial. Para concretizar esta compatibilização, o Mercado Interno Comunitário deverá cooperar com a Organização Mundial de Comércio, servir-se dos direitos reduzidos de “Nação Mais Favorecida”, assim como adoptar cláusulas liberais de adesão e ainda utilizar regras de origem transparentes e não proteccionistas, proporcionando uma maior integração (que conduz à melhor eficiência na utilização dos recursos) e limitar as medidas anti-dumping.
Com o objectivo de avaliar se os blocos regionais cumprem ou não estas condições foi criado, em Fevereiro de 1996, o Comité dos Acordos Comerciais Regionais que tem como funções específicas examinar os acordos e os procedimentos à luz das instruções do Comité, formular recomendações apropriadas, examinar as consequências dos blocos regionais face ao sistema internacional e executar as tarefas que o Comité determina.
Do estudado pode concluir-se que, efectivamente, há vantagens na integração regional, sendo vários os motivos que, normalmente, estão na base do regionalismo, como alcançar o alargamento dos mercados e ganhos comerciais resultantes da especialização das estruturas de produção. Para os pequenos países, a integração representa uma forma de se inserirem no mercado internacional, representando, para os grandes países, a possibilidade de ultrapassarem as dificuldades que surgem nas negociações comerciais internacionais.
A integração representa, também, de um ponto de vista geral, a possibilidade de aceder aos canais privilegiados de outros países (tornados seus parceiros), no quadro legal do acordo regional assinado. A coesão política aumenta, pois, a integração, ajuda a aplacar tensões políticas e permite forjar uma cooperação política mais intensa entre os membros. Assim se eleva o grau de consciência política colectiva e se cria uma maior sensibilidade aos problemas económicos dos parceiros. A integração pode, também, ajudar a alcançar objectivos comerciais e económicos de longo prazo, daí que seja vantajosa para os Estados.
O regionalismo, ao reforçar a eficiência económica do mercado, promove a reestruturação industrial com vista à especialização e, em virtude dos esforços feitos em nome de objectivos políticos e económicos, conduz a uma maior liberdade de trocas. Os espaços de integração podem, assim, ser vias de promoção da implantação de novos sectores, com a satisfação indispensável das condições de validade do argumento das indústrias nascentes.


ALGUMAS POLÍTICAS DE ACOMPANHAMENTO DO MERCADO INTERNO EUROPEU


Sendo o Mercado Interno europeu um mercado comum – de acordo com a Teoria da Integração Regional – não pode ficar reduzido à eliminação dos obstáculos às liberdades de circulação, sendo também necessário pôr em funcionamento políticas comuns à escala comunitária, para defenderem uma visão europeia dos interesses comunitários e permitirem a constituição de um ambiente económico homogéneo.
As políticas comuns surgem, desta forma, como ferramentas que permitem organizar os mercados europeus e reestruturar o aparelho produtivo europeu, de modo a criar um só mercado, comunitário, para cada produto, que leve mais longe a integração.
O próprio Tratado de Roma-CEE, quando estabelece o objectivo de criar um mercado comum, enuncia, desde logo, a necessidade de haver uma aproximação progressiva das políticas económicas dos Estados-membros, enumerando, mesmo, as acções que a Comunidade teria de desempenhar para alcançar as metas propostas, de acordo com o calendário previsto: a Comunidade teria de criar políticas comuns nos domínios da concorrência, da agricultura, dos transportes e do comércio, sendo, deste modo, as Políticas Comuns da Concorrência, da Agricultura, dos Transportes e a Política Comercial Comum as políticas previstas, originalmente, pelos Tratados Comunitários.

POLÍTICA COMERCIAL COMUM:

A opção por considerar necessário estabelecer, desde o início, uma Política Comercial Comum parece lógica. Afinal, a existência de uma Pauta Aduaneira Comum e de regras comuns nas relações dos Estados-membros com Estados terceiros implica a existência de orientações comuns em termos de política comercial, isto é, de celebração de acordos comerciais entre a Comunidade e países terceiros, ou simplesmente de relações importação/exportação entre a Comunidade e esses países. Esta situação levou a uma transferência de competências, do plano dos Estados, para o plano comunitário, no que diz respeito às questões comerciais.
Assim, a partir do momento em que passa a vigorar a união aduaneira e, consequentemente, a Pauta Aduaneira Comum, em 1968, passa-se a ter, no processo europeu de integração, uma Política Comercial Comum, a qual, sendo a União Europeia o maior bloco comercial do mundo, o maior exportador mundial, a principal fonte de investimento directo estrangeiro e o segundo maior destino desses investimentos (a seguir aos EUA), segundo dados de 2002, num mundo onde a interdependência é um dado adquirido, em função da expansão do comércio internacional, estando o Mercado Interno consolidado, e a União Europeia cada vez mais alargada, não constituindo uma Europa Fortaleza, adquire especial importância, em função da relevância da relação da União com o resto do mundo em termos económico-comerciais. A Política Comercial Comum surge, assim, como a face externa do Mercado Interno, que organiza os fluxos de importação e exportação, fazendo da União Europeia um dos parceiros mais influentes, quer ao nível das negociações comerciais bilaterais, quer ao nível multilateral (primeiro no seio do GATT, desde 1995 no seio da OMC).
De facto, a Política Comercial Comum assenta no princípio do livre-cambismo, princípio no âmbito do qual são definidos os seus objectivos, o que significa que tal política inscreve-se no quadro do GATT e das diferentes rondas negociais que marcaram as grandes etapas da liberalização das trocas e, hoje, no quadro da OMC. Deste modo, nas matérias reguladas pelo GATT e, depois, na extensão das mesmas pela OMC, a Comunidade não tem liberdade para actuar como entender, tendo, antes, que se submeter às regras definidas para regulamentar o comércio internacional, o que, em muitas situações, compreende uma reacção pouco positiva da parte da Comunidade, designadamente em matéria agrícola, na qual, a custo, teve de fazer concessões como contrapartida de vantagens obtidas noutras áreas. A Comunidade teve, nomeadamente, de reduzir os subsídios às exportações e os subsídios internos. Também nas questões ligadas ao audiovisual a Comunidade apresenta grande resistência, a qual é sobretudo francesa, e acabou por valer-lhe uma excepção cultural, a contra-gosto dos EUA, sendo difíceis, também, as negociações em matéria de telecomunicações, transportes e serviços financeiros.
Não obstante, a Política Comercial Comum inscreve-se, efectivamente, nas regras do GATT-OMC, o que lhe rende um reduzido espaço de manobra para actuar, designadamente no sentido de promover políticas comerciais ofensivas, sendo reduzidos os instrumentos de acção que tem ao seu dispor. A Comunidade não pode, pois, utilizar os instrumentos tradicionais – como as tarifas, os contingentes, as restrições voluntárias às exportações, os direitos aduaneiros elevados, os direitos niveladores elevados – os quais vão perdendo importância, levando-a a tentar colocar os seus produtos no mercado mundial e defendê-los da concorrência externa através da utilização de formas menos convencionais de protecção, como as medidas anti-dumping, anti-subvenções, de salvaguarda e de luta contra a contrafacção.
A margem de manobra da Política Comercial Comum é, também, cada vez mais reduzida porque a capacidade das Instituições Comunitárias para definir tal política tem vindo a diminuir, em virtude da actuação e dos interesses dos Estados-membros, já que, conforme refere o Tratado no seu articulado, a Política Comercial Comum é, em princípio, da competência exclusiva da Comunidade. Assim, a execução desta política comum está a cargo da Comissão Europeia, com base nos mandatos que lhe são conferidos pelo Conselho de Ministros (que, nesta matéria, delibera por maioria qualificada). Para tanto, a Comissão apresenta propostas ao Conselho, que este aprova, ou não, por maioria qualificada, autorizando-a, ou não, a executar a Política Comercial Comum, isto é, dando-lhe, ou não, mandato para tal.
As directrizes desta política comunitária são, assim, traçadas pelo Conselho e, no âmbito destas, uma vez mandatada pelo Conselho, a Comissão executa a política, conduzindo as negociações comerciais, quer ao nível multilateral do GATT-OMC, quer ao nível bilateral, através de um representante único para tanto nomeado.
Sendo o Conselho a tomar as decisões políticas, é a Comissão quem desempenha, em matéria de Política Comercial Comum (como em muitas outras matérias), um papel essencial na preparação das propostas, na condução das negociações, na execução, de um modo geral, da Política Comercial Comum, o que cria dois tipos de conflitos institucionais relativamente à partilha de competências: entre a Comunidade e os Estados-membros e entre o Conselho e a Comissão.
Efectivamente, por um lado, como a Comissão está encarregue de conduzir as negociações, a partilha de competências entre esta e o Conselho presta-se a interpretações distintas. A Comissão tem uma concepção abrangente dessa partilha, enquanto o Conselho tem uma concepção mais estreita.
Por outro lado, como as decisões, no seio do Conselho, são tomadas por maioria qualificada, os Estados-membros vêm-se desprovidos de poder de decisão e, por isso, adoptam, não raras vezes, uma visão restritiva da Política Comercial Comum, já que a Comissão tende a considerar que tudo o que afecta as trocas internacionais faz parte desta política e, portanto, dependem da sua competência executiva. E isso, sendo certo que as matérias englobadas pelo GATT-OMC são muito numerosas e diversas, abrangendo a troca de mercadorias, de serviços, a protecção à propriedade intelectual, entre outras.
Não obstante a redução, por todos estes motivos, da capacidade de manobra da Política Comercial Comum, a importância estratégica desta não desaparece; apenas assume uma nova funcionalidade. Prova disso é o facto desta política assentar na assinatura, pela Comunidade, de diversos acordos comerciais que, com diferentes fundamentos, colocam a União Europeia em relação com, praticamente, todas as regiões do mundo.
A União Europeia tem, assim, um acordo com a EFTA para a criação do Espaço Económico Europeu (EEE), uma grande zona de comércio livre na Europa Ocidental; tem acordos com os países da Europa Central e Oriental para preparar a economia e sociedade destes países para uma futura adesão à União; tem acordos com o Mediterrâneo, no âmbito do espírito euro-mediterrânico de Barcelona (1995); tem acordos com países de igual nível de desenvolvimento, designadamente com o Japão e os EUA, existindo, ainda, acordos de livre comércio com a Noruega, a Islândia, a Suíça e o Lichtenstein, e acordos com outros blocos regionais, como o que, em 1995, foi assinado com o Mercosul. A União Europeia participa, ainda, do Sistema de Preferências Generalizado (SPG), criado em 1968, através do qual concede preferências comerciais a vários países em vias de desenvolvimento da Ásia e da América Latina e possui, com os seus parceiros naturais – as ex-colónias e territórios ultramarinos dos seus Estados-membros –, acordos que compõem a POLÍTICA DE COOPERAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO, consubstanciada nas Convenções de Iaoundé (1963-1969 e 1969-1975), nas Convenções de Lomé (1975-1979, 1980-1985, 1986-1990, 1990-2000) e no Acordo de Cotonou (2000- …).

POLÍTICA COMUM DE CONCORRÊNCIA:

Complemento natural do Mercado Interno, a Política Comum de Concorrência foi prevista desde o início pelo Tratado de Roma-CEE, pois estipulando a livre troca entre os Estados-membros, a todos os níveis, o Mercado Interno tornava necessário que se fixasse um regime que permitisse que a concorrência no espaço comunitário não fosse falseada.
Neste sentido, a Política Comum de Concorrência é, naturalmente, definida pelas Instituições Comunitárias, com destaque para a Comissão, sendo, pois, uma política verdadeiramente comunitária. A Comissão Europeia é também responsável pela aplicação prática desta política comunitária, sendo o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia quem arbitr os litígios e fixa a jurisprudência.
A Política Comum de Concorrência baseia-se nos fundamentos da Teoria Económica, de acordo com os quais os efeitos benéficos de uma economia de mercado só podem ser obtidos no quadro de uma economia concorrencial, sendo certo que a obtenção de uma economia de mercado é o meio mais eficaz para se alcançarem os objectivos económicos da União Europeia.
Efectivamente, a concretização do Mercado Interno pressupõe a supressão dos entraves nacionais à livre circulação das mercadorias e a eliminação daquilo que possa falsear o jogo do mercado, permitindo que apenas os agentes económicos mais poderosos obtenham ganhos desse mercado. Trata-se das chamadas posições dominantes, como os monopólios e os oligopólios, que originam menos vantagens por proporcionarem preços mais elevados e quantidades menores de produção. Situações há, porém, como o caso das indústrias que utilizam tecnologia de ponta, em que as posições dominantes acabam por ser vantajosas, porque tais indústrias, como as aeroespaciais e bioquímicas, exigem custos elevados de estabelecimento e gastos em investigação e desenvolvimento também muito elevados.
Assim, a concentração empresarial permite a racionalização da produção, minimizando os custos e maximizando os ganhos, através da obtenção de economias de escala. Nestes casos, as posições dominantes que a Política Comum de Concorrência combate acabam por ser positivas, o que significa que esta política comunitária aceita certas posições dominantes e combate as restantes.
Por outro lado, sendo certo que, desde o início, os Tratados vieram promover a concorrência através da eliminação dos entraves às trocas, sabemos que algumas situações proteccionistas foram, desde logo, autorizadas, estabelecendo-se derrogações às quatro liberdades de circulação. A política Comum de Concorrência actua, desta forma, para proibir os entraves às trocas, em duas vertentes, ainda que aceite excepções, previstas pelo Tratado.
De uma parte, a Política de Concorrência actua no sentido de regulamentar a actividade das empresas, regulando os acordos que as empresas estabelecem entre si e que originam a fragmentação do mercado e regulando as situações de posição dominante, controlando o processo de concentração empresarial. De outra parte, a Política de Concorrência regulamenta os comportamentos dos Estados-membros face às suas próprias empresas, regulando as ajudas que estes lhes poderão conceder e a questão específica das empresas públicas. Vertentes de actuação estas que orientam-se no sentido geral da proibição dos comportamentos e das acções que afectam (ou possam afectar) o comércio entre os Estados-membros e tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência, aceitando-se, como excepções, os acordos ou práticas concertadas que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição e para promover o progresso técnico ou económico, desde que promovam, também, a competitividade da economia europeia como um todo. São ainda aceites, a título de excepções, os auxílios estatais concedidos por razões de ordem social ou económica e os monopólios que recaem sobre bens ou serviços considerados muito importantes pelo Estado.

POLÍTICA AGRÍCOLA COMUM:

Várias foram as razões que levaram o legislador comunitário a prever uma Política Agrícola Comum (PAC) desde o início da construção europeia. A razão central foi a necessidade de definir regras que permitissem a integração do sector agrícola no quadro do Mercado Comum que os Seis pretendiam estabelecer entre si, sem que essa integração provocasse uma ruptura do sistema tradicional em que os sectores agrícolas dos Estados fundadores viviam, fundamentalmente no que se refere à França, dado o peso do sector agrícola francês na economia francesa e no conjunto da economia comunitária. Além disso, em todos os Estados fundadores – como, de resto, em todos aqueles que viriam a aderir às Comunidades – o sector agrícola caracterizava-se por forte intervenção das Autoridades Públicas, sendo impensável finalizar esses apoios de forma repentina e, dessa mesma forma, submeter os produtos agrícolas às regras de funcionamento do Mercado Comum, sem que em substituição houvesse um outro mecanismo de suporte aos agricultores e à actividade agrícola. Porém, esse mecanismo de suporte não poderia continuar a ser constituído por sistemas de apoio decididos a nível nacional, antes teria que passar a compor-se por sistemas decididos e implementados a nível comunitário, atribuindo-se uma competência própria ao Conselho de Ministros.
O Tratado de Roma-CEE previu, assim, desde logo, a competência do Conselho para adoptar regras comuns, designadamente as chamadas organizações comuns de mercado (OCM), isto é, regras sobre a produção e comercialização dos produtos agrícolas que se aplicam nos diversos sectores. Estas regras, anteriormente nacionais, passaram, assim, a ser comunitárias, constando, não de directivas, mas de regulamentos, por constituírem normas directamente aplicáveis na ordem jurídica interna dos Estados-membros, embora, depois, com disposições nacionais de aplicação e desenvolvimento, sobretudo a cargo dos Ministérios da Agricultura dos vários Estados-membros.
Principal política de acompanhamento do Mercado Interno, pela fatia do orçamento comunitário que consome e pela delicadeza da matéria, a PAC é, efectivamente, uma questão muito sensível. A agricultura europeia apresenta uma reduzida competitividade face a outros países, como os EUA, e mesmo face a outros sectores de actividade, ao mesmo tempo que a contribuição do sector para o PIB, a população activa no mesmo empregue e a participação percentual da agricultura nas exportações variam de Estado-membro para Estado-membro.
Estas questões seriam aquelas com as quais teriam de lidar os Seis quando pusessem a PAC em marcha e ainda hoje são estes os grandes problemas de fundo. Desta forma, em 1962, a PAC entra em vigor com o fim de unificar a agricultura dos Estados-membros através da supressão dos direitos alfandegários internos e dos entraves à circulação dos produtos agrícolas, da definição em comum dos preços e da equiparação desses preços aos de importação (através da aplicação de direitos niveladores).
Os objectivos que se pretendiam ver alcançados eram o aumento da produtividade da agricultura europeia, a estabilização dos mercados agrícolas, a garantia do nível de vida e de rendimento dos agricultores, a garantia do abastecimento, regular e a preços justos, para os consumidores, em função da necessidade de reduzir o défice comercial e a dependência alimentar das Comunidades, para que, daqui, pudesse resultar uma independência política reforçada. A PAC então criada assentava, desta forma, inteiramente, sobre uma intervenção por via dos preços (estabelecimento de um preço orientação e um outro garantia, responsável pela manutenção dos rendimentos dos agricultores em caso de importação de produtos agrícolas, do exterior, a um preço inferior ao praticado no território comunitário), o que conduziria a graves problemas a partir dos anos 1970.
De facto, durante a primeira década, a PAC funcionou lindamente, com a produção agrícola europeia a crescer a um ritmo sustentado, alcançando-se o objectivo da auto-suficiência alimentar dos Estados-membros.
A partir de então, o progresso tecnológico e económico, que se estendeu ao sector agrícola, começou a trazer problemas à PAC. Como não existiam controlos à produção e os incentivos à mesma eram constantes, começou a produzir-se a mais, gerando-se avultados stocks e, por conseguinte, muitas despesas de aquisição e armazenamento desses stocks. Ao mesmo tempo, ganhava-se consciência de que a PAC não resolvia as necessidades da agricultura comunitária, porque não eram tomados em conta os aspectos sociais e económicos e não havia incentivo à diversificação das produções.
Por outro lado, começaram a surgir os chamados problemas agromonetários, em virtude de a PAC exigir a fixação de um preço único por produto e as alterações cambiais das moedas dos Estados-membros alterarem a lógica desse preço único. Esta situação acabaria por conduzir à criação dos Montantes Compensatórios Monetários (MCM) para neutralizar os efeitos das alterações da paridade no mercado agrícola. Este sistema, que funcionaria até Dezembro de 1992, implicava que o Estado-membro que tivesse a moeda valorizada receberia um Montante Compensatório Monetário positivo para subvencionar as exportações (que haviam encarecido) e taxar as importações, enquanto que o Estado-membro que tivesse a moeda desvalorizada recebia um Montante Compensatório Monetário negativo para taxar as exportações (que haviam ficado mais baratas) e subvencionar as importações.
O uso generalizado deste mecanismo acabaria por provocar efeitos negativos, designadamente a distorção da concorrência entre o Estado-membro de moeda forte e o Estado-membro de moeda fraca, o que conduziria ao desmantelamento destes montantes até 31 de Dezembro de 1992, para que o Mercado Interno pudesse começar a funcionar a 1 de Janeiro de 1993.
Contudo, as dificuldades da PAC mantiveram-se, sendo, até, reforçadas, assentes no financiamento das exportações e nas subvenções às importações, o que provocava excedentes de produção e aumento dos custos com a aquisição e armazenamento desses excedentes, e assentes, também, no aumento do défice orçamental da Comunidade, na desigualdade das contribuições e dos benefícios dos Estados-membros e na oposição crescente dos países terceiros, especialmente dos EUA e do Grupo de Cairns[6].
Este conjunto de situações conduziu ao aparecimento de vários projectos de reforma da PAC, que dariam origem a várias reformas desta política comunitária, desde o início dos anos 1980, sempre centradas na redução dos excedentes agrícolas e dos défices orçamentais, no aumento da produtividade da agricultura comunitária, na manutenção do rendimento dos agricultores europeus e na aproximação da procura à oferta, de modo a evitar os excedentes.
Várias reformas ocorreram com estes fins genéricos, tendo a PAC actual resultado da reforma de Junho de 2003, que surgiu como resposta à Rodada do Milénio da OMC, realizada em Seattle, em 1999, e para fazer face à circunstância dos dez novos Estados-membros da União terem forte peso da população activa no sector agrícola, que tem grande peso na criação do PIB desses países (muito superior à média comunitária), sendo uma agricultura menos desenvolvida que a comunitária.
Inovador nesta reforma terá sido a implementação de um novo modelo de protecção, quebrando definitivamente a ligação entre as ajudas e a produção, no sentido de submeter o mercado agrícola às regras e condições do mercado (e acabar com a ideia de produzir em demasia porque a venda dos produtos estava desde logo assegurada). Neste sentido, diversas medidas foram implementadas, como o pagamento único por exploração para os agricultores europeus, independentemente da quantidade produzida; pagamento esse que só é concedido mediante o respeito pelas normas ambientais e de saúde pública estipuladas pela União Europeia. Procura-se, também, reforçar a política de desenvolvimento rural através de novos recursos financeiros comunitários, da adopção de medidas a favor do ambiente e da qualidade de vida dos animais e das pessoas, da redução dos pagamentos directos para financiar aquela política de desenvolvimento rural e da implantação de um mecanismo de disciplina financeira que assegure o respeito do orçamento comunitário agrícola fixado até 2013; mecanismo esse que assenta na redução dos preços de intervenção para a manteiga e o leite em pó, na redução, para metade, dos incrementos mensais no preço de intervenção dos cereais e nas reformas do arroz e do trigo.

POLÍTICA COMUM DOS TRANSPORTES:

Tal como as políticas comunitárias analisadas até ao momento, também a Política Comum dos Transportes foi prevista, desde o início, pelo Tratado de Roma-CEE, pois se o objectivo de longo prazo das Comunidades era a constituição de um Mercado Comum, onde fosse livre a circulação das mercadorias, dos serviços, das pessoas e dos capitais, então era necessário, naturalmente, criar-se as condições para que tais liberdades pudessem, efectivamente, ocorrer. Daí a importância de haver regras para os transportes estabelecidas, não a nível nacional, mas pela Autoridade Comunitária, que harmonizassem os procedimentos em matéria de tornar viável a circulação, designadamente, das mercadorias e das pessoas.
A Política Comum dos Transportes foi, não obstante, um relativo falhanço, já que só muito tardiamente (final dos anos 70-início dos 80) é que se deram os passos definitivos no sentido de se definirem, verdadeiramente, regras comuns no domínio dos transportes.
Considerando o papel relevante dos transportes, como sector económico, em toda a economia europeia, por representar 7% do PIB comunitário (enquanto a agricultura, por exemplo, representa apenas 5%), empregar 5,6 milhões de pessoas e mais 2,5 milhões na produção de material de transporte, consumir cerca de 28% da energia total consumida na União Europeia e produzir um efeito dinamizador sobre outras actividades económicas – que lhe dão sustentabilidade, como infraestruturas, apoio bancário, seguros, entre outras – causa grande admiração o facto de pouco ou nada se ter feito em matéria de Política Comum dos Transportes até ao final da década de 70. O facto de se tratar de um sector instrumental a toda a actividade económica e social comunitária, com grandes exigências de intervenção, em virtude do grande peso que tem na economia, do grande peso dos seus custos e das distorções que provoca na concorrência entre os Estados-membros reforça essa admiração, tornando possível a existência de uma grande disparidade de normas de Estado-membro para Estado-membro, que permite-lhes favorecerem os transportadores nacionais em detrimento dos transportadores dos restantes Estados-membros – o que é contrário ao Mercado Interno – através de diferentes legislações sobre a dimensão dos veículos, os horários de trabalho e a tributação fiscal.
Tornava-se, pois, imperioso, liberalizar e harmonizar o sector dos transportes, para dar cumprimento ao Mercado Interno.
O Acto Único Europeu deu o passo fundamental, com a aprovação, a partir daqui, de directivas e regulamentos estabelecendo a liberalização dos preços, a fixação das quotas e outras medidas semelhantes. Porém, a questão do estabelecimento efectivo de uma verdadeira Política Comum dos Transportes implica, ainda, não apenas uma mais racional utilização dos transportes, como também a resolução da questão das infraestruturas, que devem ser constantemente melhoradas, o que traz diversos problemas.
Por um lado, é necessário compatibilizar a construção e a melhoria dessas infraestruturas com questões ambientais e custos sociais (como os engarrafamentos) e, por outro, resolver o problema do financiamento da melhoria de tais infraestruturas. Tradicionalmente, estas eram da responsabilidade dos orçamentos nacionais, com excepção das que, dependendo dos Estados-membros, recebiam apoio no âmbito do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER). Assim, sucedeu durante muito tempo que apenas as regiões abrangidas por este fundo viam as infraestruturas de transportes comparticipadas, deixando de fora aquelas que, precisando todavia de uma intervenção no âmbito dos transportes, tinham de o fazer individualmente.
Procurando ultrapassar esta deficiência, o Tratado de Maastricht veio criar a necessidade de relacionar a construção de infraestruturas de transportes comparticipadas pelos Fundos Estruturais com o interesse comunitário, criando a noção de redes transeuropeias de transporte e energia, a serem financiadas especificamente pelo Fundo de Coesão (art.161º do Tratado da Comunidade Europeia).
De salientar, ainda, que as matérias referentes à Política Comum dos Transportes são decididas pelo Conselho de Ministros, através do procedimento da co-decisão, após consultados o Comité Económico e Social e o Comité das Regiões.

POLÍTICA INDUSTRIAL COMUM:

A existência de uma Política Industrial é sempre controversa, já que representa uma forma directa de intervenção das Autoridades Públicas e, naturalmente, no caso da União Europeia, das Autoridades Comunitárias.
No caso da Comunidade, a questão é particularmente interessante porque a sua estruturação deu-se, historicamente, a partir da política industrial, primeiro com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e, depois, com a Comunidade Europeia da Energia Atómica (EURATOM) e da Comunidade Económica Europeia (CEE). Por outro lado, tal como a PAC encontrava, na França, um interessado especial, e a Política Comum dos Transportes encontrava, na Holanda, um destinatário preferencial, também a Política Industrial encontraria um visado privilegiado: a Alemanha, que no final dos anos 50 estava já economicamente recuperada das sequelas da Segunda Guerra Mundial e, até, rejuvenescida, em função dos maciços investimentos que nela haviam sido feitos.
Apesar disso, o Tratado de Roma-CEE não previu nenhuma Política Comum para a Indústria, tampouco um título, ou artigo sequer, o que ficou a dever-se, por um lado, à concepção liberal da crença no mercado e, por outro, na era de prosperidade económica que então se vivia.
Efectivamente, julgava-se que o funcionamento do mercado seria condição suficiente para o aproveitamento das potencialidades industriais dos Estados-membros, até porque o mercado estava já regulado pela Política Comum de Concorrência. Terá, sem dúvida, reforçado esta consciência liberal a era de prosperidade por que passava a economia europeia, criando-se assim um conjunto de factores que desaconselhavam qualquer forma de intervenção pública (comunitária, neste caso) na economia e, especificamente na indústria.
Mesmo assim, em meados dos anos 60, foi criada a Direcção-Geral da Indústria que, contudo, teve sempre menos poderes que a congénere da Concorrência (esta sim, ocupava grande espaço na preocupação com a preservação e promoção das regras da concorrência), considerando-se, não obstante, que passavam a estar englobadas, na regulamentação comunitária, as questões relativas à indústria, não sendo, pois, necessária, qualquer outra forma de actuação.
Todavia, a deterioração dos equilíbrios macroeconómicos (anos 70) levou os Estados-membros a considerarem a necessidade de definir uma verdadeira Política Industrial Comum, com o objectivo de promover a criação de um mercado industrial europeu unificado, promover o desenvolvimento da indústria europeia e a reestruturação dessa indústria, através da definição de estratégias diferenciadas para sectores em declínio e sectores de tecnologia de ponta.
Seria, contudo, necessário esperar-se até ao Tratado de Maastricht para ver-se essa política efectivamente posta em andamento, sendo certo que o Tratado de Maastricht não incluiu um título sobre Política Industrial, mas apenas um título sobre A Indústria, que ainda hoje se mantém (Nice).
É estranho, porém, que a introdução, no Tratado, de um título sobre A Indústria tenha ocorrido num momento histórico caracterizado pela derrota das economias de direcção central e em plena vaga liberal que tocava todos os domínios da sociedade, e o económico em particular – já que a introdução desse título significa, precisamente, a possibilidade de intervenção das Instituições Comunitárias nas questões industriais, contrariamente à lógica de mercado que passava a dominar a sociedade internacional após a queda do muro de Berlim. Esta situação deveu-se, todavia, ao entendimento diferente da intervenção pública, comunitária ou nacional, na economia, já que passava a considerar-se que os poderes públicos deveriam intervir na economia, não como produtores, mas antes como garantes do bom funcionamento do mercado, afastando imperfeições que eventualmente surgissem, e como fornecedores das infraestruturas e serviços de transporte, investigação científica e tecnológica e formação profissional, que os particulares não têm capacidade financeira para fazer, de modo a desenvolverem as condições que permitam o aproveitamento das virtualidades do mercado; tarefa que só os poderes públicos têm capacidade para levar a cabo.
Neste sentido, e de acordo com o Tratado, a Política Industrial recomenda que a Comunidade e os Estados-membros actuem sobre os factores que influenciam o ambiente das empresas e, sobretudo, as políticas de inovação, o que significa que tal política enfatiza a cooperação entre os agentes económicos e a adaptação das estruturas industriais.
O facto de o Tratado não falar de uma política, portanto, não significa que esta não exista. A Política Industrial torna-se clara através da construção europeia e, de modo mais difuso, através da existência de outras políticas comuns, de acompanhamento do Mercado Interno, como a Política Comum de Concorrência, a Política Regional, a Política de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico, a Política Comercial Comum, sendo sobretudo com base nesta última que a Comunidade intervém ao nível industrial para favorecer a reconversão dos sectores com maiores dificuldades, consolidar as vantagens comparativas da indústria comunitária em relação a países terceiros e constituir posições fortes nas indústrias de alta tecnologia. É neste sentido, de facto, que tem vindo a actuar a Política Industrial da Comunidade.
Desta forma, paralelamente à Política Industrial, surge a POLÍTICA COMERCIAL ESTRATÉGICA.
A Política Industrial centra-se no auxílio à reconversão dos sectores industriais tradicionais, que sofrem com a redução da procura dirigida aos seus produtos, sentida ao nível dos mercados internacionais. A intervenção comunitária neste âmbito só se justifica nos pressupostos do argumento das indústrias nascentes e, mesmo assim, tem de ser feita de modo directo, para que seja, tanto quanto possível, uma intervenção de primeiro óptimo. E deve dizer-se que, em função da problemática do desemprego, a União Europeia tem sido sensível a este problema das indústrias nascentes e sua reconversão.
A Política Comercial Estratégica centra-se, por seu lado, na promoção da competitividade das indústrias ligadas aos sectores de ponta, como a aeronáutica, a biotecnologia, as telecomunicações, caracterizados por um elevado nível de investimento em tecnologia e em recursos humanos. E fá-lo, com o objectivo de promover o acesso destes sectores de ponta, que são sectores económicos estratégicos, aos mercados de países terceiros. A Política Comercial Estratégica defende, então, a intervenção comunitária quando considerar que determinada indústria poderá constituir uma vantagem comparativa a prazo. Neste caso, justificar-se-á, então, a intervenção comunitária, no sentido de um proteccionismo estratégico, para auxiliar, por exemplo, uma indústria de ponta a lançar-se no mercado e, sobretudo, na aprendizagem das economias de escalas.
Aqui têm cabimento, naturalmente, os grandes projectos europeus, como o concorde francês, com base na ideia estratégica de privilegiar um número reduzido de grandes projectos. O problema é que privilegiar os projectos de um número reduzido de grandes agentes económicos dos grandes Estados-membros acentua a lógica dos desequilíbrios intra-comunitários, suscitando a reacção dos Estados-membros mais pobres. Não se pode esquecer, todavia, que este é um processo difícil, pois implica fazer escolhas acertadas com os riscos inerentes, sendo certo que a aposta nos sectores de ponta constituirá, certamente, uma mais-valia para a economia comunitária, designadamente no que se refere ao sector da indústria.
Salvo uma ou outra excepção, na sequência de uma grande ponderação que leve sempre em conta o previsto no Tratado, designadamente em matéria de autorização de subsídios públicos (caso trate-se de um “projecto importante de interesse europeu comum”, segundo o art.87º nº3 alínea b) do Tratado da Comunidade Europeia), será mais eficaz a União Europeia optar por uma Política Comercial Estratégica que assente numa via de tipo horizontal: criação de economias de escala, com uma forte Política de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico e o afastamento das situações que conduzem ao funcionamento imperfeito do mercado.
Daí a importância de, em ligação à Política Industrial e, consequentemente, à Política Comercial Estratégica, surgir, no seio da Comunidade, uma POLÍTICA DE INVESTIGAÇÃO E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO que, não estando prevista no Tratado de Roma-CEE, veio a integrar o Tratado com o Acto Único Europeu, sendo posteriormente (Maastricht e Amesterdão) reformada. O Tratado de Maastricht introduziu alterações no sentido de obter uma maior coordenação entre os Estados-membros nesta matéria, por forma a tornar a Comunidade mais capaz de responder às exigências e aos novos desafios. Na verdade, já no Pacote Delors II havia ficado bem clara a preocupação comunitária pela competitividade, em razão da degradação contínua do saldo comunitário nas trocas de produtos industriais com o exterior, ao mesmo tempo que a percentagem do PIB da União afecta à investigação era inferior às percentagens do Japão e dos EUA, sendo ainda reduzida, na União Europeia, a percentagem de exportações de alta tecnologia no total das exportações comunitárias.
Mantendo-se estas situações para o presente, eventualmente até agravadas, assiste-se a uma preocupação acrescida com a Política de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico; política estabelecida numa lógica de abertura e não-proteccionismo, com o objectivo de reforçar as bases científicas e tecnológicas da indústria comunitária e fomentar o desenvolvimento da capacidade concorrencial da União Europeia face aos espaços americano e asiático.
Para tanto, a União não pretende uma concentração de esforços, antes procura aproveitar plenamente os recursos existentes em todos os seus Estados-membros da melhor forma possível, quer se trate de recursos empresariais, quer de investigação, quer humanos, entre outros, favorecendo, neste sentido, a mobilidade dos investigadores, a inovação, o aumento das parcerias e das redes de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico (IDT) nos Estados-membros, a divulgação de resultados e a prossecução de esforços de investigação nas regiões mais carenciadas, o que conduz ao desenvolvimento de programas de investigação e fomento da investigação ao nível dos jovens.
Tal como no caso da indústria, também em matéria de IDT o investimento tem de ser comunitário, porque é preciso garantir que os investimentos feitos beneficiem todos os Estados-membros e não apenas os agentes económicos do Estado que faz o investimento. Até porque, na maioria das vezes, trata-se de investimentos muito significativos. Esta mesma razão explica que a acção da Comunidade se paute por critérios de exigência e racionalidade, conforme definido nos artigos 166º a 170º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, e nos termos dos quais têm de ser executados Programas-Quadro, através dos quais se desenvolve a acção da União Europeia em matéria de IDT, cujo relevo crescente está patente no acréscimo de verbas que a Comunidade lhe tem dedicado.

POLÍTICA REGIONAL:

Em virtude dos efeitos negativos provocados pelas diversas políticas comunitárias, em matéria de convergência real, no seio do Mercado Interno, e, ainda, da heterogeneidade que caracteriza o espaço europeu, quer ao nível dos Estados-membros, quer das próprias regiões, criando riscos graves ao nível da realização de uma União Económica e Monetária e, mesmo, de um Mercado Interno – pois torna mais difícil gerir os choques económicos –, afigura-se necessário desenvolver uma acção comunitária que permita anular esses efeitos negativos. O lançamento do Mercado Interno, bem como o alargamento das Comunidades aos países do Sul – Grécia, Portugal e Espanha –, o qual lançou a necessidade de uma abordagem social, já que se tornava imprescindível equilibrar os desequilíbrios que passavam a existir, para que pudesse haver uma coesão económica e social, sem a qual poderiam surgir os ditos choques económicos – que inviabilizariam o Mercado Interno, uma vez que este impunha, desde logo, a livre circulação dos factores de produção, com especial destaque para o factor trabalho – tornaram mais evidente a necessidade daquela acção comunitária para anular os efeitos negativos originados pelo próprio funcionamento das políticas comunitárias. A aceleração da integração económica, com a concretização do Mercado Interno e da Moeda Única – o Euro –, o alargamento da União aos países da Europa Central e Oriental – que acusam enormes disparidades económicas e sociais – e o contexto de elevado desemprego vieram reforçar a necessidade, já sentida, de passar a haver, no contexto integracionista europeu, uma abordagem social e regional, por referência ao modelo europeu da economia social de mercado, definida, pela Comissão Europeia, em 1996, como “a existência, nos diferentes Estados-membros, de um sistema universal de protecção social, de regulamentação para corrigir as carências do mercado e de sistemas de diálogo social”.
Apesar da importância do modelo social europeu, a verdade é que nenhuma política regional – assim como qualquer política social – vinha prevista no Tratado de Roma-CEE, embora este considerasse, desde logo, no Preâmbulo, a necessidade de promover o desenvolvimento equilibrado no contexto das diferentes regiões. O Tratado referia, designadamente, a conveniência de estabelecer-se um Fundo Social Europeu (FSE) para promover o emprego e fomentar a mobilidade dos trabalhadores no seio da CEE. Criado pelo Tratado de Roma-CEE, este fundo estrutural passaria a ter, depois de 1988, como prioridade, a luta contra o desemprego de longa duração e a inserção dos jovens no mercado de trabalho e, a partir de 1993, acrescer-lhe-ia a tarefa de adaptar os salários à evolução dos sistemas produtivos, com especial atenção para as pequenas e médias empresas (PMEs) e para a formação nas novas tecnologias. O Tratado estabelecia, ainda, a criação do Banco Europeu de Investimento (BEI) para financiar projectos de interesse comum às várias regiões. Iniciando funções, efectivamente, em 1958 – data da entrada em vigor dos Tratados de Roma –, este Banco concede empréstimos, em condições favoráveis, para o desenvolvimento de projectos de interesse geral ou específico da União Europeia.
Nesta base, surgiria, em 1964, o primeiro dos fundos estruturais: o Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola, na sua secção Orientação (FEOGA-Orientação), que contribui para a reforma estrutural do sector agrícola e para o desenvolvimento das áreas rurais.
Em 1973, com o primeiro alargamento das Comunidades – à Grã-Bretanha, Irlanda e Dinamarca – preparava-se a criação de um novo fundo estrutural, o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), criado em 1975, inicialmente para ajudar a reconverter as regiões industriais em declínio no Reino Unido e para compensar o novo Estado-membro pelo não recebimento dos fundos da PAC. Em 1981, com a entrada da Grécia para as Comunidades e, depois, em 1986, com a adesão de Portugal e da Espanha, o FEDER alargou o seu âmbito de actuação para contemplar todas as regiões atrasadas em matéria de desenvolvimento, tendo, hoje, como principal objectivo, promover a coesão económica e social na União, através da redução das assimetrias entre as regiões ou grupos sociais. Pivot da Política Regional, o FEDER contribui para o desenvolvimento e para a reconversão das regiões desfavorecidas.
Com o Acto Único Europeu de 1986 (cuja entrada em vigor data do ano seguinte), registou-se um grande avanço em matéria de Política Regional, porque esta mini-reforma dos Tratados de Roma consagrou, pela primeira vez, um título respeitante à coesão económica e social, reforçada em 1988, com o Programa Delors, que propôs a duplicação das verbas afectas aos fundos estruturais, as quais passaram a ser de 30%, ou mais, do orçamento comunitário.
Em 1991, quando foi assinado, o Tratado de Maastricht transformou a coesão económica e social em um dos principais objectivos da União Europeia, com base na lógica de, em virtude estarem integrados no Mercado Interno e verem os seus esforços económicos acrescidos para cumprir os critérios de convergência – que o próprio Tratado de Maastricht definira – para alcançarem a União Económica e Monetária, os Estados-membros precisavam que passasse a existir algo que amparasse os mais desfavorecidos. Assim nasceria o Fundo de Coesão, para ajudar alguns Estados-membros (Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda) a efectuar com êxito a sua transição para a União Económica e Monetária, designadamente no sentido de melhorarem as suas infraestruturas de transporte e de protecção ambiental. O Fundo de Coesão não é considerado um fundo estrutural, e destes difere, porque não se destina a todos os Estados-membros da União, mas apenas àqueles que tenham um PIB per capita inferior a 90% da média comunitária. O Fundo de Coesão financia, assim, projectos destes Estados-membros, desde que estes tenham delineado um programa que lhes permita preencher os requisitos exigidos pelo Tratado: projectos nos domínios do ambiente e das redes transeuropeias em matéria de infraestruturas de transportes, sendo ainda necessário que tais projectos gerem benefícios económicos e sociais proporcionais aos recursos utilizados, que sejam considerados prioritários pelos Estados-membros beneficiários, que contribuam para a execução das políticas comunitárias do Ambiente e das redes transeuropeias e que sejam compatíveis com as restantes políticas comunitárias e acções estruturais.
Assim definido, o Fundo de Coesão veio substituir os chamados Programas Mediterrânicos Integrados (PIM) que vigoraram de 1986 a 1992 e constituíram uma espécie de primeira Política Regional destinada aos países do Sul, após o alargamento das Comunidades a Portugal e à Espanha.
Em 1992, o Conselho Europeu de Edimburgo decidiu aumentar novamente as verbas destinadas à política estrutural, para cerca de 40% do orçamento comunitário, para o período 1994-99, enquanto, no ano seguinte, seria criado o Instrumento Financeiro de Orientação da Pesca (IFOP), para ajudar a ultrapassar a crise do sector piscícola do início da década de 90. O IFOP procura conjugar todos os recursos financeiros afectos às acções estruturais no âmbito das pescas.
O Tratado de Amesterdão, em 1997, vem reconhecer a importância da coesão e, nesse capítulo do Tratado, introduz um título sobre o emprego, que assenta, basicamente, na utilização do FSE, o principal instrumento para a prossecução dos objectivos comunitários em matéria de emprego.
Dois anos depois, o Conselho Europeu de Berlim aprova a Agenda 2000 (designação atribuída ao pacote das perspectivas financeiras para o período 2000-2006), com dois novos instrumentos para a política estrutural. O Instrument for Structural Policies for Pre-Accession (ISPA), equivalente ao Fundo de Coesão, mas para os países da Europa Central e Oriental, destinado a financiar projectos nas áreas dos transportes e do ambiente; e o Special Accession Programme for Agriculture and Rural Development (SAPARD), destinado a apoiar a reconversão das estruturas agrícolas para preparar os países do Leste para o alargamento (em especial o impacto da PAC). Ambos vieram juntar-se ao já existente Programa de Apoio à Reconversão Económica da Hungria e da Polónia (PHARE), que tivera início em 1989 apenas para estes dois países, visando auxiliar todo o tipo de projectos que pretendesse colmatar as deficiências infraestruturais destes países. Mais tarde, seria alargado a todos os países da Europa Central e Oriental candidatos à adesão à União Europeia, incluindo aqueles que ainda não aderiram (Bulgária e Roménia).
De salientar, ainda, que, em matéria de instrumentos de acção da Política Regional (ou Estrutural), aos fundos estruturais (FEDER, FSE, FEOGA-Orientação e IFOP), ao Fundo de Coesão e aos Fundos dos PECO (PHARE, ISPA e SAPARD), juntam-se, não só os empréstimos do BEI, a instituição financeira da União Europeia por excelência, como os chamados Programas de Iniciativa Comunitária (PIC), que consistem em intervenções da Comissão Europeia através de acções temáticas que esta Instituição Comunitária propõe, reservando-lhes cerca de 9% do orçamento comunitário dedicado aos fundos estruturais (não se trata, pois, de um fundo estrutural, embora tenha, efectivamente, uma acção estrutural).
Os fundos estruturais, cuja missão, objectivos e organização são definidos pelo Conselho, deliberando por unanimidade, após parecer favorável do Parlamento Europeu e consulta do Comité Económico e Social e do Comité das regiões, funcionam de forma adicional aos fundos nacionais – já que não financiam os projectos na sua totalidade, antes comparticipam-nos, paralelamente ao financiamento concedido pelo próprio Estado. Os fundos estruturais funcionam, também, com base na concentração das actividades sobre objectivos relativos às regiões em dificuldade; não funcionam por domínio de especialização, mas por grupos de objectivos, daí que a Comunidade tenha definido diversas regiões-objectivo (aquelas que devem beneficiar dos fundos); regiões-objectivo essas que eram 7, de 1994 a 1999, e que, com a Agenda 2000, passaram a ser apenas 3: a região-objectivo 1, a região-objectivo 2 e a região-objectivo 3, hoje com outras designações, por acção da Estratégia de Lisboa. Assim, a região-objectivo 1 passa a chamar-se região convergência; a região-objectivo 2, região competitividade e a região-objectivo 3 região cooperação transfronteiriça, tendo-se também alterado a designação dos Quadros Comunitários de Apoio (os célebres QCA) para Quadros de Referência Estratégicos Nacionais (QREN).
A região convergência engloba, assim, as regiões da União Europeia que têm um PIB per capita inferior a 75% da média comunitária, estão nela englobados, todo o território grego; o território português com excepção, desde 2000, de Lisboa e Vale do Tejo; o território espanhol, com excepção das regiões de Madrid, Catalunha e País Basco; o Mezzogiorno italiano; as regiões nórdicas da Suécia e da Finlândia, com menos de 8 habitantes por quilómetro quadrado; os Açores, a Madeira, as Canárias e os Domínios franceses; e ainda algumas regiões da Irlanda, do reino Unido e da Áustria, sendo certo, pois, que apenas a Dinamarca e os países do Benelux não têm regiões abrangidas por esta região convergência.
A região competitividade abrange as áreas industriais em mudança económica; as áreas rurais e piscatórias em declínio; e as áreas urbanas em dificuldades, tendo todos os Estados-membros alguma ou algumas das suas regiões englobadas por esta região competitividade (com excepção das já englobadas na região convergência, antigo objectivo1).
A região cooperação transfronteiriça engloba as regiões que, à margem da região convergência, necessitam de desenvolvimento dos recursos humanos.
Deste modo, fácil se torna observar que, enquanto as regiões convergência e competitividade são geograficamente limitadas, sendo os critérios de elegibilidade objectivamente definidos, a região cooperação transfronteiriça refere-se ao conjunto da União Europeia.

POLÍTICA SOCIAL:

Complementando a acção de correcção dos desequilíbrios originados pelo próprio funcionamento do Mercado Interno, desempenhada pela Política regional, existe, na União Europeia, uma Política Social, mais voltada, no quadro da política estrutural, para as questões que se prendem com os grupos sociais mais desfavorecidos e o desemprego.
Na verdade, ainda que o Tratado de Roma-CEE incluísse os objectivos de criação de um elevado nível de emprego e de protecção social no espaço comunitário, a Política Social só se desenvolveu muito tardiamente, com a revisão feita aos Tratados Comunitárias realizada em Amesterdão. Assim, Amesterdão introduziu, no Tratado, um título sobre o emprego, até então inexistente, ainda que a unanimidade, após consulta do Parlamento Europeu, do Conselho Económico e Social e do Comité das Regiões, se mantenha para as questões relativas à segurança e protecção social dos trabalhadores e à representação e defesa dos interesses dos trabalhadores e dos empregadores, vindo a Estratégia de Lisboa, aprovada no Conselho Europeu de Lisboa, no ano 2000, a retomar e reforçar o título do emprego introduzido em Amesterdão, ao qual, praticamente, se resume a Política Social europeia.

POLÍTICA FISCAL:

Se, em relação a várias outras políticas, os consensos entre os Estados-membros são difíceis de alcançar, em relação à fiscalidade a questão coloca-se com maior acuidade, porque os Estados-membros consideram ser este um domínio soberano por excelência. A fiscalidade tem, todavia, de ser abordada do ponto de vista comunitário, em virtude da interacção da matéria com o Mercado Interno e com princípio da livre circulação dos capitais.
Assim, muito embora seja fonte constante de conflitos entre a Comissão Europeia, o Conselho de Ministros e os Estados-membros, e decidida por unanimidade, a fiscalidade constitui-se em política comunitária a qual, contudo, reflecte a diversidade de estruturas fiscais existentes no seio da União Europeia, já que existem vários sistemas de cobrança do IVA, assim como dos impostos directos, existem diferenças extremas no valor das receitas cobradas, por cada Estado-membro, em matéria de impostos, assim como um peso distinto atribuído, pelos vários parceiros, aos impostos directos e à fiscalidade indirecta e bem ainda um forte desnível quanto aos impostos aplicados.
É neste contexto, precisamente, que o Tratado de Roma-CEE apresenta uma visão restritiva da livre circulação dos capitais, permitindo apenas a circulação livre dos capitais que resultassem da instituição do Mercado Interno, isto é, os pagamentos correntes (pagamentos das mercadorias e dos serviços transaccionados, por oposição aos movimentos de capitais: investimentos, transferências e outras movimentações semelhantes).
A evolução que, ao longo do tempo, se foi registando nesta matéria, por acção de várias directivas, permitiu que o Acto Único Europeu viesse abrir o caminho, em 1988, a uma directiva que estipulava a liberalização total dos movimentos de capitais a partir de 1 de Julho de 1990; e a um regulamento que estabelecia um mecanismo de apoio financeiro a médio prazo às Balanças de Pagamentos dos Estados-membros que se encontrassem em dificuldades.
As opções veiculadas por estes dois instrumentos jurídicos vieram a ser introduzidas no Tratado pela revisão feita em Maastricht, alcançando-se, pois, a liberalização total dos movimentos de capitais a 1 de Julho de 1990, considerado o início da primeira fase da União Económica e Monetária, ficando apenas por resolver a questão dos impostos, que ainda hoje não está harmonizada.

O ORÇAMENTO COMUNITÁRIO:

Contrariamente às políticas monetária e cambial – políticas de acompanhamento da União Económica e Monetária –, o orçamento comunitário não é objecto de qualquer tratamento a nível comunitário, o que significa que as políticas orçamentais dos Estados-membros são relativamente autónomas, funcionando com base no princípio da subsidiaridade e limitadas pelas metas estipuladas pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), aprovado em 1997, na revisão feita aos Tratados comunitários por Amesterdão.
Na verdade, no início da construção europeia, o orçamento comunitário não era único, antes cada Comunidade Europeia possuía o seu próprio orçamento. Em 1970, o legislador comunitário optou por criar um sistema de receitas próprias para as Comunidades, partindo do princípio de que a existência de um território aduaneiro único, onde era comum a Pauta Aduaneira face a terceiros Estados, era incompatível com a existência de vários e diversos orçamentos. Assim, deixaram de fazer parte das receitas dos Estados-membros, passando a constituir receitas próprias das Comunidades, os direitos alfandegários cobrados aquando da importação de bens provenientes de países terceiros, os direitos niveladores cobrados em matéria agrícola e uma certa percentagem das receitas resultantes da cobrança do IVA. Estes três recursos passaram, a partir de 1970, a fazer parte do orçamento comunitário, ao mesmo tempo que, paralelamente, evoluíam as competências orçamentais do Parlamento Europeu.
1988 constitui um momento fundamental no processo evolutivo do orçamento comunitário, pois é quando tem lugar a reforma financeira das Comunidades que introduz um sistema de financiamento misto – em que se combinam as receitas próprias das Comunidades (os direitos alfandegários, os direitos niveladores e a percentagem das receitas provenientes do IVA) com uma contribuição individual de cada Estado-membro. Criava-se, assim, uma espécie de quarto recurso, que visava ser um correctivo do sistema, já que, embora as receitas próprias da Comunidade fossem receitas a ela imputáveis, eram sempre arrecadadas pelas Autoridades dos Estados-membros. Este quarto recurso pretendia, desde logo, estabelecer um sistema que tivesse específica e directamente a haver com o grau de riqueza produzido em cada Estado-membro, sendo calculado com base no PNB de cada Estado-membro, actualmente substituído pelo Rendimento Nacional Bruto (RNB).
A reforma financeira de 1988 criou, também, as perspectivas financeiras, programação de médio prazo (5-6 anos) das despesas e das receitas, feita entre a Comissão, o Conselho e o Parlamento Europeu; estabeleceu a obrigação de os pagamentos globais das Comunidades não ultrapassarem 1,27% do PNB comunitário; e fixou um limite máximo para cada tipo de despesa.
As perspectivas financeiras actualmente em vigor são ainda as da Agenda 2000, cuja aprovação revelou, claramente, uma reorientação das despesas comunitárias prevendo, já, o funcionamento da União Europeia a vinte e cinco. Analisando essas perspectivas financeiras conclui-se, facilmente, pela extraordinária participação da Alemanha no orçamento comunitário, embora, em 2002, a contribuição deste país tenha diminuído bastante, aumentando, em contraponto, as contribuições da Itália e do Reino Unido, sendo ainda evidente a circunstância de a França ser o grande beneficiário das ajudas comunitárias concedidas em matéria de PAC. A negociação, em curso, das perspectivas financeiras para o próximo período (2007-2013), denotam uma grande controvérsia entre os Estados-membros, à volta da distribuição dos fundos estruturais e da manutenção, ou não, do Fundo de Coesão, em virtude do alargamento de Maio de 2004 e daquele que se prevê vir a ocorrer em 2007, à Bulgária e à Roménia, sem falar dos restantes países que se apresentam como candidatos à adesão à União Europeia.
Seja como for, a verdade é que, a 1 de Janeiro de 2007, entrarão em vigor as novas perspectivas financeiras, definidas a partir das ideias básicas da Estratégia de Lisboa, ultrapassando, deste modo, a vigência da Agenda 2000.
Entretanto, interessa notar a estrutura actual do orçamento comunitário, composto por receitas e despesas que participam diferentemente nesse orçamento. Assim, o orçamento comunitário actual tem, como receitas, os direitos aduaneiros, os direitos niveladores, as quotizações sobre o açúcar, os recursos provenientes da cobrança do IVA, o quarto recurso (frequentemente denominado “recurso RNB”) e as diversas receitas provenientes dos impostos sobre os salários dos funcionários comunitários, os juros de mora, as coimas, etc., sendo certo que os direitos aduaneiros, os direitos niveladores e as quotizações sobre o açúcar têm vindo a contribuir cada vez menos para o orçamento comunitário, assim como o IVA (que, contudo, ainda é importante), afirmando-se a tendência para o orçamento comunitário ser financiado cada vez mais pelas contribuições dos estados-membros – isto é, pelo recurso RNB.
Ao nível das despesas, salientam-se, como despesas do orçamento comunitário, as que estão ligadas ao funcionamento das Instituições Comunitárias e as despesas operacionais, divididas em diversas rubricas, a saber:
- rubrica 1 – despesas de financiamento dos mercados agrícolas (que abarcam cerca de 40% do total das despesas comunitárias);
- rubrica 2 – acções estruturais (que abarcam 34% do total das despesas comunitárias);
- rubrica 3 – restantes políticas comunitárias (com 7% do total das despesas do orçamentadas pela Comunidade);
- rubrica 4 – acções externas (com 5,2% do total das despesas comunitárias);
- rubrica 5 – despesas administrativas;
- rubrica 6 – constituição de reservas;
- rubrica 7 – ajudas ao alargamento (repartindo, estas últimas três, os restantes 13,8% das despesas comunitárias).



A UNIÃO ECONÓMICA E MONETÁRIA

CONSTRUÇÃO DA UNIÃO ECONÓMICA E MONETÁRIA:

Tendo início a 1 de Janeiro de 1999, sendo que as notas e moedas entraram fisicamente em circulação a 1 de Janeiro de 2002, a Moeda Única constitui o elemento mais ambicioso da construção europeia, dando forma e conteúdo ao conceito de união económica e monetária (UEM), de acordo com a definição que lhe é atribuída pela Teoria da Integração Regional.
De facto, segundo a tipologia, mais comummente utilizada pela Teoria Económica, de Bela Balassa, a integração é um processo difícil e lento, que comporta vários estágios.
Assim, a zona de comércio livre é a base da integração económica regional, quando os Estados decidem suprimir, nas suas relações mútuas, as barreiras e os obstáculos (pautais e não pautais) ao comércio, havendo, pois, liberalização das trocas dentro do bloco, abolição total dos direitos aduaneiros recíprocos, liberalização dos investimentos e harmonização das normas técnicas (como os controlos sanitários). São excluídas da zona de comércio livre matérias como a livre circulação dos factores de produção e a harmonização das políticas económicas, com a salvaguarda, importante, de que a liberdade de comércio só se aplica aos produtos originários dos Estados-membros da zona, o que implica a definição das condições de atribuição da origem dos produtos. Para não haver desvios de comércio, os produtos têm de ser produzidos pelos Estados-membros ou ter uma certa percentagem de incorporação de valor de um dos Estados-membros, o que lhes dá o desígnio de mercadorias originárias. Os Estados-membros mantêm, pois, a sua autonomia pautal relativamente a terceiros, não adoptando uma Pauta Aduaneira única e comum. As Comunidades Europeias não passaram por este estágio, já que se assumiram, desde logo, com o objectivo de alcançar, num período transitório de doze anos, uma união aduaneira, podendo dar-se, como exemplo de uma zona de comércio livre, a EFTA (European Free Trade Area).
A união aduaneira assume-se, de facto, como uma zona de comércio livre acrescida da adopção de uma Pauta Aduaneira Comum aplicável por todos os Estados-membros da união relativamente a países terceiros, sendo certo que a livre circulação das mercadorias é global, por abranger todos os produtos (industriais e agrícolas) – o que pode não ocorrer na zona de comércio livre, a qual pode abarcar apenas, ou os produtos industriais (como é o caso da EFTA), ou os produtos agrícolas – produzidos localmente ou importados; neste último caso, desde que estejam em livre prática na união. De facto, o território dos países que integram a união aduaneira é um território aduaneiro unificado, de modo que uma mercadoria importada do exterior, uma vez tendo-lhe sido aplicados os direitos constantes da Pauta Aduaneira Comum, pode ser livremente transaccionada dentro do bloco, já que está em livre prática, sendo certo que os direitos aduaneiros que lhe foram cobrados constituem receitas dos órgãos comunitários. Uma vez que as Comunidades, dispondo porém de um período de transição de doze anos, precisaram de menos tempo para alcançar a união aduaneira, constituíram-se como tal logo em 1968; e assim se mantiveram até 31 de Dezembro de 1992.
Entrando o Mercado Interno em vigor a 1 de Janeiro de 1993, as Comunidades constituem-se como mercado comum desde essa data, assim se mantendo até à entrada na primeira fase da UEM, um outro estágio de evolução da integração regional. O mercado comum define-se, deste modo, como uma união aduaneira acrescida da livre circulação dos factores de produção.
A união económica, formalmente o último estágio da integração regional, consiste num mercado comum acrescentado da uniformização das legislações nacionais com incidência no sistema económico; a coordenação, sob uma autoridade comum, das políticas económicas, financeiras e monetárias dos Estados-membros e a substituição das políticas nacionais que respeitem ao domínio económico, por regras e políticas comuns elaboradas no quadro comunitário.
Evidentemente, união económica não significa, necessariamente, a existência de uma Moeda Única; porém, a fase mais avançada da união económica e, por conseguinte, da integração regional, consiste na existência de uma Moeda Única que se substitui às moedas nacionais, fase em que a União Europeia vive desde a entrada em vigor da primeira fase da UEM, isto é, 1 de Janeiro de 1999, ainda que a União Europeia não constitua uma união monetária, já que as questões relativas à política monetária são decididas em sede de Conselho de Ministros das Finanças – o chamado ECOFIN.
Existindo hoje, no seio da integração europeia, uma Moeda Única, o Euro, a verdade é que este projecto nada tem de inovador. Desde os anos 1960 que se pretende promover uma UEM, que supostamente deveria estar concluída até ao final da década seguinte, para entrar em vigor a 1 de Janeiro de 1980, num processo que evoluiu sempre de modo informal, à margem das Instituições Comunitárias, nomeadamente em matéria de livre circulação dos capitais.
O Acto Único Europeu viria, todavia, formalizar a UEM como um objectivo a ser alcançado, vindo o Pacote Delors, de 1988, a estabelecer o plano para que tal meta fosse alcançada, depois introduzida no Tratado (com o título “Cooperação Económica e Política Monetária”) pela revisão feita em Maastricht que, assim, vem, no fundo, dar cumprimento ao que já havia sido enunciado no Acto Único, porém com um alcance mais profundo.
De facto, o Tratado de Maastricht estabeleceu o objectivo de alcançar a terceira fase da União Económica e Monetária através da criação da Moeda Única, o Euro, e de políticas económica e monetária comuns a todos os Estados-membros, de modo que à cooperação nestes domínios sucedesse a criação de políticas comuns.
Seguramente, as disposições relativas à União Económica e Monetária constituem a mais importante e radical transformação de que foram objecto os Tratados comunitários com a reforma de Maastricht, de acordo com o entendimento de que o bom funcionamento do Sistema Monetário Europeu não era suficiente para garantir a estabilidade dos preços, promover a convergência nominal e real das economias dos Estados-membros e assegurar o desenvolvimento económico sustentado e, por isso, decidiram estabelecer as condições necessárias para a criação da União Económica e Monetária, cujos corolários seriam, desde logo, a criação de uma Moeda Única para todos os membros dessa União e a adopção de políticas económica e monetária comuns sob a responsabilidade de um Banco Central Europeu e de um Sistema Europeu de Bancos Centrais. Com início formal em 1990, a União Económica e Monetária avançou particularmente com Maastricht, que estabeleceu, não só o objectivo de alcançá-la na sua formulação mais avançada, como também a calendarização, os processos e uma série de critérios económicos que teriam, obrigatoriamente, de ser satisfeitos pelos Estados-membros que desejassem adoptar a Moeda Única.
Isto significa que, para além do objectivo da eliminação dos obstáculos às quatro liberdades de circulação, temática referente à construção do Mercado Interno, o Tratado de Maastricht acrescentou algo de novo: consagrou, de forma expressa, uma importante transferência de competências, a prazo, se e na medida em que os calendários e os objectivos que o tratado fixava fossem cumpridos, para órgãos comuns no respeitante à gestão da política macroeconómica e, em particular, da política monetária e da política cambial. Relativamente ao faseamento da UEM, o Tratado de Maastricht considerou que, com a entrada em vigor da Directiva que liberalizara globalmente os movimentos de capitais nas relações entre os Estados-membros, teve início a primeira fase da União Económica e Monetária, simbolicamente, no dia 1 de Julho de 1990, para durar até ao final de 1993. Trata-se a fase em que os Estados-membros se encontravam aquando da revisão dos Tratados de Roma pela conferência intergovernamental de 1991 e caracterizou-se pela progressiva aplicação dos regimes de liberalização dos movimentos de capitais por todos os Estados-membros.
Tendo terminado no final de 1993, iniciou-se a segunda fase da União Económica e Monetária no dia 1 de Janeiro de 1994, numa transição que estava estabelecida em termos automáticos, sem necessidade de uma deliberação expressa do Conselho de Ministros ou de qualquer outro órgão nesse sentido - contrariamente ao que sucederia na passagem da segunda para a terceira fase, que ocorreria apenas se e quando o Conselho constatasse o respeito pelos referidos critérios macroeconómicos por parte de um determinado número de Estados-membros. O início da segunda fase foi, no entanto, marcado por um importante desenvolvimento institucional – a criação e a entrada em funcionamento do Instituto Monetário Europeu (IME), logo em Janeiro de 1994, para exercer dois tipos de funções apenas durante a segunda fase.
Por um lado, deveria assegurar o reforço dos mecanismos de coordenação das políticas monetárias de todos os Estados-membros, pelo que o seu Conselho era constituído pelos Governadores dos Bancos Centrais de todos os Estados-membros, uma vez que, em cada Estado, o Banco Central é a Autoridade Monetária fundamental. Para além desta função de coordenação (que no plano institucional se traduz naquela composição do seu Conselho), o Instituto Monetário Europeu tinha, também, no plano das instituições, a missão de criar as condições necessárias para a entrada em funcionamento, no início da terceira fase da União Económica e Monetária, do Banco Central Europeu.
Assim, na terceira fase de evolução da União Económica e Monetária, o Instituto viria a ser dissolvido e substituído pelo Banco Central Europeu que, juntamente com os Bancos Centrais dos vários Estados-membros constituiriam o chamado Sistema Europeu de Bancos Centrais, responsável pela definição da política monetária e cambial dos Estados que viriam a adoptar a Moeda Única.
Paralelamente à criação do Instituto Monetário Europeu, a segunda fase foi desde logo marcada pela aplicação progressiva dos chamados programas de convergência macroeconómica, os planos que os vários Governos adoptavam e submetiam à apreciação dos parceiros com o objectivo de cumprir os critérios macroeconómicos definidos a partir dos princípios orientadores que o artigo 3ºA do Tratado de Maastricht enunciava.
Com efeito, o artigo 3ºA do Tratado de Maastricht, no seu nº3, estabelecia alguns princípios orientadores segundo os quais deveria pautar-se a política macroeconómica dos Estados-membros. A saber: preços estáveis, finanças públicas e condições monetárias sólidas e Balança de Pagamentos sustentável. Apenas viriam a ser admitidos na terceira fase da União Económica e Monetária os Estados-membros que cumprissem esses princípios aquando da avaliação a que se procederia e que assim o desejassem. Por esta razão, esses princípios orientadores assumiram uma importância enorme e, para serem cumpridos, o tratado definiu os célebres critérios de convergência nominal, cujo cumprimento seria, por sua vez, assegurado pela definição periódica dos programas de convergência macroeconómica. A importância destes critérios de convergência, pelo significado e pelos sacrifícios e esforços que implicaram às economias dos Estados-membros, a par do debate suscitado, justificam que a eles seja dada alguma atenção particular.
Em primeiro lugar, o critério relativo à estabilidade dos preços. Sendo esta estabilidade medida pela taxa de inflação, o cumprimento deste critério implicaria que a taxa de inflação registada em cada Estado-membro não deveria exceder, em mais de 1,5 pontos percentuais, a taxa de inflação resultante da média dos três países com melhor performance em termos de inflação.
Relativamente ao critério respeitante à solidez das finanças públicas, em ligação com a Balança de Pagamentos sustentável, é necessário ter em atenção, por um lado, o critério relativo ao défice do orçamento do Estado e, por outro, o critério relativo à dívida pública.
Em matéria de política orçamental, e concretamente em matéria de gestão do orçamento do Estado, considerou-se que o eventual défice do orçamento do Estado não deveria ser superior a um montante equivalente a 3% do valor do respectivo Produto Interno Bruto, critério cujo cumprimento se revelou difícil para a generalidade dos Estados-membros.
Em matéria de dívida pública, o critério referia que o montante global desta dívida não deveria exceder um valor equivalente a 60% do respectivo Produto Interno Bruto, valor facilmente alcançável, segundo os economistas, não implicando tensões excessivas sobre o orçamento, na medida em que a dívida pública tem uma repercussão directa sobre o orçamento, por significar que o Estado não dispõe dos meios necessários, através da arrecadação de receitas, para fazer face a todas as despesas, tendo que contrair empréstimos, que têm que ser pagos e que fazem com que o serviço da dívida pese sobre o orçamento do Estado.
Quanto ao critério relativo à solidez das condições monetárias, e uma vez que esta solidez é aferida pela taxa de juro, o tratado estabeleceu que essa taxa (aqui aplicável a títulos do Estado a médio e longo prazo) não deveria exceder, em mais de dois pontos percentuais, a taxa média dos três países com melhor performance em termos de taxas de juro.
O Tratado de Maastricht estabeleceu, ainda, que a solidez das condições monetárias deveria ser também aferida através da taxa de câmbio, critério que, contudo, não chegaria a ser aplicado, em virtude de a evolução das circunstâncias internas e externas da União, designadamente a crise ocorrida no Sistema Monetário Europeu em 1992-93, ter alterado o quadro económico-financeiro em que as economias actuavam aquando da negociação e assinatura do Tratado de Maastricht em 1991 e 199.
Na altura em que este foi negociado e redigido, o sistema cambial em vigor no Sistema Monetário era o de as oscilações cambiais das diversas moedas nacionais não ultrapassarem os 6% da paridade central em relação aos países que optassem pelo mecanismo da chamada banda larga. Para os que optassem pelo mecanismo da banda estreita, as oscilações relativamente à paridade central não poderiam ser superiores a 2,25%. Sendo estas as regras em vigor no Sistema Monetário Europeu aquando da negociação do Tratado de Maastricht, o que este propunha, como critério relativo à taxa de câmbio, era a manutenção da paridade da moeda de um Estado-membro, dentro da banda estreita das regras do Sistema Monetário Europeu, pelo menos durante um período de dois anos.
Com a crise de 1992-93, este critério deixou de fazer sentido, uma vez que o sistema das duas bandas, no quadro das regras do Sistema Monetário Europeu, foi substituído por um sistema de banda única muitíssimo alargada, que permitia uma flutuação de 15% em relação ao valor da paridade central. Ora esta margem de flutuação era tão alargada, que dificilmente se poderia conceber que, de facto, conferisse alguma estabilidade às moedas dos Estados-membros. Neste sentido, o critério da taxa de câmbio proposto por Maastricht afirmou-se, desde logo, histórico e ultrapassado, não o sendo, porém, na medida em que a participação das divisas dos Estados-membros no Sistema Monetário Europeu implicava que as oscilações cambiais não ultrapassem uma certa margem. Esta margem fora alargada, mas continuava a existir, de modo que a participação no Sistema Monetário Europeu continuava a exigir estabilidade cambial e esta participação era condição indispensável para qualquer Estado-membro aceder à terceira fase da União Económica e Monetária.
Estes critérios de convergência surgiram, assim, como os critérios a partir dos quais seria medida a capacidade, no plano macroeconómico, de um Estado-membro participar na fase final da União Económica e Monetária. Tratava-se de uma espécie de critérios de boa conduta, em termos de política macroeconómica, cujo cumprimento permitiria os Estados-membros satisfazer os princípios orientadores do artigo 3ºA.
As disposições do Tratado estabeleceram que esta terceira fase da União Económica e Monetária teria início, o mais tardar, a 1 de Janeiro de 1999, uma vez que a possibilidade de iniciar-se mais cedo, caso estivessem reunidas as condições necessárias que permitissem que uma decisão do Conselho Europeu nesse sentido fosse tomada, por maioria qualificada, o mais tardar a 31 de Dezembro de 1996, fora desperdiçada por então ainda não ter, de facto, chegado esse momento. A terceira fase teria, de acordo com o segundo calendário, início automático a 1 de Janeiro de 1999, sendo apenas passível de decisão política os Estados-membros que a ela adeririam, o que viria, de facto, a ocorrer.
Ao iniciar-se, a terceira fase da União Económica e Monetária viria a ser caracterizada por dois aspectos essenciais. Em primeiro lugar, pela fixação irrevogável das taxas de câmbio nas relações entre os Estados-membros participantes, como estágio de preparação para a passagem à Moeda Única. Em segundo lugar, por alterações que reportar-se-iam ao plano institucional, a começar pela extinção do Instituto Monetário Europeu e respectiva substituição pelo Banco Central Europeu, o qual, juntamente com os Bancos Centrais dos Estados-membros, constituiriam o Sistema Europeu de Bancos Centrais, que seria, a partir da consolidação da terceira fase, a autoridade monetária da União Europeia relativamente aos países que integrassem a nova fase. Isto significa que as políticas monetária e cambial da União passariam a ser definidas por uma estrutura em que participariam os governadores dos Bancos Centrais de todos os Estados-membros que integrassem a terceira fase da União Económica e Monetária, estrutura que receberia o nome de Conselho Geral do Banco Central Europeu. Criar-se-ia, também, a Comissão Executiva do Banco Central Europeu, constituída por seis membros designados de comum acordo pelos Estados-membros participantes da terceira fase, e responsável pela execução quotidiana das políticas definidas pelo Conselho Geral. O Sistema de Bancos Centrais passaria a dispor de poderes de emissão de moeda e o princípio geral aplicado nas suas relações com os órgãos do poder político viria a ser o da independência da Autoridade Monetária relativamente à Autoridade Política, questão muito importante, na qual é evidente a prevalência das concepções alemãs em matéria de organização da União Económica e Monetária, por razões históricas ligadas ao processo de hiperinflação que a Alemanha viveu nos anos vinte e início dos trinta. Este princípio teria, como tradução institucional, ao nível das competências, a atribuição, ao Banco Central Europeu, da competência para adoptar regulamentos e decisões nas áreas da sua intervenção, isto é, política monetária e política cambial.
Isto significa que passaríamos a ter, para além de regulamentos da competência do Conselho de Ministros e de regulamentos da competência conjunta do Conselho de Ministros e do Parlamento Europeu, regulamentos do Banco Central Europeu no âmbito específico das políticas monetária e cambial. Ao mesmo tempo, o Banco Central Europeu teria, também, conjuntamente com os Bancos Centrais Nacionais, através do Sistema Europeu de Bancos Centrais, uma competência sansonatória relativamente às instituições que actuam na área financeira, designadamente as instituições bancárias e seguradoras.
A passagem da segunda para a terceira fase da União Económica e Monetária, a 1 de Janeiro de 1999, data da criação da Moeda Única europeia, por parte de onze Estados-membros da União Europeia não viria, porém, a mostrar-se tarefa fácil.
Na verdade, durante toda a segunda fase de evolução da União Económica e Monetária, os Estados-membros preocuparam-se, fundamentalmente, com o cumprimento dos critérios de convergência nominal, condição essencial para que a passagem se registasse.
Em princípio, de facto, os Estados só estariam aptos a aderir à terceira fase da União Económica e Monetária se, matematicamente, cumprissem os critérios. Porém, na temporada que precedeu a decisão relativa à entrada em vigor da Moeda Única, esta rigidez foi posta em causa, a qual, pela sua complexidade, nos merece uma análise um pouco mais detalhada.
Desde logo, merece ser criticada a circunstância de o Tratado de Maastricht se ter mostrado bastante mais rigoroso relativamente aos critérios de convergência nominal, do que no tocante aos critérios de convergência real.
A chamada convergência nominal traduz-se no respeito de princípios de política macroeconómica que dizem respeito aos grandes agregados ou valores macroeconómicos que se preocupam, fundamentalmente, com as questões monetárias e financeiras, isto é, a estabilidade monetária e o equilíbrio financeiro.
O Tratado mostrou-se muito rigoroso nesta matéria, ao enunciar os critérios em termos quantificados, com valores e taxas máximas percentuais a respeitar, permitindo avaliar a saúde financeira e, logo, monetária, da economia dos Estados-membros, embora não possibilitando a avaliação da riqueza concreta dos cidadãos desses Estados. Na verdade, um qualquer Estado gerido com muito rigor em termos monetários não significa que seja muito desenvolvido, de tal forma que um Estado da União que cumprisse os critérios de convergência nominal não possuiria, necessariamente, níveis de vida elevados. A convergência nominal afirmou-se, assim, desde logo, insuficiente para a aferição da capacidade económica dos Estados-membros em integrar a terceira fase da União Económica e Monetária. Daqui resultou a necessidade óbvia de se recorrer, também, à convergência real, referente aos níveis de desenvolvimento real das economias dos Estados-membros, medidos pela capacidade de gerar riqueza e acumulá-la para a redistribuição.
A crítica que se pode fazer ao Tratado de Maastricht neste ponto, é precisamente a circunstância de, em termos monetários, ter posto o acento tónico nos critérios de convergência nominal, não sendo nada rigoroso, matematicamente, em relação à convergência real, relativamente à qual o tratado apenas ressaltou que não constituia condição de passagem para a terceira fase da União Económica e Monetária. Assim mesmo, a aproximação dos níveis de desenvolvimento dos vários Estados-membros continuou a ser um objectivo a pretender alcançar-se, com o tratado a estipular a concretização, em termos de desenvolvimento real das várias economias membras da União, do chamado princípio da coesão económica e social, expressão, no plano jurídico, da ideia de convergência real.
O princípio da coesão económica e social, reforçado pela revisão realizada em Maastricht, surgiu, desde logo, como um dos princípios fundamentais da União Europeia. Presente já no Acto Único, que o introduzira nos Tratados de Roma como reforço do princípio da solidariedade presente, desde o início, no espírito das Comunidades, a coesão económica e social ganhou, com Maastricht, especial relevância e algum aprofundamento e reforço.
Maastricht não definiu critérios de convergência real com a mesma acepção atribuída aos critérios de convergência nominal, constituindo a convergência real um conceito qualitativo com expressão em inúmeros conceitos quantitativos, como o nível de escolaridade, o rendimento per capita, a cobertura sanitária do Estado, a taxa de mortalidade, a percentagem de estudantes no ensino superior, entre outros, todos indicadores que nos permitem avaliar o nível de vida e de bem-estar dos vários Estados-membros da União.
Em termos de convergência real, o Tratado de Maastricht limitou-se a dar-nos o princípio da coesão económica e social, não se fazendo depender, de uma forma expressa, a participação de um Estado na terceira fase da União Económica e Monetária do cumprimento de quaisquer critérios quantificáveis em matéria de desenvolvimento real. Em matéria de convergência nominal, o problema fundamental surgido foi o do ritmo e calendário demasiado apertados fixados pelo Tratado de Maastricht para a realização da terceira fase da União Económica e Monetária, sobretudo tendo em consideração as consequências que o cumprimento dos critérios de convergência teve sobre as políticas expansionistas da actividade económica, ao nível da inflação, fazendo despoletar tensões inflacionistas em virtude do aumento da massa monetária em circulação e, até, sobre o desemprego, que não tardaria a constituir um grave problema para a Europa Comunitária.
Na verdade, preocupados com o cumprimento dos critérios macroeconómicos definidos pelo Tratado de Maastricht, os Estados-membros da União Europeia reduziram o Euro ao rigoroso respeito por esses critérios, lançando políticas de austeridade financeira e monetária destinadas a permitir o estrito cumprimento dos critérios. Estas políticas, porém, embora em termos macroeconómicos apresentassem alguns resultados, não se traduziam numa resolução global da recessão económica por que os países da União vinham passando, sem melhorias práticas visíveis aos cidadãos no quotidiano. Neste sentido, surgiam incógnitas quanto à capacidade de cada Estado-membro cumprir os critérios de convergência de Maastricht e quanto à capacidade de cada um fazer a respectiva opinião pública crer num projecto que culpabilizava pelas dificuldades económicas por que passava. Mais do que conjuntural, a crise mostrava ser estrutural, questionadora do modelo sócio-económico europeu.
Considerada a questão fundamental da época, a Moeda Única teria, efectivamente, que entrar em vigor na data prevista, objectivo consensual entre os Quinze, na certeza do vazio e das incógnitas que surgiriam caso o projecto começasse a sofrer adiamentos sucessivos. Por esta razão, embora se considerasse o cumprimento dos critérios de convergência a condição sine qua non para a passagem à Moeda Única, esta não poderia ser estabelecida com efeitos positivos, se apenas um número reduzido de Estados-membros a adoptasse, realidade que, então, apontava, cada vez mais, para uma interpretação inteligente e flexível das disposições do Tratado de Maastricht em matéria de União Económica e Monetária, não alteradas em Amesterdão. O que se afirmava, então, indispensável, era que houvesse, nos anos que precederiam os da passagem da segunda para a terceira fase da União Económica e Monetária, uma trajectória coerente e consistente no sentido da aproximação efectiva do cumprimento dos referidos critérios.
Foi assim que, na reunião informal dos ministros da Economia e das Finanças da União Europeia, realizada na localidade luxemburguesa de Mondorf-les-Bains, em meados de Setembro de 1997, os Quinze decidiram criar, na data em que seriam designados os Estados-membros capazes de aderir ao Euro logo na primeira fase, uma “Mini União Económica e Monetária”, que viria, de facto, a entrar em vigor em Maio de 1998, quando seriam escolhidos os onze Estados-membros que a 1 de Janeiro de 1999 dariam início à aplicação da Moeda Única – os Quinze subtraídos da Grécia, por não cumprir os critérios de convergência, da Grã-Bretanha, por opção própria, da Dinamarca, por rejeição popular em referendo e da Suécia, por incompatibilidades entre o Banco Central Sueco e o BCE. Vindo a adesão da Grécia à União Económica e Monetária a ser ratificada no Conselho Europeu de Santa Maria da Feira, em Junho de 2000, depois de, em Março, a Grécia ter requerido a adesão ao Euro e da Comissão Europeia a ter proposto, em Maio, este Estado-membro viria a aderir ao Euro em Janeiro de 2001. Enquanto isso, a Dinamarca referendava a participação do país na Moeda Única a 29 de Setembro de 2000, vencendo o não com 53% dos votos, contra 47% de Dinamarqueses favoráveis à adesão, o que, se não significou o fracasso do Euro, nem a descredibilização da União Europeia, por reflectir, justamente, uma posição que os Dinamarqueses sempre tiveram, cria obstáculos acrescidos à eventual participação da Libra na Moeda Única.
Lançada oito meses antes do início formal da terceira fase da União Económica e Monetária, a mini UEM, significando a fixação das taxas de câmbio bilaterais e um pouco de união monetária, por ter deixado uma margem de manobra muito reduzida para as políticas monetárias nacionais independentes, teve a vantagem de desencorajar a especulação dos mercados financeiros contra as moedas europeias, forçando-os a alinhar-se progressivamente com as taxas anunciadas.
Na reunião de Maio de 1998, que criou a mini UEM, os ministros das Finanças dos Estados-membros que adoptaram o Euro acordaram, também, com os governadores dos Bancos Centrais, a Comissão Europeia e o Instituto Monetário Europeu, que as taxas bilaterais praticadas, à época, pelos Estados-membros que adoptavam o Euro seriam usadas para determinar as taxas de conversão irrevogáveis para a Moeda Única, sendo as taxas de conversão entre o Euro e as moedas nacionais dos onze Estados-membros participantes definitivamente fixadas a 31 de Dezembro de 1998. Esta taxa tem, obrigatoriamente, seis algarismos e não pode ser alterada nem arredondada. O valor do Euro relativamente à Coroa sueca, à Libra britânica e às moedas estrangeiras (designadamente o Dólar norte-americano e o Iene japonês) flutua livremente, de acordo com o mercado, enquanto, face à Coroa dinamarquesa, a ligação é feita através do Mecanismo da Taxa de Câmbio II (MTC II) com uma margem de flutuação de 15% para mais ou para menos.
Tendo início formal a 1 de Janeiro de 1999, a terceira fase da UEM veria, em 1 Janeiro de 2002, as notas e moedas do Euro a entrar fisicamente em circulação junto dos cidadãos europeus, nos primeiros seis meses em coexistência com as moedas nacionais dos Estados-membros participantes e, findo esses seis meses, isoladamente, procedendo-se à retirada, do mercado, das moedas nacionais.

POLÍTICA MONETÁRIA:

O principal objectivo da Política Monetária, uma das políticas de acompanhamento da UEM, é, de acordo com o Tratado da CE, a manutenção da estabilidade dos preços. Logo, o Conselho de Governadores do SEBC tem como funções principais a definição da política monetária da Zona Euro e a definição das medidas necessárias à implantação dos objectivos definidos, enquanto a Comissão Executiva coloca em prática as directrizes definidas pelo Conselho de Governadores, estando as atribuições do SEBC definidas no art.105ª nº2 do Tratado da CE.
De referir, ainda, em matéria de Política Monetária, que uma das principais características do BCE é a sua independência face ao poder político. Afinal, existe independência dos seus dirigentes, que exercem mandatos não renováveis e irrevogáveis, não podendo receber instruções dos governos nacionais nem das Instituições Comunitárias. O BCE tem um mandato claro e uma margem de manobra (ampla) específica para executar a sua missão principal, que é manter a estabilidade dos preços na Zona Euro, para o que tem total liberdade para fixar os objectivos intermédios que considerar oportunos e dispõe de um amplo conjunto de instrumentos que pode manejar com total autonomia. Além disso, nenhum banco Central nacional pode financiar os défices públicos, o que permite ao BCE melhor controlar a oferta de moeda. Isto tem por objectivo dissociar a política monetária (que é comunitária, conduzida pelo BCE) da política orçamental (cuja condução é da responsabilidade de cada Estado-membro).

POLÍTICA ORÇAMENTAL:

A Política Orçamental, de facto, não é contemplada pelo Tratado da CE, regendo-se a sua aplicação pelo princípio da subsidiaridade. Por outro lado, os Estados-membros hoje participantes da UEM, para além de terem de continuar a respeitar os critérios de convergência, têm de cumprir um novo requisito, acrescentado após a sua adesão ao Euro: o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), que propõe uma estratégia para evitar os défices excessivos, através de duas vertentes de actuação. A vertente preventiva, de acordo com a qual identifica e corrige os desvios antes que o défice atinja o limite dos 3% do PIB (valor de referência que o PEC avalia como limite máximo permissível em situações normais) e a vertente dissuasora, conjunto de regras que o PEC apresenta para pressionar os governos dos Estados-membros a evitar graves desequilíbrios orçamentais ou a corrigi-los rapidamente.
Para aplicar esta estratégia, os Estados-membros que adoptaram o Euro são obrigados a apresentar programas de estabilidade onde estejam fixados objectivos de médio prazo para o défice orçamental, sendo certo que qualquer desvio dará origem a uma recomendação por parte do Conselho, no sentido do estado-membro em causa tomar as medidas que se impõem. Se o Estado-membro não actuar em conformidade, pode ser objecto de sanções, sendo admitidas excepções quando se encontre em situação de grave recessão, caracterizada por um crescimento do PIB de, pelo menos, -0,75%.
Estas restrições severas do PEC têm criado muita polémica, já que muitos Estados-membros – sobretudo os grandes – não conseguem cumprir o limite do défice público; por outro lado, o PEC é acusado de agravar o clima recessivo das economias europeias.

POLÍTICA CAMBIAL:

Sendo comum à União Europeia, a Política Cambial tem por missão gerir a taxa de câmbio do Euro face às moedas dos Estados-membros da União que não fazem parte do Eurossistema e face às moedas de países terceiros com importância ao nível do sistema monetário internacional, como os EUA e o Japão.
A política cambial da Zona Euro é da responsabilidade, partilhada, do BCE e dos governos dos Estados-membros e tem de obedecer ao objectivo geral da estabilidade dos preços. O BCE executa a política cambial através dos mecanismos que tem ao seu dispor, como a taxa de juro e das reservas cambiais.
A política cambial para os Estados-membros que não fazem parte da Zona Euro é estabelecida pelo MTC II, a ligação, como visto anteriormente, das taxas de câmbio desses Estados-membros à taxa de câmbio do Euro, num limite máximo de flutuação de 15% em relação à cotação central do Euro. O MTC II é, pois, uma espécie de substituto do Sistema Monetário Europeu e a permanência, nesse mecanismo, durante dois anos, é hoje considerada um novo critério de convergência para aderir à Zona Euro.
Os Estados-membros que não participam da Zona Euro participam, porém, da execução da política económica da União Europeia, embora em condições diferentes dos Estados-membros que adoptaram o Euro. Assim, esses países não estão sujeitos ao PEC, ao mesmo tempo que os respectivos ministros das Finanças têm assento no Conselho ECOFIN, mas não podem votar em matérias directamente ligadas ao Euro, mantendo, pois, as próprias políticas monetárias, ainda que os Bancos Centrais façam parte do SEBC.

CONSEQUÊNCIAS DA UEM:

A Moeda Única surge como um prolongamento do Mercado Interno. A existência, no seio deste, de diversas moedas originaria custos de conversão e, por conseguinte, distorções da concorrência, pelo que se torna importante a opção pela Moeda Única.
Porém, se é verdade que a união monetária é um aprofundamento do Mercado Interno, não é menos verdade que ela origina uma profunda ruptura no domínio das políticas comuns, sobretudo macroeconómicas – em virtude das alterações introduzidas nesse Mercado Interno. Afinal, a adopção de uma Moeda Única exige uma redefinição das políticas macroeconómicas e origina perdas de autonomia nacional, já que tal implica a adopção de uma política monetária única e o consequente desaparecimento das políticas monetárias nacionais.
Do mesmo modo, a política monetária externa – isto é, os ajustamentos das taxas de câmbio – desaparece também.
Em princípio, a política orçamental mantém-se um domínio reservado dos Estados-membros, ainda que a liberdade destes, em matéria orçamental, esteja fortemente limitada pela impossibilidade de assumirem défices orçamentais cujas consequências reflectem-se sobre o conjunto dos países da Zona Euro, pondo em causa a estabilidade dos preços. Porque razão, então, os Estados aceitam abandonar uma parte da sua soberania e ver reduzida a eficácia das suas regulamentações públicas (nacionais)?
Esta é, de facto, a grande questão que se coloca, a qual pode ser respondida de uma forma muito simples, em função da justificação, mesma, da Moeda Única. Assim, os custos macroeconómicos, em termos de eficácia das políticas económicas, são largamente compensados pelas vantagens, essencialmente microeconómicas, da Moeda Única.
Significa isto que, efectivamente, a Moeda Única apresenta diversas vantagens, que são, sobretudo, de ordem comercial, financeira, internacional e política.
Por outro lado, a mesma Moeda Única apresenta também desvantagens, desde logo porque os Estados nela participantes deixam de emitir moeda, perdendo, por conseguinte, uma importante fonte de receita, os chamados ganhos emissão. Surgem, ainda, problemas de ajustamento a ter em conta, face à falta de flexibilidade salarial e de movimentos dos trabalhadores, surgindo, evidentemente, problemas graves de competitividade de base, estando em confronto países tão diferentes economicamente como a Alemanha e Portugal, como exemplo. Sucede, efectivamente, que nem sempre prevalecem os factores de convergência, de modo que, por vezes, a maior abertura dos mercados e a Moeda Única podem levar ao aumento dos desequilíbrios, fazendo com que, no exemplo sugerido, o grau de riqueza e de desenvolvimento das economias alemã e portuguesa, em lugar de se aproximarem, distanciarem-se cada vez mais.
É evidente que, nuns casos, ocorre uma maior convergência real entre as economias dos Estados-membros por força de um bom aproveitamento das vantagens e oportunidades resultantes da Moeda Única. Porém, noutros casos, há uma crescente divergência entre regiões. Paul Krugman analisa, com base numa ideia intuitiva, que a integração conduz à especialização, que por seu turno acentua os desequilíbrios. Mas isso não acontece sempre e, no caso europeu, o que se verifica é, de facto, que existe uma aproximação intra-sectorial.
Seja como for, interessa reter que, não obstante as vantagens, a Moeda Única apresenta, também, desvantagens, sendo certo que estas são sempre inferiores àquelas, o que justifica, de facto, que se proceda à estruturação de uma UEM. Se assim não fosse e se, pelo contrário, os critérios e as condições necessários para que uma Moeda Única substituísse todas as moedas nacionais, em determinado espaço de integração, provocasse acentuadas repercussões negativas, então a realização de uma UEM seria desaconselhável e, certamente, os Estados-membros desse processo de integração regional não partiriam para dar esse passo, o que sugere que, à parte os efeitos menos positivos, a UEM faz da União Europeia, efectivamente, uma Zona Monetária Óptima (ZMO), isto é, uma zona monetária onde as vantagens de se ter uma Moeda Única são superiores às desvantagens que essa mesma Moeda Única provoca. Na verdade, os maiores problemas em considerar a União Europeia uma ZMO prendem-se com a existência de diferenças significativas entre as estruturas produtivas dos Estados-membros e das regiões comunitárias e com a ausência de um orçamento comunitário devidamente dimensionado para transferir recursos das regiões mais ricas para as mais pobres, sobretudo quando estas estão em crise, porque, manifestamente, as acções estruturais previstas no orçamento comunitário não são financeiramente suficientes para fazer cumprir essa função.
Em simultâneo com todas estas vantagens e desvantagens, o Conselho Europeu de Dublin propôs, e o Conselho Europeu de Amesterdão aprovou, o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), que introduz um novo elemento para manter o rigor que os critérios de convergência introduziram de início.
Compreende-se que se tenha sentido a necessidade de aprovar o PEC porque não se poderia admitir um Euro instável e, por conseguinte, descredibilizado. Compreende-se, também, que tenha sido a Alemanha a sentir esta necessidade, já que teria, desde o início, responsabilidades especiais com o Euro, sendo um país com boa e recente experiência de estabilidade e com muito má experiência histórica de inflação (sobretudo em 1923, quando a hiperinflação registada contribuíra para que fosse aberto o caminho em direcção ao Nazismo).
Com o PEC a impor os limites, com grande rigidez – designadamente a exigência de se manter o défice orçamental aquém dos 3% do PIB, com pesadas multas[7] para quem não cumprir esta meta – perdem sentido, em grande medida, os critérios de convergência – para os Estados-membros que aderiram ao Euro –, já que a inflação e as taxas de juro da política monetária deixaram de ser da responsabilidade dos Estados-membros e passaram para a alçada do BCE, ao mesmo tempo que a redução do défice público está ligada ao cumprimento anual da meta do défice orçamental.
Para ultrapassar as dificuldades e fazer face aos desafios, há que considerar a intervenção conjugada das acções em diferentes planos. Desde logo, no âmbito da coordenação macroeconómica e da adequação das políticas estruturais; porém, também em matéria de adequação da generalidade das políticas comunitárias e das transferências orçamentais com objectivos de ajustamento estrutural.
Significa isto que há que coordenar a política monetária com a instituição da Moeda Única, tendo em vista a estabilidade dos preços, sendo necessário, também, aplicar, de modo coerente, as restantes políticas comuns, especialmente a PAC. Ainda se pode considerar a criação de mecanismos de transferências que tenham em conta as necessidades de ajustamentos conjunturais e o reforço das políticas estruturais, para atenuar-se os riscos e garantir-se o melhor aproveitamento das vantagens da Moeda Única.
Compreende-se, por isso, a importância acrescida que se tem dado à intervenção estrutural, através da coesão económica e social entre os Estados-membros, na convicção de que os fundos estruturais devem continuar a desempenhar um papel considerável na realização dos objectivos da União Europeia no domínio da coesão.


[1] Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Docente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa.
[2] Data do início da Guerra Franco-Prussiana que, terminando em 1871, abriria caminho à unificação alemã. Surgindo a Alemanha, surgia um rival à França, até então hegemónica no espaço europeu continental, tendo assim início as tensas relações franco-alemãs.
[3] O nome advém da circunstância do Conselho Europeu, após a conclusão dos trabalhos, ter decidido reunir, num acto único, as duas vertentes da negociação: cooperação política e reforma institucional.
[4] Razão pela qual, não existindo uma diferença fundamental entre os conceitos de mercado comum e mercado interno, este é definido, pela letra do Tratado, como “um espaço sem fronteiras internas assente na liberdade de circulação das mercadorias, dos serviços, dos capitais e das pessoas”, sendo esta a expressão introduzida no tratado pelo Acto Único Europeu.
[5] Este princípio foi consagrado pelo Tribunal de Justiça, em 1979, no Acórdão Cassis de Dijon.
[6] Grupo formado em 1986 pelo Brasil, Argentina, Filipinas, África do Sul e diversos outros países responsáveis por um terço do total das exportações agrícolas mundiais, defendendo, por isso, a liberalização do sector agrícola.
[7] Será, todavia, pouco provável que se chegue a esta situação, porque é estabelecido o limite, mas reconhecido o esforço de recuperação, além de serem dadas oportunidades de correcção e o peso das multas ser dissuasor.