O Tratado de Lisboa
O Tratado de Lisboa assinado ontem pelos chefes de Estado e de governo da União Europeia (UE), e que põe fim a um processo longo e conturbado de revisão dos Tratados actualmente em vigor, recupera o essencial do Tratado Constitucional rejeitado pelos franceses e holandeses em 2005. Se é verdade que o carácter constitucional foi posto de parte, tendo sido retirada toda a terminologia dita mais “federalista”, para assegurar aos Estados mais cépticos que não se está perante a criação de um super-Estado europeu, as principais reformas institucionais foram preservadas. O novo texto não revogará todos os Tratados em vigor, substituindo-os por um só, mas introduzirá alterações no “Tratado da União Europeia”, que conservará a actual denominação, e no “Tratado que institui a Comunidade Europeia”, que passa a ser designado “Tratado sobre o Funcionamento da União”.
Isto foi possível porque a UE é dotada de personalidade jurídica, acabando-se, desta forma, com a dualidade UE/Comunidade Europeia e clarificando o sistema da União para o cidadão. Contudo, o facto de continuarem a existir três Tratados (o “Tratado que institui a Euratom” continua a vigorar), em vez de um, não contribui nem para a simplificação dos Tratados nem para a aproximação do cidadão à UE, que continua a ver este texto como dificilmente compreensível e pouco que ver com o quotidiano da sua vida. O que nos remete para outra questão que é a do desinteresse dos cidadãos aliada à falta de informação e debate sobre a UE e a consequente incapacidade de acompanhar os avanços do processo de integração europeia. De facto, a maior parte dos cidadãos sabe que é um momento importante, o da assinatura do Tratado, mas não sabe porquê.
A complexidade do texto encontra ainda justificação nas reivindicações de certos Estados-membros e está patente na introdução de várias declarações, protocolos e cláusulas de isenção, derrogatórias do acordado para todos os Estados-membros. De facto, a negociação dos Tratados é sempre um exercício complexo de gestão de interesses e procura de compromissos entre os Estados-membros e de cedências, concessões ou derrogações a alguns Estados-membros, bem como do adiamento de certas questões mais polémicas. Quanto a este último ponto o Tratado não é excepção, já que o novo sistema de definição da maioria qualificada entrará em vigor apenas a partir de 1 de Novembro de 2014 e a redução da composição da Comissão para dois terços do número total de Estados-membros é adiada para o dia 1 de Novembro de 2014.
Se a concessão de derrogações não é surpresa, a multiplicação de cláusulas de isenção que dão direito a certos Estados de se excluírem de certas políticas comuns coloca a questão de saber como gerir a “diferenciação” entre os Estados-membros numa UE a 30 sem pôr em causa o projecto de integração política. Ora o Tratado de Lisboa cria mais oportunidades para uma integração diferenciada e para uma Europa a várias velocidades, pois, para além das cooperações reforçadas, introduz a cooperação estruturada permanente no âmbito da defesa e a cláusula de saída para Estados-membros que não pretendem ou não estão em condições de assumir uma integração mais forte – isto só para mencionar dois exemplos.
Muito se tem dito sobre os avanços ou as mais-valias deste Tratado, e que este Tratado vai fazer a UE sair do impasse institucional, mas pouco sobre o problema da aplicação efectiva das suas inovações, nomeadamente sobre o impacto da criação do cargo de Presidente do Conselho Europeu e a sua articulação com o Presidente da Comissão Europeia e o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e respectivas repercussões para a eficácia da liderança europeia; o novo papel dos parlamentos nacionais; a cooperação reforçada em matéria de política externa e de defesa; a eleição do Presidente da Comissão pelo PE, etc. Este Tratado, à semelhança dos anteriores, não é perfeito, traduz o tal “compromisso possível” entre todos, e novas revisões seguir-se-ão. Abre-se agora a fase da ratificação para a respectiva entrada em vigor. A escolha deste processo é da competência dos diferentes Estados-membros, em conformidade com as respectivas normas constitucionais, podendo ser através de aprovação parlamentar e/ou por referendo. Até ao momento, e por imperativos de ordem constitucional, a Irlanda é o único Estado-membro que realizará referendo ao Tratado.
Andreia Mendes Soares
ISCSP, 14 de Dezembro de 2007
Isto foi possível porque a UE é dotada de personalidade jurídica, acabando-se, desta forma, com a dualidade UE/Comunidade Europeia e clarificando o sistema da União para o cidadão. Contudo, o facto de continuarem a existir três Tratados (o “Tratado que institui a Euratom” continua a vigorar), em vez de um, não contribui nem para a simplificação dos Tratados nem para a aproximação do cidadão à UE, que continua a ver este texto como dificilmente compreensível e pouco que ver com o quotidiano da sua vida. O que nos remete para outra questão que é a do desinteresse dos cidadãos aliada à falta de informação e debate sobre a UE e a consequente incapacidade de acompanhar os avanços do processo de integração europeia. De facto, a maior parte dos cidadãos sabe que é um momento importante, o da assinatura do Tratado, mas não sabe porquê.
A complexidade do texto encontra ainda justificação nas reivindicações de certos Estados-membros e está patente na introdução de várias declarações, protocolos e cláusulas de isenção, derrogatórias do acordado para todos os Estados-membros. De facto, a negociação dos Tratados é sempre um exercício complexo de gestão de interesses e procura de compromissos entre os Estados-membros e de cedências, concessões ou derrogações a alguns Estados-membros, bem como do adiamento de certas questões mais polémicas. Quanto a este último ponto o Tratado não é excepção, já que o novo sistema de definição da maioria qualificada entrará em vigor apenas a partir de 1 de Novembro de 2014 e a redução da composição da Comissão para dois terços do número total de Estados-membros é adiada para o dia 1 de Novembro de 2014.
Se a concessão de derrogações não é surpresa, a multiplicação de cláusulas de isenção que dão direito a certos Estados de se excluírem de certas políticas comuns coloca a questão de saber como gerir a “diferenciação” entre os Estados-membros numa UE a 30 sem pôr em causa o projecto de integração política. Ora o Tratado de Lisboa cria mais oportunidades para uma integração diferenciada e para uma Europa a várias velocidades, pois, para além das cooperações reforçadas, introduz a cooperação estruturada permanente no âmbito da defesa e a cláusula de saída para Estados-membros que não pretendem ou não estão em condições de assumir uma integração mais forte – isto só para mencionar dois exemplos.
Muito se tem dito sobre os avanços ou as mais-valias deste Tratado, e que este Tratado vai fazer a UE sair do impasse institucional, mas pouco sobre o problema da aplicação efectiva das suas inovações, nomeadamente sobre o impacto da criação do cargo de Presidente do Conselho Europeu e a sua articulação com o Presidente da Comissão Europeia e o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e respectivas repercussões para a eficácia da liderança europeia; o novo papel dos parlamentos nacionais; a cooperação reforçada em matéria de política externa e de defesa; a eleição do Presidente da Comissão pelo PE, etc. Este Tratado, à semelhança dos anteriores, não é perfeito, traduz o tal “compromisso possível” entre todos, e novas revisões seguir-se-ão. Abre-se agora a fase da ratificação para a respectiva entrada em vigor. A escolha deste processo é da competência dos diferentes Estados-membros, em conformidade com as respectivas normas constitucionais, podendo ser através de aprovação parlamentar e/ou por referendo. Até ao momento, e por imperativos de ordem constitucional, a Irlanda é o único Estado-membro que realizará referendo ao Tratado.
Andreia Mendes Soares
ISCSP, 14 de Dezembro de 2007