Mestrado Europa

Ponto de encontro das disciplinas de mestrado do ISCSP sobre temas europeus da responsablidade de José Adelino Maltez, Andreia Soares e Raquel Patrício

23.10.07

O TRATADO REFORMADOR DA UNIÃO EUROPEIA

No Conselho Europeu informal de 18 e 19 de Outubro os chefes de Estado e de governo chegaram a um consenso político final e aprovaram o texto que altera os Tratados Constitutivos das CE’s/UE, pondo fim a um processo longo e conturbado de revisão dos Tratados em vigor. Recorde-se que o novo texto aprovado resulta de quatro anos de negociação, se tivermos em conta a anterior Conferência Intergovernamental (CIG), que aprovou o Tratado Constitucional em Junho de 2004, e que foi rejeitado em 2005 por referendo na França e na Holanda no contexto do seu processo de ratificação. Dois anos depois, após um período de reflexão, o Conselho Europeu de Junho de 2007 acordou convocar uma nova CIG para elaborar um “Tratado Reformador” destinado a alterar os actuais Tratados, a fim de reforçar a eficácia e a legitimidade democrática da União alargada, bem como a coerência da sua acção externa.
Qualquer CIG – o mecanismo formal de revisão dos Tratados Constitutivos das CE’s e da UE – é sempre um exercício negocial complexo de gestão de interesses e procura de compromissos entre os Estados-membros e, consequentemente, de cedências, concessões ou derrogações aos Estados-membros. Daí muitas vezes o compromisso alcançado ser ambíguo, em detrimento da clareza do texto e da eficácia dos processos de decisão, e nem sempre ser possível o acordo, particularmente no que se refere a questões mais sensíveis do ponto de vista da soberania dos Estados (por exemplo, quando a negociação versa sobre alterações da estrutura institucional e jurídica, implicando novos equilíbrios de poder, ou sobre a atribuição de novas competências às CE’s/UE). Sempre que não existe acordo unânime entre todos os Estados-membros protela-se a resolução dos problemas convocando-se uma nova CIG para tratar dos “leftovers” ou concedem-se regimes especiais e derrogatórios para os Estados-membros com reservas.
Tal como em CIG’s anteriores também esta CIG não fugiu à regra. Foram acomodadas as exigências de alguns Estados-membros, tendo-lhes sido conferido o direito a excluir-se da aplicação de certas partes do documento, e as questões institucionais foram de difícil negociação, porque dizem respeito à lógica do poder e da influência, à representação e capacidade de intervenção dos Estados-membros na UE. Por outro lado, embora o “Tratado Reformador” recupere o essencial do Tratado Constitucional, o carácter constitucional foi posto de parte. De facto, o novo texto não revogará todos os Tratados em vigor, substituindo-os por um texto único denominado “Constituição”, e toda a terminologia dita mais “federalista” é abandonada: termos como “Constituição”, “Ministro dos Negócios Estrangeiros da União”, “lei” e “lei-quadro” desaparecem, bem como qualquer alusão aos símbolos da UE, como a bandeira, o hino ou o lema.
O novo texto traduz, portanto, o “compromisso possível” ou o equilíbrio das diferentes perspectivas de evolução da UE, um equilíbrio das ambições em que todos se conseguem rever. Confirma também a “Europa da geometria variável” ou o reconhecimento da existência de diferenças entre os Estados-membros que desejam levar a integração mais longe e outros Estados-membros que não pretendem ou não estão em condições de assumir uma integração mais forte. Mas uma coisa é certa: a integração europeia não pode parar. Daí que o mecanismo de constituição de cooperações reforçadas seja cada vez mais apontado como a solução para acomodar perspectivas nem sempre coincidentes dos vários Estados-membros sobre o aprofundamento do processo de integração económica e política.
O “Tratado Reformador” não criará um super-Estado europeu e também não será a última revisão dos Tratados. Outras revisões seguir-se-ão, pois este Tratado resolve alguns dos problemas, mas não resolve as questões essenciais da integração europeia. Refira-se ainda que qualquer novo Tratado para entrar em vigor exige a ratificação dos 27 Estados-membros, em conformidade com as regras constitucionais vigentes em cada país, colocando na ordem do dia, novamente, a questão do referendo. A assinatura do novo Tratado será em Lisboa no dia 13 de Dezembro de 2007. Espera-se que o processo de ratificação não seja conturbado a fim de estar concluído antes das eleições para o Parlamento Europeu, em Junho de 2009.


Andreia Mendes Soares
ISCSP, 20 de Outubro de 2007