Os 50 anos dos Tratados de Roma
No Domingo passado, um pouco por toda a União Europeia, celebraram-se os 50 anos da assinatura dos Tratados de Roma, que, em 25 de Março de 1957, criaram a Comunidade Económica Europeia (a actual CE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA). Em vinte séculos de vicissitudes permanentes à procura de uma paz duradoura para a Europa, 50 anos pode não parecer muito tempo, mas o que é um facto inegável é que nestes já mais de cinquenta anos de integração europeia (se tivermos em conta o nascimento da primeira Comunidade Europeia, a CECA, em 1951) tem existido uma paz duradoura nos Estados-membros que fazem parte da UE e que no passado foram protagonistas de importantes conflitos. Mas mais do que reconhecer a importância de todos os sucessos alcançados pela UE, como a paz, a liberdade, a democracia, o progresso económico, o euro, os sucessivos alargamentos, e de reflectir sobre todo o caminho percorrido ao longo destes anos de integração europeia, importa olhar para o futuro. E o futuro exige a reforma institucional da UE. Pelo menos aquela acordada pelos Estados-membros em 2004 e que foi posta em causa pelos referendos negativos dos franceses e holandeses, em finais de Maio e início de Junho de 2005.
O Tratado Constitucional, preservando o acervo de cinquenta anos de integração europeia, dava resposta à necessidade de simplificação do sistema para os cidadãos, mas sobretudo introduzia disposições institucionais que permitiam decidir melhor e agir de forma mais eficaz. Não esqueçamos que a actual arquitectura institucional da UE, em virtude do efeito do número, é pesadíssima (vinte e sete governos representados no Conselho, vinte e sete membros na Comissão, cinquenta e seis pessoas no Conselho Europeu, setecentos e oitenta e cinco deputados no Parlamento Europeu) e que o binómio representatividade/eficácia é, por vezes, dificilmente conciliável. Daí a inerente sensibilidade das questões institucionais, porque dizem respeito à repartição do poder na UE, à representação e capacidade de intervenção e influência dos Estados-membros na UE.
Há dois anos atrás, quando a rejeição do Tratado Constitucional através de referendo, colocou a UE numa crise sem precedentes, não faltaram vozes que defenderam a declaração de óbito do Tratado Constitucional. Mas não podemos esquecer que a história da UE é um processo feito de fluxos e refluxos, de crises e sucessos, de recuos e avanços e que a rejeição francesa da Comunidade Europeia de Defesa (CED) há cinquenta anos abriu caminho à CEE e CEEA. A capacidade de ultrapassar as crises, alcançando consensos e compromissos é uma das características da UE. A UE é o produto de sucessivos compromissos possíveis, em que os resultados nunca representam a visão de um só Estado, antes um equilíbrio das diferentes perspectivas de evolução do projecto, um equilíbrio das ambições em que todos se conseguem rever.
Resolver o impasse institucional é agora a prioridade da UE, tendo como base o Tratado acordado pelos governos dos Estados-membros da UE em 2004. A Declaração de Berlim, assinada no dia do aniversário dos Tratados de Roma, assume o compromisso dos Estados-membros de “dotar a União Europeia de uma base comum e renovada” até às eleições para o Parlamento Europeu de 2009. A Declaração evitou a referência ao Tratado Constitucional, mas está implícito o desafio e a necessidade de que um novo tratado entre em vigor antes das eleições europeias de 2009.
Até ao Conselho Europeu de Junho, a presidência alemã da UE elaborará um roteiro que definirá o alcance e o horizonte da questão constitucional, o grande objectivo que se propôs para a Presidência da UE. Porque a UE não pode parar, e a integração europeia continua a ser o melhor caminho para, na era da globalização, fazer face aos novos desafios e a um tempo marcado pelas ameaças à segurança dos Estados e dos cidadãos, sob pena de em poucos anos se ver ultrapassada por potências como a China, a Índia e o Brasil, que jogarão um papel importante na cena internacional.
Hoje, tal como há 50 anos, a UE é necessária. Continuam actuais as razões que levaram os Estados-membros da UE a agruparem-se num “grande espaço” e a partilharem soberania. A UE é um interesse vital comum a todos os Estados-membros. Obviamente, a União tem um preço: a transferência do exercício de competências soberanas dos Estados às instituições comuns da União. Sem esse preço, não há União. Mas isto não é explicado aos cidadãos. Os governantes nacionais não transmitem muitas vezes a limitação do poder nacional em relação ao poder da UE. Não se explica que estamos inseridos num projecto comum, onde por vezes há que fazer cedências. Neste sentido há ainda muito por fazer.
Muito do descontentamento dos cidadãos em relação à UE tem que ver com a incapacidade dos governos dos Estados-membros de responderem, com eficácia, aos problemas que os preocupam na vida quotidiana, tais como o desemprego, a imigração ou a insegurança, mas também aos medos de uma UE alargada ou da perda de soberania. Por outro lado, a UE é tida muitas vezes pelos cidadãos europeus como um dado adquirido e não como uma necessidade. Os governantes nacionais têm de convencer os seus cidadãos de que a UE é necessária, de que tem razão de ser num mundo globalizado onde os Estados-membros têm uma palavra a dizer.
O novo Tratado, chame-se Constituição ou não, não visará criar um Estado ou um super-Estado europeu. E também não será a última revisão dos Tratados. A evolução da UE tem sido sempre a resposta aos desafios internos e externos, tendo que continuar a reagir ao que está a acontecer dentro e fora do seu espaço e a ser suficientemente flexível para continuar a ter razão de ser. Caberá aos vinte e sete Estados-membros reflectir sobre o caminho que a UE deve seguir e chegar a acordo sobre aquilo que querem e podem fazer juntos.
Andreia Soares
ISCSP, 27 de Março de 2007
O Tratado Constitucional, preservando o acervo de cinquenta anos de integração europeia, dava resposta à necessidade de simplificação do sistema para os cidadãos, mas sobretudo introduzia disposições institucionais que permitiam decidir melhor e agir de forma mais eficaz. Não esqueçamos que a actual arquitectura institucional da UE, em virtude do efeito do número, é pesadíssima (vinte e sete governos representados no Conselho, vinte e sete membros na Comissão, cinquenta e seis pessoas no Conselho Europeu, setecentos e oitenta e cinco deputados no Parlamento Europeu) e que o binómio representatividade/eficácia é, por vezes, dificilmente conciliável. Daí a inerente sensibilidade das questões institucionais, porque dizem respeito à repartição do poder na UE, à representação e capacidade de intervenção e influência dos Estados-membros na UE.
Há dois anos atrás, quando a rejeição do Tratado Constitucional através de referendo, colocou a UE numa crise sem precedentes, não faltaram vozes que defenderam a declaração de óbito do Tratado Constitucional. Mas não podemos esquecer que a história da UE é um processo feito de fluxos e refluxos, de crises e sucessos, de recuos e avanços e que a rejeição francesa da Comunidade Europeia de Defesa (CED) há cinquenta anos abriu caminho à CEE e CEEA. A capacidade de ultrapassar as crises, alcançando consensos e compromissos é uma das características da UE. A UE é o produto de sucessivos compromissos possíveis, em que os resultados nunca representam a visão de um só Estado, antes um equilíbrio das diferentes perspectivas de evolução do projecto, um equilíbrio das ambições em que todos se conseguem rever.
Resolver o impasse institucional é agora a prioridade da UE, tendo como base o Tratado acordado pelos governos dos Estados-membros da UE em 2004. A Declaração de Berlim, assinada no dia do aniversário dos Tratados de Roma, assume o compromisso dos Estados-membros de “dotar a União Europeia de uma base comum e renovada” até às eleições para o Parlamento Europeu de 2009. A Declaração evitou a referência ao Tratado Constitucional, mas está implícito o desafio e a necessidade de que um novo tratado entre em vigor antes das eleições europeias de 2009.
Até ao Conselho Europeu de Junho, a presidência alemã da UE elaborará um roteiro que definirá o alcance e o horizonte da questão constitucional, o grande objectivo que se propôs para a Presidência da UE. Porque a UE não pode parar, e a integração europeia continua a ser o melhor caminho para, na era da globalização, fazer face aos novos desafios e a um tempo marcado pelas ameaças à segurança dos Estados e dos cidadãos, sob pena de em poucos anos se ver ultrapassada por potências como a China, a Índia e o Brasil, que jogarão um papel importante na cena internacional.
Hoje, tal como há 50 anos, a UE é necessária. Continuam actuais as razões que levaram os Estados-membros da UE a agruparem-se num “grande espaço” e a partilharem soberania. A UE é um interesse vital comum a todos os Estados-membros. Obviamente, a União tem um preço: a transferência do exercício de competências soberanas dos Estados às instituições comuns da União. Sem esse preço, não há União. Mas isto não é explicado aos cidadãos. Os governantes nacionais não transmitem muitas vezes a limitação do poder nacional em relação ao poder da UE. Não se explica que estamos inseridos num projecto comum, onde por vezes há que fazer cedências. Neste sentido há ainda muito por fazer.
Muito do descontentamento dos cidadãos em relação à UE tem que ver com a incapacidade dos governos dos Estados-membros de responderem, com eficácia, aos problemas que os preocupam na vida quotidiana, tais como o desemprego, a imigração ou a insegurança, mas também aos medos de uma UE alargada ou da perda de soberania. Por outro lado, a UE é tida muitas vezes pelos cidadãos europeus como um dado adquirido e não como uma necessidade. Os governantes nacionais têm de convencer os seus cidadãos de que a UE é necessária, de que tem razão de ser num mundo globalizado onde os Estados-membros têm uma palavra a dizer.
O novo Tratado, chame-se Constituição ou não, não visará criar um Estado ou um super-Estado europeu. E também não será a última revisão dos Tratados. A evolução da UE tem sido sempre a resposta aos desafios internos e externos, tendo que continuar a reagir ao que está a acontecer dentro e fora do seu espaço e a ser suficientemente flexível para continuar a ter razão de ser. Caberá aos vinte e sete Estados-membros reflectir sobre o caminho que a UE deve seguir e chegar a acordo sobre aquilo que querem e podem fazer juntos.
Andreia Soares
ISCSP, 27 de Março de 2007
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