Mestrado Europa

Ponto de encontro das disciplinas de mestrado do ISCSP sobre temas europeus da responsablidade de José Adelino Maltez, Andreia Soares e Raquel Patrício

19.4.07

A questão do referendo ao Tratado Constitucional

O Presidente da República, Cavaco Silva, defendeu em Riga, Letónia, na semana passada que é contra a realização de um referendo em Portugal sobre o futuro Tratado Constitucional europeu. Como se sabe qualquer novo Tratado para entrar em vigor exige a ratificação dos 27 Estados-membros, em conformidade com as regras constitucionais vigentes em cada país. Na quase totalidade dos 27 a ratificação é feita por via parlamentar, sem necessidade de referendo. Recorde-se que foram dois referendos negativos, na França e na Holanda, em 2005, que originaram a crise do Tratado Constitucional. Nessa época uma grande parte dos Estados-membros decidiu realizar um referendo ao Tratado, muito embora ele não constituísse requisito obrigatório de ratificação.
Esta opção tomada, por ser considerado um momento relevante na evolução do processo de integração, representou uma grande mudança na política europeia, na medida em que no passado apenas alguns Estados-membros – Dinamarca, França e Irlanda – realizaram referendos aos Tratados Constitutivos após a sua adesão à UE. Os governos pretenderam legitimar democraticamente as alterações do novo Tratado associando os cidadãos europeus ao projecto, mas esqueceram-se que os referendos são imprevisíveis quanto aos resultados e que existe um grande alheamento e falta de informação sobre a UE por parte da grande maioria dos cidadãos europeus. Combater o défice democrático através do recurso ao referendo é, pois, uma falsa questão. Isto porque qualquer revisão dos Tratados já foi objecto de negociação e acordo de todos os governos dos Estados-membros da UE democraticamente eleitos, sendo sempre o compromisso possível entre os Estados-membros.
A decisão de levar o novo Tratado a consulta popular é, pois, na grande parte dos 27, uma decisão que caberá aos governos. A questão volta à ordem do dia porque, como se sabe, a Presidência alemã em Junho irá definir os desenvolvimentos a prosseguir em relação ao Tratado Constitucional, nomeadamente o papel da Presidência portuguesa no segundo semestre de 2007.
Ficam aqui algumas reflexões sobre a questão do referendo:
1. Os compromissos políticos assumidos pelos partidos nas campanhas eleitorais devem ser respeitados. E se portanto PS e PSD prometeram referendar o Tratado Constitucional esse objectivo deve ser honrado. Antes das promessas eleitorais deveria ter existido uma reflexão sobre as consequências do referendo e sobre as condições para se fazer o referendo – entenda-se a preparação e a motivação do eleitorado para a participação no mesmo. Isto porque os referendos são imprevisíveis quanto aos resultados, sendo esta a razão principal dos governos preferirem tradicionalmente a ratificação via parlamentos nacionais. De facto, o sentido do voto poderá não ser baseado nos argumentos a favor ou contra o Tratado, mas influenciado pelo desempenho geral do governo nesse momento, ou seja, o voto contra servir para censurar o governo em funções. E se por um lado se pretende legitimar democraticamente as alterações do novo Tratado associando os cidadãos europeus ao projecto, por outro, deparamos com o grande alheamento e falta de informação sobre a UE por parte da grande maioria dos cidadãos europeus.
2. A haver referendo que seja uma oportunidade para se discutir e reflectir mais Europa. A sociedade portuguesa organizar-se-á e mobilizar-se-á, tal como já o fez em momentos passados. Recorde-se a mobilização recente relativa ao referendo ao aborto. Mas mais que uma mobilização pontual, com tempos e objectivos específicos ligados ao referendo, seria importante que a mobilização fosse permanente e transversal, assumida quer pelo governo, quer pelos partidos políticos, quer pela sociedade civil: as questões europeias deveriam ser discutidas nas campanhas eleitorais; as escolas e as universidades deveriam apostar mais nos currículos com temáticas europeias; os governantes deveriam explicar mais as vantagens da UE e os condicionamentos que a pertença a um projecto comum implica. Porque a UE é uma realidade que nos toca no quotidiano dos nossos dias e da qual fazemos parte integrante.

Andreia Soares
ISCSP, 16 de Abril de 2007