A Teoria das Relações Internacionais e as Teorias da Integração Europeia
A TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E AS TEORIAS DA INTEGRAÇÃO EUROPEIA
RAQUEL PATRÍCIO[1]
Sofrendo um processo contínuo de evolução, a União Europeia que hoje temos é, efectivamente, fruto de uma ideia de Europa que remonta a épocas passadas muito anteriores ao início concreto da construção desse processo. Frutificando em projectos de unidade continental, essa ideia foi-se desenvolvendo, essencialmente, segundo dois tipos de projectos de unidade europeia.
Por um lado, surgiram projectos de alianças federativas clássicas propondo o equilíbrio europeu com base na soberania estadual, de modo a evitar-se o aumento de poder de uma potência face às restantes, para que não surgissem situações de dominação. Assentando na Teoria Realista das Relações Internacionais, de Hans Morgenthau e Henry Kissinger, estas alianças federativas clássicas foram tentadas em paralelo com projectos de interdependência mediante integração, de acordo com os quais o Estado transfere a sua soberania – ou partes dela – para Autoridades Comuns Supranacionais, segundo a Teoria Institucional Neoliberal de Robert Keohane e Joseph Nye. Por outro lado, e ao mesmo tempo que projectos foram sendo tentados dentro destas perspectivas, existiu sempre, naturalmente, o tipo misto, que consubstanciava, num único, ambas as vertentes.
O caminho adoptado pela União Europeia foi, claramente, desde o início, o da interdependência mediante integração, na busca do equilíbrio de poderes, embora sem dúvida se possam encontrar elementos, no processo europeu de integração, oriundos de outras teorias das Relações Internacionais.
De facto, sendo um fenómeno internacional, a integração europeia pode, e deve, ser analisada pela Teoria das Relações Internacionais como um ramo autónomo do Saber no seio das Ciências Sociais. De facto, a Teoria das Relações Internacionais apresenta todo um arcabouço instrumental e conceptual que permite fundamentar, teoricamente, os acontecimentos da política internacional, bem como, de forma não reactiva, sugerir e apontar vias alternativas aos decisores de Política Externa. Daí a importância da teoria.
É assim, com base neste entendimento, reactivo à posteriori e activo à priori, que podemos começar por dizer que a teoria da integração é o campo de teorização do processo evolutivo e da realidade hoje existente da integração (europeia), com vista à obtenção de um melhor entendimento das instituições formais da União Europeia: como foram criadas e como funcionam essas instituições, por forma a identificarem-se as competências organizacionais, o papel e a função de cada uma, segundo os Tratados, assim como os elementos identificadores da actividade lobista. É igualmente objectivo da teoria da integração a formulação de expectativas sobre os desenvolvimentos futuros e o comportamento institucional, sendo certa a preocupação com as questões ligadas à reforma democrática e à legitimidade, o que exige um profundo conhecimento, não só das instituições comunitárias, como das matérias normativas[2].
A Teoria da Integração (europeia) constitui-se, deste modo, como uma área de estudo da Teoria das Relações Internacionais. Não sendo uma Escola desta Teoria, ela evolui, sempre, sujeita às influências que estas Escolas lhe vão transmitindo, sendo, também, interpenetrada pela Ciência Económica. Assim, a integração europeia, estudada pela Teoria da Integração, inclui-se no âmbito teórico, quer da Teoria das Relações Internacionais, quer da Teoria Económica, podendo, desta forma, afirmar-se que os seus elementos explicativos advêm, quer de uma, quer de outra. Do ponto de vista que aqui queremos realçar – o da Teoria das Relações Internacionais – interessa, desde logo, notar que a integração europeia apresenta, de facto, elementos das várias Escolas das Relações Internacionais, pois à medida que evolui a Teoria das Relações Internacionais evolui, também, a Teoria da Integração (europeia).
De facto, o conhecimento puramente empírico de como funcionam as Instituições Comunitárias é impossível, já que a representação dos factos empíricos baseia-se sempre em preocupações concretas a fornecem apenas uma compreensão superficial, que despreza as disputas políticas que não estão localizadas tão à superfície[3]. A teoria surge, neste contexto, de extrema utilidade. Ela permitir-nos-á, desde logo, analisar a comunidade política e respectivas instituições, isto é, a forma segundo a qual as instituições comunitárias surgiram e as alternativas que se colocam na base das considerações normativas[4]. Permitir-nos-á, também, analisar as medidas concretas tomadas para avaliar e resolver problemas reais e, ainda, o processo de policy-making comunitário e as lutas e estratégias diárias dos actores políticos lidando uns com os outros; por outras palavras, a bargaining entre os governos, entrando em linha de conta com a influência de grupos de interesse específicos. Lidando, desta forma, com a politics, a teoria permitir-nos-á compreender de que forma as decisões são tomadas no seio da União Europeia, porque razão a governança tecnocrática[5] prevalece sobre a governança participativa[6] e como certos grupos particulares de interesse são sistematicamente colocados em desvantagem pelo estilo político predominante[7].
Partindo da conjugação destas várias vertentes, a Teoria da Integração europeia surge multifacetada, no sentido em que, em lugar de uma única teoria, existem várias, todas em complementaridade e não em concorrência, que reflectem o passado, o presente e o futuro da própria construção teórica da Europa. De facto, as abordagens que existem desde o início da construção europeia têm-se desenvolvido de tal forma que têm influenciado as gerações subsequentes de teóricos, enquanto muito do trabalho teórico hoje existente tem vindo a mudar o foco de análise, detendo-se sobre a questão da governança, que combina as Relações Internacionais com a Política Comparada, e diversas novas abordagens têm trazido, para a ribalta da análise da integração europeia, questões já levantadas por outras Ciências Sociais, como a predominância do estudo da politics.
Tendo em conta estas observações e procurando localizar as abordagens teóricas no contexto histórico em que foram surgindo – uma vez que tais abordagens são, evidentemente, influenciadas pelo contexto sócio-político em que os académicos trabalham –, é possível, seguindo, em parte, Antje Wiener e Thomas Diez, identificar quatro fases de desenvolvimento teórico sobre a integração europeia – cada uma das quais centrada sobre um ângulo específico de análise, sendo certa a dificuldade em delimitá-las temporalmente, já que, se é possível localizar um período em que as teorias começaram a ser elaboradas, ou que em determinado momento certo aspecto teórico começou a ganhar mais relevância analítica do que outro, menos certa não é a impossibilidade de determinar o momento em que certa tradição de pensamento terminou, pois que, normalmente, essas tradições tendem a continuar após a emergência de novas tendências teóricas[8].
Importa, todavia, notar, antes de mais, e uma vez que a Teoria da Integração é vulnerável ao desenvolvimento da Teoria das Relações Internacionais, caminhando a par e passo com esta, que a integração europeia se filia na tradição aristotélica do associativismo, interpenetrada pela ênfase institucionalista que busca conhecer a razão que leva os indivíduos ou grupos a unirem-se. Prescindindo da ascese cognitiva da ideia do Bem presente em Platão, as facções, ou grupos, ou Estados unem-se, não em busca dessa ideia, mas para prover a Moderação, considerada a Virtude suprema, através de processo misterioso que é a construção institucional. De facto, diferentemente de Platão, o modelo aristotélico tem como ponto de partida as facções (pluralismo), cujo associativismo explica pela razão mesma do homem ser um animal naturalmente político e social. A virtude aristotélica é prudencial (situa-se no meio, por oposição à virtude da ideia do Bem de Platão), visando a construção institucional da ordem justa. A teoria do conhecimento de Aristóteles supõe que as ideias são imanentes às coisas, de modo que o alcance desse conhecimento é obtido através, primeiro, da percepção (empírica) e, depois, da abstracção (racional), de modo diverso de Platão, que requer a ascese intelectual para alcançar a ideia do Bem. Aristóteles não se preocupa com a revelação do que poderá ser igualado à Virtude de Platão. Pressupõe a sua existência e procura compreender a razão que leva os homens a associarem-se.
Na verdade, partindo da Política entendida como processo social, onde a coacção faz o contraponto ao consentimento, o desenvolvimento do discurso teórico-racional, precursor do que viria a ser a Teoria das Relações Internacionais, permeado pela cristianização, encontra em Aristóteles e Platão a dualidade das suas origens.
Desenvolvendo-se a vertente platónica do universalismo, da coerção e do centralismo, no século V, com Santo Agostinho, a vertente particularista do consenso e da descentralização, aristotélica, encontrou em São Tomás de Aquino, no século XIII, a ponte para os desenvolvimentos posteriores, com os escolásticos e o Humanismo II, enquanto Santo Agostinho conduzia à teologia protestante e ao Humanismo I.
Ambos os Humanismos, embora o I mais do que o II, conduziram ao Jusnaturalismo – amalgamento da teoria com um outro tipo de discurso, a Jurisprudência, forma distinta de encarar a sociedade –, que encontra em Hugo Grocius o expoente máximo, enquanto a vertente do Humanismo oriunda de Aristóteles influenciava Montesquieu e, por via deste, os federalistas norte-americanos, podendo desde logo afirmar-se a filiação aristotélica da integração europeia.
Assentando no Jusnaturalismo, os teólogos protestantes, crentes na predestinação como incerteza perene da salvação, introduziam o medo, já presente em São Paulo e Santo Agostinho, na construção de uma ciência protestante, base da edificação da Revolução Científica do século XVII (auge das transformações sócio-económicas iniciadas, já, no século XIII, aquando da construção das primeiras unidades políticas organizadas, como Portugal) e da construção do Estado Moderno, assente na doutrina do contrato social (oriunda da vertente platónica da Política) de que Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau, John Locke e Immanuel Kant se afirmariam, desde logo, seguidores, por oposição ao associativismo implícito de Montesquieu e dos federalistas, herdeiros da vertente associativista do aristotelismo – para a qual, antes do Estado, resultante do contrato social, já existiam associações pré-estaduais, sendo as primeiras de todas as resultantes das relações imutáveis estabelecidas entre homens e mulheres e entre senhores e escravos, nesta categoria incluindo-se as crianças.
Simultaneamente, o Renascimento, como causa e consequência das Descobertas, acontecimento épico, colectivamente europeu no desfecho, exclusivamente português na aurora do seu brilhantismo, abria caminho para a identidade paradigmaticamente estadual, primeiro da Europa, depois do mundo. Consubstanciando o Ocidente dos Estados, que viera substituir a Respublica Christiana, à época em que a Espanha e a França se constituíam como as primeiras grandes unidades políticas europeias, enquanto a Áustria, unindo-se à Hungria, tomava a dianteira do espaço alemão, Nicolau Maquiavel criava a expressão Estado e Jean Bodin dava-lhe legitimidade, através do conceito de Soberania, pela definição do qual é considerado o pai do Estado Moderno. Una, indivisível, própria e não delegada, irrevogável, perpétua e suprema, a soberania passou a ser o conceito por excelência que define a noção de Estado.
Consensual entre os juristas, o Estado surge sendo, então, como refere o Professor Doutor José Adelino Maltez[9], “um povo, sobre um território, organizado em torno de um determinado poder político” ou, de forma mais completa, como ensina Marcello Caetano, “um povo fixado num território, de que é senhor, e que dentro das fronteiras desse território institui, por autoridade própria, órgãos que elaborem as leis necessárias à vida colectiva e imponham a respectiva execução”[10], surgindo a soberania como um poder territorial, por exercer-se dentro das fronteiras das várias unidades políticas. Resultado da congeminação do discurso político com o filosófico, na sequência do fundamento teórico dado pelo Jusnaturalismo ao Direito Romano, o Direito passou a ser usado pelos Estados Territoriais Soberanos como justificador do Poder.
Tendo-se o Estado assim entendido, soberano e territorial, afirmado como a forma organizacional mais eficiente[11], depressa a Europa assistiu ao pulular de Estados Territoriais Soberanos, que encontrariam, no Congresso de Westfália, a consolidação de que careciam.
Reunido de 1643 a 1648 para pôr fim à Guerra dos Trinta Anos, o Congresso de Westfália – que, determinando a vitória dos protestantes, estabeleceu a derrota do associativismo perante o contratualismo – marcou o revés dos Habsburgos, permitindo à Europa repor a ordem na cena internacional. Estabelecendo diversos princípios, determinou o aparecimento, pela primeira vez, de um verdadeiro sistema internacional, regulado pelo Direito Internacional de base cristã, especialmente criado, em substituição do jus gentium, para regular as relações entre os Estados Territoriais Soberanos.
Napoleão Bonaparte e a Revolução Francesa viriam, porém, no século XVIII, desregular a ordem estabelecida em Westfália, sendo necessário um novo Congresso, desta feita reunido em Viena, de 1814 a 1815, para restabelecer a ordem pré-revolucionária, reinstitucionalizando a política, assente, bem como o Direito Internacional, no mesmo fundamento cristão fornecido pela religião. Na verdade, também o meio utilizado pelo Congresso para alcançar os objectivos propostos, a Santa Aliança, encontrava substrato valorativo e ético no Catolicismo.
A adopção dos ideais revolucionários um pouco por toda a Europa, assim como a independência dos Estados Unidos da América do Norte e o início das independências latino-americanas esvaziaram de conteúdo as resoluções do Congresso de Viena, que foram substituídas “...pelo pragmatismo diplomático articulado através do Direito Internacional”[12] positivista, substituindo a ordem de Westfália-Viena pelo chamado Concerto Europeu, expressão de um equilíbrio de poder ou balança de poder, representando, justamente, o pragmatismo diplomático assente no Direito Internacional positivista. A base de sustentação da nova ordem mundial não era mais o Catolicismo, antes o interesse do Estado Nacional Soberano Territorial. Afinal de contas, o Direito Internacional institucionalizava o Concerto Europeu, adicionado do nacionalismo, que surgia como factor de aglutinação do Estado, que se pretendia coeso em torno de si mesmo. Por outro lado, Grocius propunha a laicização desse direito, terminando com o substrato valorativo e ético do mesmo, enquanto, na Política, as teorias da circulação das elites de Vilfredo Pareto e Mosca propunham a massificação da mesma, determinando a alteração da ordem internacional.
Segundo observa, e muito bem, Polanyi[13], a paz alcançada neste período resulta da conciliação de interesses em torno da necessidade da paz para o desenvolvimento do comércio. O concerto Europeu, por um lado, e o interesse pela paz da comunidade financeira internacional – grupo social cosmopolita que, então, administrava o padrão-ouro internacional[14] –, por outro, originaram o que o mesmo denomina de “paz de cem anos[15]”.
A partir desta base de sustentação, erguem-se as fases da evolução da Teoria da Integração Europeia, havendo, assim, uma fase pré-integração caracterizada por uma abordagem amplamente normativa do processo de integração europeia, que tem início no período entre-Guerras, com o Federalismo. Como movimento político, esteve sempre directamente ligado aos desenvolvimentos específicos registados na Europa, designadamente no âmbito dos movimentos em prol da federação europeia, como os levados a efeito pelos Social-democratas alemãs ou pelo conservador Conde Coudenhove-Kalergi.
As grandes teorias da integração, de facto, pode dizer-se, têm início com o Federalismo de inspiração norte-americana, trazido para a Europa por Coudenhouve-Kalergi e Spinelli, e mais recentemente por Pinder. Mais um projecto político – de instituir uma Federação de Estados para evitar novos conflitos entre os Estados, dando pois mais relevância ao produto final e englobando a organização política com dois níveis de governo distintos: o federal e o regional – do que uma teoria propriamente dita, o Federalismo propõe, ao nível da integração regional, o sistema irrealista de um super-estado.
O Federalismo inspirou as primeiras criações práticas da unidade europeia: a passagem da ideia à prática. Assentava sobre o Idealismo Wilsoniano e sobre o Internacionalismo Liberal (que corresponde ao Paradigma Liberal), daí ter-se afirmado como uma doutrina irrealista. Considerava o Federalismo que os ganhos obtidos com o comércio internacional seriam suficientes para ultrapassar qualquer dilema de segurança e que o Direito Internacional e a Organização Internacional (a SDN) eram suficientes para substituir o dilema de segurança de cada Estado (sua estrutura nacional de defesa) por um sistema de segurança colectiva.
Teoria normativa que tem vindo a ser utilizada, recentemente, no sentido de explicar e analisar aspectos particulares da política europeia, o Federalismo relaciona-se de perto com a integração europeia, afirmando-se a ideia federal como fundamental para a edificação da Europa Unida, apesar da palavra federal conter uma série de diferentes conteúdos, consoante o contexto político em questão. Assim, ela sugere desunião e fragmentação na Índia e no Reino Unido, enquanto significa precisamente o contrário na Alemanha e nos Estados Unidos, o que equivale a dizer que as federações que existem na sociedade internacional são muito distintas entre si.
Quando se centra na integração europeia, o contexto empírico surge particularmente abrangente, já que o nível estatal é ultrapassado em prol de uma “união cada vez mais maior entre os povos da Europa” que conjuga elementos intergovernamentais com outros supranacionais, federais, confederais e funcionais. Esta Europa assim híbrida, com a sua complexa estrutura institucional, não consegue ser definida, com precisão, pela Ciência Política, embora seja claro que ela caminhe, cada vez mais, em direcção a uma finalidade política que sugere, crescentemente, ser um destino federal, ainda que esta Europa federal não se confunda com um Estado federal da forma como o conhecemos.
De facto, a evolução comunitária, nomeadamente da Comunidade para a União, demonstra a força da ideia federal na construção europeia, particularmente reforçada com a assinatura dos Tratados de Roma, em 1957, e do Acto Único Europeu, em 1986. Neste sentido, o Federalismo surge como uma teoria que procura chegar à explicação da integração europeia como um objectivo consciente e perfeitamente racional dos Estados-Nação europeus, que continuam, apesar de integrados, a perseguir os seus interesses nacionais num mundo de mudança internacional muito turbulenta. Federar significa, assim, construir um processo estatal e de integração nacional; significa uma forma particular de juntar unidades territoriais anteriormente separadas, autónomas ou independentes, de modo a constituir uma nova forma de união assente no princípio da unidade na diversidade. Trata-se, pois, de uma união voluntária de unidades políticas e territoriais cujo principal objectivo é reconhecer, preservar e acomodar formalmente interesses, identidades e culturas distintas segundo um processo de barganha ou contrato que assenta na ideia da parceria igual entre as partes, de acordo com a noção de reciprocidade mútua: a ideia segundo a qual os participantes não tomam decisões apenas em benefício do todo, mas abstêm-se de tomá-las se prejudicarem algum ou alguns parceiro(s) ou a união como um todo. O que significa que existe um senso de comprometimento moral com a comunidade de membros que constitui a união. A ideia federal, essencialmente anti-absolutista e anti-centralista, congrega, pois, os princípios federais da autonomia, solidariedade, pluralismo, cidadania e subsidiaridade, que permitem a edificação de uma união, da base em direcção ao topo – e não do topo para a base em sentido hierárquico.
Evidentemente, a EU não pretende vir a ser uma federação deste ponto de vista restrito. A EU, ao contrário das federações que, ao longo dos séculos, têm surgido, não resultou de acções políticas conscientes que procuraram redigir uma constituição como base de um novo Estado – o Estado federal. A EU resultou de um processo único que, através de acções levadas a efeito no campo económico, procuram alcançar o objectivo político de criar uma “união cada vez mais forte entre os povos europeus”, através de tratados internacionais ambíguos. Existe, assim, uma complexa interacção entre o campo económico e a vertente política, na prossecução dos interesses nacionais de cada Estado-membro, que deram origem a um tipo novo de união federal como nunca, até então, havia existido.
Em termos de prática política, o movimento federalista teve, na Europa, os seus primeiros dias no período entre-Guerras, embora a ideia federal tenha, então, permanecido inaplicável. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Resistência intelectual a Hitler e Mussolini foi cristalizando a ideia federal. De facto, foi entre os membros da Resistência Europeia anti-fascista que a ideia federal foi originalmente esboçada, na tentativa de dar resposta à necessidade de organizar a Europa após a guerra. No pós-Segunda Guerra Mundial, os Estados europeus reagruparam-se rejeitando, porém, a federação como solução para a unidade europeia. No entanto, a ideia não morreu e, ao contrário, manteve-se bastante influente em toda a Europa Ocidental, sobretudo defendida pela União Europeia dos Federalistas, criada em Dezembro de 1946. Logo nos anos 1950, a influência desta ideia seria determinante nos projectos de criação de uma Comunidade Europeia de Defesa e de uma Comunidade Política Europeia, não tendo, os fracassos destas, tido qualquer efeito nefasto sobre a relevância da ideia federal. Reforçada com o Acto Único Europeu e, depois, com o Tratado de Maastricht, a ideia federal encontrou, no alargamento a Leste, de Maio de 2004, forte adepto, pois a necessidade de manter a EU coesa e unida, ante o alargamento a um número elevado de novos membros, era reforçada, justamente, pelo Federalismo. Actualmente, o debate constitucional encontra, no Federalismo, um apoio, no sentido em que a rejeição do Tratado Constitucional pela Holanda e pela França cria um empecilho à ratificação do mesmo, claramente federalista, ainda que a redacção de uma constituição para a Europa nunca antes estivera entre os objectivos da União.
Também o Funcionalismo de David Mitrany[16] pode ser localizado nesta primeira fase. Mitrany aborda, de modo fortemente normativo, de que forma, através de uma rede de organizações transnacionais de base funcional, se pode constranger os Estados a evitar uma futura guerra. Na verdade, a preocupação de Mitrany não era concretamente a integração regional europeia, até porque considerava que a integração regional seria um empecilho à concretização dos seus objectivos gerais de paz, pois mais do que pretender transcender o modelo do Estado Nacional Soberano – o causador das guerras –, a integração viria reforçar esse modelo. As suas preocupações possuíam, de facto, um carácter geral: a obtenção da paz em nível geral e mundial. Profundamente inovador, dominando as concepções teóricas durante a década de 1950, o Funcionalismo rejeita os modelos constitucionais internos, o Federalismo ou o Governo Mundial, defendendo que a forma que a instituição regional adoptar depende das funções que entretanto assumir. Assim, a cooperação iniciada num sector terá tendência a espalhar-se a vários outros (processo de spill-over) e, por isso, surgirá a necessidade de instrumentos de coordenação da cooperação cada vez mais extensa, até que estes assumam funções de coordenação política. Os nacionalismos ver-se-ão, desta forma, corroídos e, por conseguinte, diminuirá o risco da guerra.
O Funcionalismo assenta na ideia de função utilizada na Matemática e na Biologia, compreendendo o sistema político como um sistema autónomo e aberto que mantém constantes relações e trocas com os outros subsistemas da sociedade (económico, social, aparelho judicial, etc.), havendo, assim, entre os subsistemas, uma complexa rede de trocas.
Teoria inspiradora de Jean Monnet e Robert Schuman para a criação das Comunidades Europeias, mostrou-se correcta ao nível da integração gradual, sector a sector – teoria dos pequenos passos de Monnet. Cedo demonstrou, porém, grandes falhas. Para além da crença ingénua na divisão entre a técnica e a política, o Funcionalismo mostrou-se incapaz de explicar os fracassos da Comunidade Europeia de Defesa e da Comunidade Política Europeia, ao nível da integração política da Europa Ocidental.
Neste contexto, e não obstante a actuação conjunta do concerto Europeu e do padrão-ouro internacional para a existência da paz de cem anos, a expansão da Democracia e a introdução dos parlamentos nacionais dificultaram a política conservadora, facilitando a ocorrência de mudanças. Simultaneamente, a introdução do sufrágio masculino, o aparecimento do sindicalismo e dos partidos políticos e a circunstância de a opinião pública ter passado a poder influenciar o processo político interno de muitos Estados[17] – pressupostos da democracia – preparavam o fim da paz de cem anos, com o eclodir da Primeira Guerra Mundial.
Com o fim das hostilidades, Woodrow Wilson, então presidente dos Estados Unidos, patrocinou um projecto de paz mundial assente nos projectistas da paz do século XVIII, nos seus Catorze Pontos, ao sugerir a criação da Sociedade das Nações (SDN). Efectivamente criada em 1920, amplamente marcada pelo idealismo wilsoniano, a SDN constituiu a última tentativa de fazer com que o Direito Internacional fosse capaz de manter a ordem do sistema internacional.
Enfraquecida pela não participação dos Estados Unidos logo de início, a SDN viu-se desde logo relegada a uma posição marginal, com actuação limitada às querelas sobre os rios internacionais e algumas questões sociais.
O fim da Primeira Guerra Mundial criou, assim, o ambiente para que emergisse a tensão entre o “idealismo do universalismo liberal” de matriz kantiana e a continuação do “realismo de matriz hobbesiana”[18]. Procurando um espaço entre as duas correntes, continuavam os estudiosos do Direito Internacional, na tentativa de uma terceira via internacionalista de cariz grociano. Pouco espaço lhes era, contudo, dedicado.
Os idealistas, defendendo a necessidade da emancipação, acreditavam na possibilidade de o sistema internacional estruturar-se como uma comunidade que exigiria algo como uma República Universal, base da idealização da Sociedade das Nações[19]. Enquanto isso, os realistas apontavam a realidade da anarquia internacional, crendo que o sistema internacional se formava com base num estado de natureza em que cada Estado é um lobo, existindo, em luta pela sobrevivência, a guerra de todos contra todos. Os grocianos, por sua vez, apostavam na necessidade da ordem, na concepção de uma verdadeira sociedade internacional.
A Segunda Guerra Mundial marcou o dobre de finados da Sociedade das Nações, tendo os intelectuais depressa tecido severas críticas ao idealismo-utopismo de Wilson, introduzindo, como reacção, o Realismo, enquanto o Direito Internacional se apagava totalmente. Na verdade, o historiador Edward Hallet Carr (1892-1982), com “The Twenty Years` Crisis (1919-1939) – An Introduction to the Study of International Relations”, de 1939, argumentando que, embora o conhecimento científico resulte de finalidades práticas e de análise abstracta, o mesmo não descarta a adopção de uma postura realista, marcou o início da Teoria das Relações Internacionais, nascida e posteriormente desenvolvida nos Estados Unidos.
Professor de História, Carr partiu da tensão entre o utopismo e o realismo, como lhes chamou, procurando distanciar-se do primeiro, sem cair nos exageros do segundo. Embora acreditasse, como os utopistas, que o pensamento pode modificar a conduta humana, sem contudo ser total, como consideram os mesmos, a liberdade de escolha do homem de estado; e embora denunciasse o pessimismo realista de que o homem é mau por natureza, aproximava-se destes quando entendia o respeito pelas lições da História[20]. Para o Professor Doutor José Adelino Maltez, assume Carr a perspectiva dos cépticos que se consideram, como Hume e Burke, conservadores, não sendo Carr um simples realista, antes um racionalista que procurou afastar-se da vertente utópica idealista[21].
Assim nascia, de qualquer modo, uma nova estrela, a Teoria das Relações Internacionais. A nova disciplina, inicialmente autonomizada pelo factor guerra, conforme defenderam sempre os realistas como Hans Morgenthau e Henry Kissinger, herdeiros directos das observações de Friedrich Nietzsche, veio suceder ao Direito Internacional na institucionalização da Política entre os Estados, face à incapacidade daquele em manter a ordem – como ficava demonstrado pela eclosão de duas guerras mundiais.
Naturalmente, o primeiro debate que centrou as atenções dos novos profissionais foi a oposição entre o Idealismo e o Realismo, surgindo mais tarde diversas correntes críticas do Realismo, enquanto a Teoria da Integração ganhava contornos mais definidos.
De facto, com a segunda fase da Teoria da Integração, a fase explicativa, entra-se, efectivamente, na teoria da integração europeia propriamente dita. Procurando explicar de que forma surge a integração europeia e os desenvolvimentos desta, a segunda fase inicia-se com a assinatura dos Tratados de Roma e vai, sensivelmente, até ao início da década de 1980. Apesar das tentativas realistas de integrar os Estados numa visão mais abrangente, os primeiros sucessos das Comunidades Europeias desafiaram a existência do sistema do Estado Soberano de base territorial – que está no centro das concepções do Realismo. Desta forma, as teorias da integração procuraram, neste período, explicar o processo de construção institucional supranacional, isto é, compreender e analisar a EU como um tipo de sistema político. Duas abordagens seguiram este sentido: o Neofuncionalismo de Ernst Haas e Philippe Schmitter e o Intergovernamentalismo de Stanley Hoffmann e Alan Milward, podendo, aqui, individualizar-se o Intergovernamentalismo Liberal de Moravcsik. Baseadas, ambas, na premissa da racionalidade dos actores, colocaram o enfoque justificativo dos avanços e retrocessos da integração sobre diferentes níveis e diferentes campos sociais. Assim, o Neofuncionalismo explicou a evolução do sistema estatal anárquico para a construção institucional supranacional através do empurrão que certos padrões sociais e de mercado deram ao comportamento das elites em direcção à edificação do Mercado Comum. O Intergovernamentalismo, por seu lado, explicou-o como resultado de um processo decisório racional num contexto histórico que conduziu à mais clara e forte definição dos interesses dos governos dos Estados Nacionais envolvidos.
Segundo o Neofuncionalismo, em virtude da interconexão entre as diversas áreas de iniciativa, reunidas na chamada low politics, elas apresentam um forte potencial de espalhar a integração entre si. Por outras palavras, a integração levada a efeito numa determinada área conduz ao espalhar da integração por outras áreas, num processo de spill-over, primeiro sobre as áreas mais directamente relacionadas com a política do mercado e, depois, mesmo além dessa (spill-over funcional). Além disso, e na medida em que os actores estendem e partilham as suas lealdades e redefinem as suas identidades, espera-se que eles busquem uma integração mais aprofundada em termos políticos (spill-over político). Salientando o papel das elites e das burocracias transnacionais na aprendizagem da cooperação internacional e nos fenómenos de spill-over políticos, técnicos (sectoriais, funcionais) e geográficos, originando o snowball efect, o Neo-Funcionalismo viria afirmar as vantagens da cooperação no cenário internacional relativamente às situações de enfrentamento em caso de diferendos. A integração surge, assim, como a melhor forma dos Estados organizarem o comportamento cooperativo, já que pressupõe a esperança no papel das instituições supranacionais (autoridade de base territorial como unidade básica de análise). Influenciado profundamente pelo movimento behaviorista na Ciência Política, o Neo-Funcionalismo centra-se sobre o processo de integração em si, conferindo grande ênfase ao processo de integração e das instituições comunitárias. Construído a partir do Funcionalismo, procurando colmatar as suas falhas e mantendo parte da sua agenda normativa (especialmente o Neofuncionalismo Político de Jean Monnet), o Neofuncionalismo introduziu, tanto uma grande ênfase sobre os actores interessados na integração (e, por conseguinte, capazes de levar a integração cada vez mais longe, como a Comissão), tanto um interesse social científico explicito de criar uma teoria da integração regional que, ultrapassando o caso concreto da Europa, se afirmasse como uma teoria geral. O neofuncionalismo de Ernst Haas, Leon Lindberg e Philippe Schmitter viria dominar a década de 1960. Disfrutando de grande popularidade inicialmente, especialmente ao nível da integração europeia – em virtude do spill-over sectorial que a partir da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço deu origem à Comunidade Europeia da Energia Atómica e à Comunidade Económica Europeia, do spill-over geográfico do alargamento das Comunidades à Grã-Bretanha, à Irlanda e à Dinamarca e do spill-over político do desenvolvimento da Política Agrícola Comum –, o Neo-Funcionalismo sofreu fortes revezes com os vetos da França à adesão britânica, com a crise da chaise vide de 1965 e, depois, com a crise petrolífera mundial e a recessão económica que haveria de generalizar-se na década de 1970[22]. Além do mais, o Neo-Funcionalismo revelou ignorar a influência dos factores externos e não distinguiu entre a high e a low politics.
Não obstante estas falhas, Cox e Jacobson, na mesma época, e de modo relativamente anexo ao Neo-Funcionalismo, conduzem uma grande pesquisa sobre o processo decisório das organizações internacionais de carácter universal. Sublinhando o papel dos grupos e dos indivíduos nesse processo decisório, ambos interpretam as organizações internacionais como algo mais que a pura soma dos respectivos membros.
De um modo diferente, mas também neofuncionalista, Karl W. Deutsch visualizou, em 1957, a integração como provindo de uma crescente comunicação e interconexão entre os actores além fronteiras, criando o chamado Transnacionalismo. Esta abordagem não recebeu, nunca, grande atenção, embora seja interessante, porque foca, sobretudo, a integração social, e não tanto a política, como usualmente sucede. No entanto, a abordagem de Deutsch centrou-se sobre o caso específico da NATO e da comunidade transatlântica de segurança e não propriamente sobre o caso europeu. Daí que não lhe seja dada grande atenção quando se estudam as teorias da integração europeia.
Entusiasta das novas técnicas behavioristas e da imagem da sociedade internacional da Escola Inglesa de Relações Internacionais, Deutsch ressalta, da definição de integração, a existência de expectativas de transformação pacífica. Existem, efectivamente, da parte de quem participa num processo regional de integração, a expectativa de que as transformações ocorrerão de forma pacífica. Concluindo que o nível de transacções entre os Estados é uma das mais importantes características para o desenvolvimento de comunidades, Deutsch distigue entre comunidades amalgamadas – aquelas em que as actividades políticas pré-existentes fundem-se – e as comunidades pluralistas – aquelas em que as entidades políticas pré-existentes mantêm a sua soberania, ainda que sem total liberdade de opções nas respectivas escolhas políticas[23]. Ainda que o trabalho de Karl Deutsch possa considerar-se demasiado teleológico, não analisando com profundidade as condições e os mecanismos que podem conduzir à desintegração (em lugar da formação de comunidades), o que tem ocorrido muito na nossa era pós-moderna, e que o trabalho de Deutsch pouco nos ajuda a compreender, a verdade é que, na época em que surgiu, contribuiu de facto bastante para o progresso da teoria da integração regional, tendo como caso de estudo as Comunidades Europeias.
O mesmo poderá dizer-se da abordagem de Morton Kaplan que, em 1957, lança a obra “System and Process in International Politics” enquadrada na tentativa behaviorista de trazer para a disciplina de Relações Internacionais os contributos da Economia ou da Astronomia, para assim construir modelos teóricos. Kaplan faz uma correcção estrutural-funcionalista ao anterior Realismo, recorrendo à emergente cibernética e à tradicional balança de poderes; tentativa frustrada que não teria nunca as repercussões que os seus seguidores haviam imaginado.
Incapazes de explicar os revezes por que as Comunidades Europeias passavam nos anos 1960[24], as teorias de integração até então elaboradas viram-se acrescentadas de uma nova abordagem, que nasceria nos Estados Unidos vinculada à tradição realista das relações internacionais. Aluno de Raymond Aron, Stanley Hoffman desenvolveria, em plena década de 1960, o Intergovernamentalismo, que visa, desde logo, explicar a integração europeia reabilitando a diversidade de Estados em oposição à convergência das elites proclamada por Haas e Lindberg. Procurando compreender e explicar o caso integracionista das Comunidades, Hoffman considera os Estados como os actores centrais das relações internacionais, daí a influência do Realismo. Não se trata, porém, de um realista puro, na medida em que Hoffman afirma que o interesse nacional de um Estado deriva unicamente da sua posição no sistema internacional. Com a preocupação de considerar a relação interno-externo, Hoffman vê as Comunidades Europeias como uma cooperação entre Estados cujo funcionamento interno é regido por princípios de autoridade e de hierarquia. Num contexto de interdependência generalizada, essa cooperação entre Estados evolui para uma forma aprofundada de regime internacional, que permite aos Estados gerir mais facilmente problemas específicos (issue-areas). Não considerando o spill-over dos neo-funcionalistas, Hoffman considera que tornar comum a soberania (pooled sovereignty) resultante daquele processo não provoca a diminuição do papel dos Estados, antes reforça-o.
Sendo o Intergovernamentalismo uma abordagem teórica da integração europeia pertencente à Academia Norte-Americana, seria depois um historiador britânico a difundir estes trabalhos pela Europa. Para Alan Milward[25], o Intergovernamentalismo é tido em conta pelo viés da rational choice, já que o objectivo dos Estados é reduzir os custos de transacção num contexto de economia aberta. Assim, a integração regional europeia, que Milward procura teorizar, é uma acção colectiva visando, cada Estado-membro, optimizar os ganhos. Refutando a tese de que os Estados europeus, ao decidirem unir-se numa comunidade, teriam renunciado a uma parte da respectiva soberania, criando instituições comuns, Milward afirma que a integração europeia foi o meio encontrado pelos Estados europeus para restabelecerem-se individualmente da destruição causada pela guerra. Milward reduz, assim, a integração regional, unicamente à dimensão económica, subestimando todos os outros aspectos: factores exógenos, os interesses e as ideologias dos dirigentes, a identificação identitária das populações, as questões problemáticas que opunham os Estados europeus entre si, especialmente a França e a Alemanha. Os Estados surgem, assim, na concepção estatista de Alan Milward, como guardiães do templo (tese que defende), tendo sido assim a formação das Comunidades Europeias.
De facto, persista um debate intenso entre os apoiantes da integração entendida como reforço do Estado Nação, como Milward, e os apoiantes da integração entendida como forma de ultrapassar o Estado Nação em busca do supranacionalismo. Abordagens mais recentes no âmbito do Intergovernamentalismo, em particular o Intergovernamentalismo Liberal, embora não neguem a importância da decisão racional dos actores individuais (Estados Soberanos) na criação de Instituições Supranacionais, focam com maior intensidade o reforço da capacidade de decisão desses actores por acção dessas Instituições Supranacionais, colocando a questão ao contrário: a capacidade de decisão dos actores sai reforçada da existência de Instituições Supranacionais, embora não seja constrangida por estas. Deste ponto de vista, estas Instituições são criadas com objectivos específicos e estão sob controlo dos actores que as criaram. O que significa que estas Instituições podem ser alteradas a qualquer momento.
Uma terceira fase da teoria da integração europeia apresenta uma nova geração de teóricos, que procura analisar a governança. Criada, sobretudo, desde os anos 1980, esta fase analítica tenta compreender que tipo de sistema político é a União Europeia e, a partir daqui, conseguir descrever o processo político no interior da EU e, ao mesmo tempo, a forma como funciona a política regulatória da EU. Consideram estes teóricos, radicados no Intergovernamentalismo Liberal de Moravcsik e no Neo-Neofuncionalismo de Stone, Sweet, Sandholtz, Zysman, Tranholm e Mikkelsen, que as Instituições Supranacionais não são meras ferramentas nas mãos dos seus criadores, antes têm um papel importantíssimo no processo europeu de integração e no desenvolvimento da governança europeia. Assim, e como os neofuncionalistas haviam demonstrado, as Instituições podem causar consequências inimagináveis, sendo muito menos facilmente reversíveis do que os intergovernamentalistas afirmaram, o que significa que, deste novo ponto de vista, a complexa estrutura institucional da EU veio para ficar, sendo as abordagens teóricas da integração europeia, não tão centradas sobre a Teoria das Relações Internacionais, mas mais sobre a Política Comparada. Na realidade, a necessidade que a teoria sentia de ultrapassar o estato-centrismo das abordagens teóricas até então elaboradas, em prol da análise de um espaço político policêntrico com múltiplos actores, conduziu, em meados dos anos 1980, a um discreto retorno ao Neo-Funcionalismo – moribundo desde meados da década anterior. De facto, a implantação do Mercado Interno nas Comunidades Europeias, em 1992, revigorou a análise neo-funcionalista, espelhada sobretudo nos trabalhos de Wayne Sandholtz e John Sysman. Para estes neo-neo-funcionalistas, a integração europeia surge como resultado da convergência de interesses entre as elites transnacionalizadas e as instituições comunitárias, enquanto se afirma como processo político marcado por uma lógica de expansão das actividades através de pequenas, mas sucessivas modificações (incrementalism). Neste sentido, Sandholtz e Sysman sustentam que o Acto Único Europeu foi a resposta das elites europeias às mudanças ocorridas na cena internacional nos anos 1980, conformando uma série de alianças transnacionais entre a Comissão Europeia (então presidida por Jacques Delors) e as elites industriais europeias. Do mesmo modo, Anne-Marie Burley e Walter Mattli consideram que o desenvolvimento de uma ordem jurídica comunitária é o resultado da convergência entre a comunidade europeia de juristas e os juízes do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
O monismo inerente ao Intergovernamentalismo deveria, assim, para estes autores, ser abandonado, para dar-se aos grupos sociais e às instituições comunitárias o estatuto de actores plenos do processo europeu de integração regional.
Esta terceira fase alargou, assim, o escopo da pesquisa empírica e da reflexão teórica sobre a integração europeia e introduziu um elevado grau de interdisciplinaridade a estes estudos, sob a forma de abordagens comparativas e institucionalistas que procuram esclarecer questões como: que tipo de política a EU realmente é e como funciona, a adaptação institucional e a boa governança, incluindo as questões da legitimidade, da democracia e da transparência e, ainda, a europeização das regras, das instituições e das práticas da governança na UE. Na busca de respostas a estas perguntas, a teoria colocou o acento tónico sobre a dimensão construtivista da integração e da governança europeias e acrescentou uma dimensão crítica à análise do fenómeno integracionista europeu; a partir de onde diversos conceitos acabaram sendo desenvolvidos, como o entendimento da EU como um sistema de múltiplos níveis (Marks et al., 1996), a EU como uma rede de governança (Jachtenfuchs e Kohler-Koch, 1996), a EU como política multi-perspectivada (John Ruggie, 1993).
Com as Revoluções Europeias de 1989-90, muitos foram os que afirmaram a alteração radical das teorias e postulados através dos quais o sistema bipolar era analisado. Geopoliticamente alterado, transformado, no imediato, num sistema unipolar, historiografistas das Relações Internacionais proclamaram a incapacidade analítica da Teoria das Relações Internacionais em estudar o sistema internacional, avançando tentativas de substituição dos velhos paradigmas por novos. Mudava a Teoria das Relações Internacionais e, com ela, a própria Teoria da Integração, que agora passaria a centrar-se num ângulo mais analítico do que propriamente descritivo.
As teorias e os modelos de análise propostos e utilizados para o estudo das Relações Internacionais até 1989 pareciam ter perdido, a partir daí, capacidade analítica, mostrando-se inconsistentes diante dos fenómenos novos que abalavam a vida internacional.
Rapidamente, o Realismo de Hans Morgenthau, o Realismo prático e histórico de Edward Carr, a Abordagem Clássica de Adam Watson e Hedley Bull, o Marxismo (Dependentista) de Raúl Prebisch e Samir Amin, o Pluralismo de Stanley Hoffman, Joseph Nye e James Rosenau, o Marxismo (Estruturalista) de Immanuel Wallerstein, o Neo-Realismo de Kennet Waltz, o Institucionalismo Neoliberal de Robert Keohane, Francis Fukuyama e Samuel Huntington, assim como as mais recentes formulações teóricas do Construtivismo de Nicholas Onuf, em parte assentes no pós-Modernismo de Richard Ashley, na teoria feminista de Sandra Harding, na teoria normativa de Chris Brown, na teoria crítica derivada da Escola de Frankfurt, da qual se destacam Robert Cox e Mark Hoffman, e na Sociologia histórica de Charles Tilly e Michael Mann, pareciam ter perdido consistência analítica, demonstrando enorme fragilidade teórica, ao paradigmática que, imediatamente após as transformações ocorridas a Leste, parecia abalar o estudo das Relações Internacionais. De acordo com o Professor Doutor José Flávio Sombra Saraiva, estas teorias chegariam, mesmo, a considerar que “…dominadas pelos fenómenos da globalização económico-financeira e pela integração liberalizadora dos mercados, as relações internacionais teriam encontrado seu novo modelo sistémico”, ao “...passarem a supor que o contexto internacional do presente fosse uma nova forma acabada de sistema internacional”[26], o que sugeria uma ausência de instrumentos para a análise das Relações Internacionais compostas pela vida internacional difusa e incerta, sobretudo por ter anunciado, no desfecho do século XX, o fim do Estado Nacional Soberano.
Neste suposto contexto de incapacidade analítica por parte das teorias propostas, o caminho aberto pela Historiografia das Relações Internacionais surgia no horizonte como uma nova esperança no estudo da disciplina, afectada na sua consideração como disciplina autónoma. Não se pode pretender, contudo, reduzir o estudo teórico das relações internacionais à abordagem histórica das mesmas. Ainda que a junção de ambas as perspectivas, como propõe Brunello Vigezzi, demonstre ser profícua, as Escolas clássicas de Teoria das Relações Internacionais continuam a ocupar, não um lugar importante no contexto dos estudos internacionalistas, mas o seu próprio e determinado lugar, fazendo, isso sim, um apelo cada vez maior à interpenetração de umas nas outras, já que a insuficiência dos apoios conceptuais de uma Escola de Pensamento em Teoria das Relações Internacionais surge, justamente, como a mais-valia trazida por outra Escola, e assim sucessivamente.
A crise paradigmática das Relações Internacionais, embora limitada, a estreito escopo, afectou, contudo, a forma pela qual as Relações Internacionais são consideradas uma disciplina autónoma. Problema que surge como um aspecto da questão mais abrangente da autonomia da Ciência Política. Assim, e uma vez que tradicionalmente esta define-se a partir da concepção do facto social designado, por Jean Bodin[27], como soberania, poder superior a todos os outros no plano interno, sem superior a nível externo, então as Relações Internacionais, a partir desta noção e no entendimento das teorias tradicionais, definem-se com base nas relações que a pluralidade de poderes políticos soberanos estabelecem entre si[28]. Segundo a mesma interpretação, estas relações, não obstante a busca incessante pela racionalização e submissão das mesmas a instituições políticas que dispensem o uso da força, demonstram estar, ainda, num visível estado de natureza[29], já que cada um daqueles poderes políticos soberanos reserva-se o direito de recorrer à força própria para defesa do que considera ser o seu interesse ou direito.
Posto isto, o factor tradicionalmente autonomizador das Relações Internacionais, como disciplina individualizada no seio da Ciência Política, é, evidentemente, a guerra, no sentido que lhe é dado por Clausewitz através da simples fórmula da “continuação da política por outros meios”.
As transformações ocorridas na vida e na política internacionais, acelerando a complexidade internacional que se afirmava já crescente, vieram alterar o entendimento tradicional, conferindo às Relações Internacionais uma autonomia que lhe advém, não apenas, nem exclusivamente, da guerra.
Efectivamente, o Estado deixou de ser o único agente das relações da guerra, mas antes do processo de internacionais, passando a dialogar e a actuar, de forma pluralista, em condições de igualdade, com organizações internacionais, organizações não-governamentais, poderes erráticos - muitas vezes apelidados de terroristas, mas que se confrontam com os Estados, não os reconhecendo como poder superior -, instituições espirituais como a Igreja Católica e, até, indivíduos. De tal forma, que a definição de Relações Internacionais se torna mais abrangente, resumindo-se, de acordo com o Professor Doutor Adriano Moreira, no “conjunto de relações entre entidades que não reconhecem um poder político superior, ainda que não sejam estaduais, somando-se as relações directas entre entidades formalmente dependentes de poderes políticos autónomos”[30].
A autonomia científica e pedagógica das Relações Internacionais[31] surge, assim, não já como resultado evolução da Sociedade Internacional para a Comunidade Internacional. Processo ainda em curso, cujo início terá sido o movimento das Descobertas, ao marcar o começo da construção do Euromundo, já que este permitiu edificar um mundo já não limitado, integrando regiões que mutuamente se ignoravam.
Evidentemente, o processo de descolonização de segunda geração, iniciado após o fim da Segunda Guerra Mundial e consagrado na Carta das Nações Unidas, aprofundou a expansão do mundo, ao promover a consideração do género humano como uma só comunidade mundial. Comunidade sucessivamente reforçada pelas revoluções que, ao tornarem as relações internacionais crescentemente complexas[32], referindo a revolução global cuja vulgarização teve início no fim dos anos 80, sendo posteriormente consagrada em 1991, em relatório elaborado para o Clube de Roma.
Foi neste contexto que se desenvolveu a quarta fase da interpretação teórica da integração europeia, a fase construtiva. Com início nos anos 1990, ela procurou, desde logo, compreender como, e com que consequências sociais e políticas, a integração se desenvolve e como podem a integração e a governança ser conceptualizadas. Marcada pelo retorno da Teoria das Relações Internacionais, esta fase vê-se profundamente influenciada pelas abordagens construtivistas e críticas que têm atingido a própria Teoria das Relações Internacionais e que põem em causa as abordagens tradicionais até então construídas. De facto, a obsessão dos intergovernamentalistas e dos neo-funcionalistas com o actor da integração regional levou a que, nos anos 1990, novas abordagens à integração regional surgissem, tendo como ponto de partida a análise à integração europeia, privilegiando as instituições.
Trata-se, em primeiro lugar, do Institucionalismo Neo-Liberal, para o qual as instituições são muito mais do que simples reflexos das forças subjacentes e têm um papel muito mais importante do que o de simplesmente produzir ambientes neutros para a interacção política.
Dentro deste Institucionalismo Neo-Liberal, a variante do Institucionalismo Histórico vem logo à ribalta. Segundo os trabalhos de Paul Pierson, a União Europeia apenas pode ser analisada em relação às instituições, que são “receptáculos contemporâneos de um processo histórico ou temporal”[33]. Assim, a política da União Europeia (politics) deixa de ser vista como mera sucessão de decisões estratégicas mas antes como uma série de trajectórias (path dependency), sendo certo que a politics é abordada, por Pierson, pelo viés da policy. Segundo conclusão de Marie-Claude Smouts, a contribuição essencial do Institucionalismo Histórico, “ao qual subscrevemos totalmente, consiste em afirmar que a política no interior da União Européia somente pode ser analisada e compreendida de maneira diacrônica. Toda política (no sentido de policy) ou toda atividade política (no sentido de politics) é vista sob essa ótica como uma improvisação operando a partir de um existente ou de um capital social que se refletem particularmente nas instituições. Sem a consideração dessa variáveis temporal e estrutural, a análise da integração européia resume-se à descrição de uma sucessão de instantâneos (...) que impedem de apreender a dinâmica do processo”[34].
Uma outra lógica institucional neo-liberal é-nos dada pelo retorno do Federalismo pelas mãos de Alberta Sbragia[35] e Fritz Scharpf. Partindo da constatação de que o Federalismo é um princípio político que não termina necessariamente na criação do Estado federal, antes permite que os actores de diversa obediência institucionalizem as suas relações, Alberta Sbragia afirma que a União Europeia não parece seguir o caminho de uma construção estatista. Afinal de contas, a essência do princípio federal, isto é, o equilíbrio entre interesses territoriais e interesses funcionais parece ser solucionado de outro modo no seio da integração europeia, em virtude das estratégias comunitária e intergovernamental que presidem à formação da União Europeia.
Esta lógica tem vindo a evoluir, mais recentemente, para uma imbricação cada vez maior entre os níveis de governo, falando-se, então, de Federalismo Cooperativo, centrado sobre a análise comparada dos policy processes. É nesta base que Scharpf, comparando as experiências alemã e europeia, identifica, em ambos os sistemas, uma armadilha na decisão conjunta resultante da obrigatoriedade de encontrar-se sempre o acordo unânime ou o consenso entre os diferentes níveis de governo.
Naturalmente, esta abordagem negligencia o elo entre política e sociedade, abordando a União Europeia unicamente do ponto de vista intergovernamental.
Estas falhas do Institucionalismo Neo-Liberal, acrescentadas das falhas das teorias anteriores da integração regional, levaram a novos olhares teoréticos sobre o assunto, expressos, primeiramente, na teoria da interdependência de Keohane e Nye. N averdade, foi Robert Keohane e Joseph Nye, nos anos 70, que a cooperação internacional (que ocupa um espaço central das Relações Internacionais) alcançou uma inovação mais adaptada à chamada era pós-moderna, dando origem ao Institucionalismo Neo-Liberal. Estes foram os primeiros internacionalistas a examinar, de modo sistematizado, as situações internacionais que implicavam um grande número de actores, logrando concluir pela inadequação do paradigma estato-centrado como base para estudar a política mundial em mutação. Destronando o modelo dominante da cooperação estato-centrada, Keohane e Nye colocaram o fenómeno do transnacionalismo na agenda da pesquisa internacional, introduzindo-lhe, mais tarde, a interdependência complexa como sistema que congrega a repartição do conflito e da cooperação em torno do conceito de potência. Considerando que “sob as condições da interdependência complexa, a política seria diferente do que sob as condições realistas”, Koehane e Nye procuraram compreender a natureza mutante do sistema internacional, isto é, os padrões de mudança e o que permanece estável ao nível das relações entre Economia e Política, por forma a compatibilizar os padrões institucionalizados da cooperação internacional e o papel desempenhado pelo poder e pelos interesses. Foi assim que decidiram conjugar o paradigma realista das relações internacionais – a Primeira Grande Guerra desmentira a ideia de que os ganhos obtidos com o comércio transnacional seriam suficientes para ultrapassar qualquer dilema de segurança – com o paradigma liberal – a Segunda Grande Guerra havia desmentido a ideia de que o Direito Internacional e a organização internacional, no caso a Sociedade das Nações, seriam suficientes para substituir o dilema da segurança de cada Estado (e a estrutura nacional de defesa daí resultante) por um sistema de segurança colectiva – entendendo-os como complementares. “Power and Interdependence” procura, assim, explicar os padrões de mudança e estabilidade em meados dos anos 1970, através da integração de aspectos do liberalismo e do realismo, apresentando a tese central de que a valorização da interdependência não deve fazer esquecer que os Estados, no seio do sistema internacional, procuram, sempre, obter poder para satisfazer os respectivos interesses nacionais. Assim, sob as condições da interdependência complexa, a política internacional seria diferente e mais pacífica do que sob as condições postuladas pelo realismo. Publicada pela vez em 1977, as alterações ocorridas na cena internacional nos anos 1990 não parecem ter retirado actualidade à tese central da dupla Keohane-Nye. Afinal, as três características que, em 1977, definiam a interdependência complexa – múltiplos canais de contacto na sociedade, falta de uma hierarquia clara de temas, irrelevância da força militar – à época não caracterizavam a maior parte da política internacional, apenas pareciam ser o caminho que, mais tarde, viria a caracterizá-la, como sucede hoje. [36]
Outro olhar teórico sobre a integração foi levado a efeito pela Teoria dos Regimes Internacionais. Inscrevendo-se na corrente Institucional neo-liberal Liberal, a teoria dos regimes, tomando corpo no início dos anos 1980, veio trazer alguns novos contributos à abordagem da cooperação internacional de Keohane e Nye. A primeira definição de regime, que se tornou clássica, é-nos dada por Stephen Krasner, para quem “international regimes are defined as principles, norms, rules and decision-making procedures around which actor expectations converge in a given issue-area”[37]. No centro do Institucionalismo Neo-Liberal Liberal está, evidentemente, o papel do mercado e da inexistência constante da concorrência perfeita, o que apela à existência de organizações internacionais. Subjacente à noção de regime internacional propriamente dita encontra-se, nesta lógica, a escolha racional dos actores e a satisfação recíproca dos seus interesses bem compreendidos. Os participantes de um dado regime internacional são, assim, unidades racionais que, distintas entre si, devem agir num contexto de incerteza em que as escolhas respectivas estão balizadas pelos princípios, normas e regras do regime que impõem limites à sua acção. Evidentemente, o regime torna estas escolhas mais fáceis. A conjugação da noção de regime internacional de Krasner com a de jogo interactivo de Ruggie e de reciprocidade difusa de Keohane, atravessa o multilateralismo transversalmente e, ao nível das relações internacionais, supõe que os Estados inscritos em algum regime – isto é, num jogo de trocas repetidas – como a União Europeia ou o MERCOSUL, ora são ganhadores, ora perdedores. Mas não têm, nunca, vantagem em retirar-se do jogo e caminhar isoladamente, dado que, a longo prazo, o comportamento cooperativo demonstra ser a melhor estratégia. A reciprocidade difusa surge, desta forma, beneficiada pelos regimes internacionais, de modo a tornar mais pesado o custo da defecção e mais vantajoso o da cooperação[38].
A abordagem das relações internacionais pelos regimes, além de bastante estato-centrada, pressupõe a cooperação interestatal em issue-areas, isto é, em certos domínios de acção, que os Estados participantes respeitam. Não abrange a totalidade das questões que tocam a sociedade internacional global, a menos que exista um regime internacional para modelar cada issue-area existente. Situações dúbias, temporalidades cruzadas, o emaranhado dos diferentes actores, interesses e motivações não são, assim, abrangidos pela teoria que, nas últimas décadas, demonstrou ser a mais influente.
Procurando ultrapassar estas falhas, diversas novas teorias dominaram os anos 1990, prolongando-se para a primeira metade da década seguinte. Com a preocupação de estabelecer a relação entre o Estado e a sociedade, Andrew Moravcsik elabora, no início dos anos noventa, o Intergovernamentalismo Liberal, abordagem que congrega as influências mútuas do Realismo e do Intergovernamentalismo. Assim, os postulados de pesquisa de que parte são a racionalidade do actor estatal, o exercício do poder como resultado de uma negociação entre Estados e a teoria liberal da formação das preferências nacionais. Concebendo os Estados unicamente do ponto de vista dos governos centrais, Moravcsik negligencia, desde logo, as divergências internas dos Estados, assim como o papel dos outros níveis de governo, concentrando-se excessivamente sobre a integração, em detrimento da governança. Para Moravcsik, de facto, a tomada de decisões no seio de um processo de integração – tomando como exemplo o caso da União Europeia – cabe exclusivamente aos grandes Estados, mormente a França, a Alemanha e a Grã-Bretanha. Simplificando o processo decisório, Moravcsik vê as instituições comunitárias como agências criadas pelos Estados apenas para aumentar a eficácia das negociações interestatais, esquecendo-se que estas instituições são também organizações com autonomia face aos Estados-membros, em resultado de não ter estudado por dentro essas instituições.
A posição monista de Moravcsik, segundo a qual somente os Estados contam na formação de um processo regional de integração, empobrece bastante a análise, deixando de fora aspectos importantes a que as novas teorias dedicariam a seguir atenção.
O Novo Institucionalismo de Pierson, Scharpf, Olsen e Jorgensen coexiste com o Consocialismo de Lijphart e Taylor, o Construtivismo Social de Christiansen e Nicholas Onuf[39] e a Governance de Rosenau, para dar um entendimento novo às teorias da integração regional. Teorias recentes, nascidas na turbulência dos anos 1990, são elas, no fundo, que fornecem hoje os elementos conceituais e teóricos que nos permitem analisar os processos de integração regional, o que não implica, naturalmente, a limitação exclusiva a esses elementos, uma vez que, como a Teoria das Relações Internacionais, a teoria da integração regional, como parte daquela, é também feita, mais por acréscimos sucessivos do que por avanços decisivos.
Efectivamente, é possível observar-se que os social-construtivistas demonstraram a relevância das ideias, normas, Instituições e identidades para a política internacional, assim como a interdependência entre a estrutura do sistema estatal e a acção daqueles envolvidos na política internacional. Os pós-estruturalistas problematizaram os principais conceitos da Teoria das Relações Internacionais e deram importância à construção discursiva do entendimento da política internacional. Os teóricos críticos e os feministas teceram importantes críticas ao sistema internacional contemporâneo e ofereceram vias alternativas para a edificação de um mundo mais justo.
Estes movimentos coincidiram com a evolução da União Política na Europa, designadamente com a revisão realizada aos tratados comunitários em Maastricht, em 1991. Sob a pressão do alargamento a um número elevado de Estados e da revisão constitucional, a teoria da integração europeia enfrentou o desafio de analisar e problematizar os processos paralelos do alargamento e do aprofundamento político. Desta forma, esta quarta fase de evolução teórica, em vez de dedicar-se, como as anteriores, à explicação e análise da construção institucional, tanto a nível supranacional, como a nível estatal, da integração europeia, procurou teorizar sobre o objectivo último da integração europeia, sobre a governança europeia e sobre as implicações normativas de certas políticas europeias. Por esta razão, os trabalhos desta fase versaram sobre o entendimento da integração, sobre a forma como determinadas políticas foram definidas e levadas a efeito e sobre os efeitos políticos originados por estas definições e processos históricos. São, assim, focadas as questões centrais relativas à construção e delimitação da EU, sendo essenciais os debates sobre a legitimidade, reforçados pelos Tratados de Maastricht e de Amesterdão, e sobre as questões normativas da constituição europeia. Em particular, são focadas as controvérsias relativas ao desenvolvimento das Instituições formais e informais da EU, bem como referentes aos processos de europeização das identidades (mais do que as questões referentes às Instituições e políticas comunitárias).
[1] Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Docente no I.S.C.S.P.
[2] Cfr. WIENER, Antje e DIEZ, Thomas; “European Integration Theory”, Oxford University Press, 2ª Edição, Oxford, 2005, pp.3.
[3] Cfr. Idem, pp.4.
[4] Cfr. Idem, pp.18.
[5] Cfr. Idem, ibidem.
[6] Cfr. Idem, ibidem.
[7] Cfr. Idem, ibidem.
[8] Cfr. Idem, pp.5-10. Para os autores, existem três fases da integração europeia, existindo um normative proto-integration period que as precede a todas. Do ponto de vista aqui utilizado, este período normativo corresponde à primeira fase, por constituir peça essencial para a formação da análise teórica da integração europeia, o que justifica a sua inclusão como fase propriamente dita.
[9] Cfr. MALTEZ, José Adelino; “Ensaio sobre o problema do Estado – Tomo II Da Razão de Estado ao Estado-Razão”, da Academia Internacional da Cultura Portuguesa, Lisboa, 1991, pp.26.
[10] Cfr. CAETANO, Marcello; “Manual de Ciência Política e Direito Constitucional”, Coimbra, 5ª Edição, 1967, p116.
[11] Cfr. Tal como defende Hendrik Spruyt, Professor Associado e Director dos estudos de graduação da Universidade de Columbia, em “ The Sovereign State and its Competitors – Na Analysis of Systems Change”, Princeton University Press, Princeton, 1994. Analisando as instituições que, aquando do declínio do Feudalismo, competiam entre si – das quais salienta as ligas urbanas, como a Liga Hanseática, as cidades-estado italianas e os Estados Soberanos, dos quais destaca a França -, Spruyt considera que a dimensão superior destes, bem como a capacidade para organizar os assuntos internos e para fazer a guerra, fizeram do Estado territorial Soberano o sucessor do Feudalismo. Para Spruyt, o nascimento e consolidação, até hoje, dos Estados, não se deve, assim, a nenhum acaso da História. Em vez disso, quando o contexto económico feudal entrou em colapso, diversas alternativas de organização social foram sendo criadas. Assim surgiram a França, as cidades-estado italianas e a Liga Hanseática, por exemplo. Posteriormente, quando estas realidades conviviam entre si, o processo de selecção entrou em cena, demonstrando o Estado Territorial Soberano possuir consideráveis vantagens institucionais relativamente aos rivais. Provando ter melhor capacidade de organização, tanto interna como externa, a vitória do Estado conduziu ao desaparecimento dos rivais, sucessivamente transformados em Estados, permitindo a própria consolidação.
[12] Cfr. CASTRO, Marcus Faro de; “De Westfália a Seatle : A Teoria das Relações Internacionais em transição”, cadernos do REL, nº20, Publicação do Departamento de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, 2º semestre de 2001, pp. 13.
[13] Citado por Castro, Marcus Faro de; idem, pp. 14.
[14] O qual foi o primeiro sistema de política económica internacional criado na área financeira, a par do mercantilismo na área comercial.
[15] Cfr. CASTRO, Marcus Faro de; op. cit., ibidem.
[16] Designadamente com a publicação, pela primeira vez, em 1943, de “A Working Peace System”.
[17] Alterações em muito devidas às novas concepções social-comunistas que começavam a surgir, preparando o caminho para a Revolução Bolchevique na Rússia, em 1917.
[18] Cfr. MALTEZ, José Adelino; “Curso de Relações Internacionais”,Editora Principia, 1ª Edição, Lisboa, Outubro de 2002, pp. 195.
[19] Note-se que, ao advogar, para a SDN, um modelo assente num sistema de segurança colectiva, no seio do qual as grandes potências deveriam punir o agressor que desequilibrasse o sistema internacional, Wilson propunha um modelo, não exclusivamente utópico-idealista, como também, neste ponto, realista.
[20] Cfr. MALTEZ, op. cit., pp. 198-199.
[21] Cfr. Idem, ibidem.
[22] Acontecimentos em relação aos quais o Neo-Funcionalismo demonstrou fraca capacidade de explicação, aqui residindo, essencialmente, a fraqueza que levou ao seu abandono.
[23] Cfr. DEUTSCH, Karl, “Análise das Relações Internacionais”, capítulo XVIII – Como Alcançar e Conservar a Integração, pp. 267-281, Colecção Pensamento Político, 1ª edição brasileira, Editora UnB, Brasília DF, 1977.
[24] Especialmente a crise da chaise vide.
[25] Cfr. MILWARD, Alan S.; “The European Rescue of the Nation-State”, Routledge Edition, 2ª edição, Reino Unido, 2000.
[26] Cfr. SARAIVA, José Flávio Sombra, “Relações Internacionais – Dois Séculos de História”, volI “Entre a Preponderância Europeia e a Emergência Americano-Soviética (1815-1947)”, IBRI, com o apoio da FUNAG, UnB, Brasília DF, 2001, 1ª Edição, pp.16-17.
[27] Jean Bodin (1530-1596) - filósofo e jurista francês de origem judaica, afirmou-se como o teórico da monarquia francesa não confessional. Fugindo às lutas religiosas que enfraqueciam a França do seu tempo, Bodin desenvolveu a política de Estado francesa, de acordo com as ideias de Maquiavel, às quais agregou a legitimidade, através do conceito de soberania, pela definição do qual é considerado o pai do Estado Moderno. Una, indivisível, própria e não delegada, irrevogável, perpétua e suprema, a soberania serviu de base à classificação das formas de governo proposta por Bodin: monarquia, aristocracia e governo popular ou democracia.
[28] Cfr. MOREIRA, Adriano; “Teoria das Relações Internacionais”, Editora Almedina, Coimbra, 1996, pp.13.
[29] Conceito recuperado, criado pelos chamados contratualistas, dentre os quais se destacam Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), com o “Contrato Social” (1762), John Locke (1632-1704) com os clássicos do governo limitado pela lei, “Treatises of Civil Government” (1690) e “Letter on Toleration” (1689) e, noutra linha, aquela aqui considerada, Thomas Hobbes (1588-1679), com o célebre “Leviathan” (1615). Escola negada por figuras como David Hume (1711-1776), Hegel (1770-1813) e Karl Marx (1818-1883)
[30] Cfr. Idem, pp.18.
[31] Questão que hoje não domina o debate das Relações Internacionais. Na verdade, autores como Jean-Baptiste Duroselle, Barry Buzan e Adam Watson impõem a necessidade de abandonar o debate infrutífero entre a Teoria das Relações Internacionais e a História das Relações Internacionais, procurando a reunião de ambos. Segundo Brunello Vigezzi, no texto “Teóricos e Historiadores das Relações Internacionais”, acoplado à edição brasileira da obra de Duroselle(Todo o Império perecerá), a oposição das categorias neorealistas às categorias neoliberais não deve limitar a discussão. Não estando vinculados a estas premissas positivistas surgidas nos estados Unidos, os autores citados conseguem estabelecer um debate frutífero entre a História e a Teoria das Relações Internacionais, relegando para assunto acessório a questão da autonomia disciplinar das Relações Internacionais. Esta autonomia implica, de acordo com os paradigmas neorealistas e neoliberais, a negação da História. Aceitando as considerações de Vigezzi e de Duroselle, consideramos, porém, que a compatibilização entre a História e a Teoria das Relações Internacionais não invalida a autonomia disciplinar das Relações Internacionais, antes a fortalece, no sentido da consolidação crescente da Historiografia das Relações Internacionais, no seio da multidisciplinaridade que caracteriza o estudo das Relações Internacionais
[32] Referência à lei da complexidade crescente das relações internacionais do professor Doutor Adriano Moreira, a qual prevê a “multiplicação das dependências e interdependências que é acompanhada por uma também multiplicação quantitativa dos centros de decisão, movimento de contrários que geraria novas formas políticas, os grandes espaços, bem como órgãos supranacionais de diálogo, cooperação e diálogo (...) Numa convergência acompanhada por uma divergência que exigira uma nova unidade” (citado de MALTEZ, José Adelino; “A Comunidade Mundial, o Projecto Lusíada e a Crise do Político”, Oração de Sapiência proferida no ISCSP, Lisboa, 2000, pp. 188-189.
[33] Cfr. SMOUTS, Marie-Claude; “As Novas Relações Internacionais : Práticas e Teorias”, Editora UnB, 1ª edição brasileira, Brasília DF, 2004, pp.112.
[34] Cfr. idem, pp.112-113.
[35] Cfr. SBRAGIA, Alberta; “Thinking About the European Future: The Uses of Comparison”, in KRATOCHWIL, Friedrich e MANSFIELD, Edward D.; “Iternational Organization – a Reader”, Longman Edition, 1st Edition, New York, 1994, pp.315-324.
[36] Cfr. KEOHANE, Robert e NYE, Joseph; “Power and Interdependence”, 3rd edition, Library of Congress Cataloging –in-Publication Data, 334 páginas, ISBN 0-321-04857-1, Longman Editions, New York, 2001.
[37] Cfr. KRASNER, Stephen; “International Regimes”, edited by Peter Katzenstein, Cornell University Press, 8th Edition, 372 páginas, ISBN 0-8014-1550-0, Ithaca, USA, 1995, pp.1.
[38] Sobre a teoria dos regimes vide também as colaborações de Friedrich Kratochwil, John Gerard Ruggie, Duncan Snidal, Oran Young, Peter Haas, Robert Cox e Ernest Haas em KRATOCHWIL, Friedrich e MANSFIELD, Edward D.; “Iternational Organization – a Reader”,386 páginas, Longman Edition, ISBN 0-06-501214-3, 1st Edition, New York, 1994.
[39] Cfr. ONUF, Nicholas Greenwood; “World of Our Making: Rules and Rule in Social Theory and International Relations”, University of South Carolina Press, 1ª edição, Columbia, South Carolina, 1989.
RAQUEL PATRÍCIO[1]
Sofrendo um processo contínuo de evolução, a União Europeia que hoje temos é, efectivamente, fruto de uma ideia de Europa que remonta a épocas passadas muito anteriores ao início concreto da construção desse processo. Frutificando em projectos de unidade continental, essa ideia foi-se desenvolvendo, essencialmente, segundo dois tipos de projectos de unidade europeia.
Por um lado, surgiram projectos de alianças federativas clássicas propondo o equilíbrio europeu com base na soberania estadual, de modo a evitar-se o aumento de poder de uma potência face às restantes, para que não surgissem situações de dominação. Assentando na Teoria Realista das Relações Internacionais, de Hans Morgenthau e Henry Kissinger, estas alianças federativas clássicas foram tentadas em paralelo com projectos de interdependência mediante integração, de acordo com os quais o Estado transfere a sua soberania – ou partes dela – para Autoridades Comuns Supranacionais, segundo a Teoria Institucional Neoliberal de Robert Keohane e Joseph Nye. Por outro lado, e ao mesmo tempo que projectos foram sendo tentados dentro destas perspectivas, existiu sempre, naturalmente, o tipo misto, que consubstanciava, num único, ambas as vertentes.
O caminho adoptado pela União Europeia foi, claramente, desde o início, o da interdependência mediante integração, na busca do equilíbrio de poderes, embora sem dúvida se possam encontrar elementos, no processo europeu de integração, oriundos de outras teorias das Relações Internacionais.
De facto, sendo um fenómeno internacional, a integração europeia pode, e deve, ser analisada pela Teoria das Relações Internacionais como um ramo autónomo do Saber no seio das Ciências Sociais. De facto, a Teoria das Relações Internacionais apresenta todo um arcabouço instrumental e conceptual que permite fundamentar, teoricamente, os acontecimentos da política internacional, bem como, de forma não reactiva, sugerir e apontar vias alternativas aos decisores de Política Externa. Daí a importância da teoria.
É assim, com base neste entendimento, reactivo à posteriori e activo à priori, que podemos começar por dizer que a teoria da integração é o campo de teorização do processo evolutivo e da realidade hoje existente da integração (europeia), com vista à obtenção de um melhor entendimento das instituições formais da União Europeia: como foram criadas e como funcionam essas instituições, por forma a identificarem-se as competências organizacionais, o papel e a função de cada uma, segundo os Tratados, assim como os elementos identificadores da actividade lobista. É igualmente objectivo da teoria da integração a formulação de expectativas sobre os desenvolvimentos futuros e o comportamento institucional, sendo certa a preocupação com as questões ligadas à reforma democrática e à legitimidade, o que exige um profundo conhecimento, não só das instituições comunitárias, como das matérias normativas[2].
A Teoria da Integração (europeia) constitui-se, deste modo, como uma área de estudo da Teoria das Relações Internacionais. Não sendo uma Escola desta Teoria, ela evolui, sempre, sujeita às influências que estas Escolas lhe vão transmitindo, sendo, também, interpenetrada pela Ciência Económica. Assim, a integração europeia, estudada pela Teoria da Integração, inclui-se no âmbito teórico, quer da Teoria das Relações Internacionais, quer da Teoria Económica, podendo, desta forma, afirmar-se que os seus elementos explicativos advêm, quer de uma, quer de outra. Do ponto de vista que aqui queremos realçar – o da Teoria das Relações Internacionais – interessa, desde logo, notar que a integração europeia apresenta, de facto, elementos das várias Escolas das Relações Internacionais, pois à medida que evolui a Teoria das Relações Internacionais evolui, também, a Teoria da Integração (europeia).
De facto, o conhecimento puramente empírico de como funcionam as Instituições Comunitárias é impossível, já que a representação dos factos empíricos baseia-se sempre em preocupações concretas a fornecem apenas uma compreensão superficial, que despreza as disputas políticas que não estão localizadas tão à superfície[3]. A teoria surge, neste contexto, de extrema utilidade. Ela permitir-nos-á, desde logo, analisar a comunidade política e respectivas instituições, isto é, a forma segundo a qual as instituições comunitárias surgiram e as alternativas que se colocam na base das considerações normativas[4]. Permitir-nos-á, também, analisar as medidas concretas tomadas para avaliar e resolver problemas reais e, ainda, o processo de policy-making comunitário e as lutas e estratégias diárias dos actores políticos lidando uns com os outros; por outras palavras, a bargaining entre os governos, entrando em linha de conta com a influência de grupos de interesse específicos. Lidando, desta forma, com a politics, a teoria permitir-nos-á compreender de que forma as decisões são tomadas no seio da União Europeia, porque razão a governança tecnocrática[5] prevalece sobre a governança participativa[6] e como certos grupos particulares de interesse são sistematicamente colocados em desvantagem pelo estilo político predominante[7].
Partindo da conjugação destas várias vertentes, a Teoria da Integração europeia surge multifacetada, no sentido em que, em lugar de uma única teoria, existem várias, todas em complementaridade e não em concorrência, que reflectem o passado, o presente e o futuro da própria construção teórica da Europa. De facto, as abordagens que existem desde o início da construção europeia têm-se desenvolvido de tal forma que têm influenciado as gerações subsequentes de teóricos, enquanto muito do trabalho teórico hoje existente tem vindo a mudar o foco de análise, detendo-se sobre a questão da governança, que combina as Relações Internacionais com a Política Comparada, e diversas novas abordagens têm trazido, para a ribalta da análise da integração europeia, questões já levantadas por outras Ciências Sociais, como a predominância do estudo da politics.
Tendo em conta estas observações e procurando localizar as abordagens teóricas no contexto histórico em que foram surgindo – uma vez que tais abordagens são, evidentemente, influenciadas pelo contexto sócio-político em que os académicos trabalham –, é possível, seguindo, em parte, Antje Wiener e Thomas Diez, identificar quatro fases de desenvolvimento teórico sobre a integração europeia – cada uma das quais centrada sobre um ângulo específico de análise, sendo certa a dificuldade em delimitá-las temporalmente, já que, se é possível localizar um período em que as teorias começaram a ser elaboradas, ou que em determinado momento certo aspecto teórico começou a ganhar mais relevância analítica do que outro, menos certa não é a impossibilidade de determinar o momento em que certa tradição de pensamento terminou, pois que, normalmente, essas tradições tendem a continuar após a emergência de novas tendências teóricas[8].
Importa, todavia, notar, antes de mais, e uma vez que a Teoria da Integração é vulnerável ao desenvolvimento da Teoria das Relações Internacionais, caminhando a par e passo com esta, que a integração europeia se filia na tradição aristotélica do associativismo, interpenetrada pela ênfase institucionalista que busca conhecer a razão que leva os indivíduos ou grupos a unirem-se. Prescindindo da ascese cognitiva da ideia do Bem presente em Platão, as facções, ou grupos, ou Estados unem-se, não em busca dessa ideia, mas para prover a Moderação, considerada a Virtude suprema, através de processo misterioso que é a construção institucional. De facto, diferentemente de Platão, o modelo aristotélico tem como ponto de partida as facções (pluralismo), cujo associativismo explica pela razão mesma do homem ser um animal naturalmente político e social. A virtude aristotélica é prudencial (situa-se no meio, por oposição à virtude da ideia do Bem de Platão), visando a construção institucional da ordem justa. A teoria do conhecimento de Aristóteles supõe que as ideias são imanentes às coisas, de modo que o alcance desse conhecimento é obtido através, primeiro, da percepção (empírica) e, depois, da abstracção (racional), de modo diverso de Platão, que requer a ascese intelectual para alcançar a ideia do Bem. Aristóteles não se preocupa com a revelação do que poderá ser igualado à Virtude de Platão. Pressupõe a sua existência e procura compreender a razão que leva os homens a associarem-se.
Na verdade, partindo da Política entendida como processo social, onde a coacção faz o contraponto ao consentimento, o desenvolvimento do discurso teórico-racional, precursor do que viria a ser a Teoria das Relações Internacionais, permeado pela cristianização, encontra em Aristóteles e Platão a dualidade das suas origens.
Desenvolvendo-se a vertente platónica do universalismo, da coerção e do centralismo, no século V, com Santo Agostinho, a vertente particularista do consenso e da descentralização, aristotélica, encontrou em São Tomás de Aquino, no século XIII, a ponte para os desenvolvimentos posteriores, com os escolásticos e o Humanismo II, enquanto Santo Agostinho conduzia à teologia protestante e ao Humanismo I.
Ambos os Humanismos, embora o I mais do que o II, conduziram ao Jusnaturalismo – amalgamento da teoria com um outro tipo de discurso, a Jurisprudência, forma distinta de encarar a sociedade –, que encontra em Hugo Grocius o expoente máximo, enquanto a vertente do Humanismo oriunda de Aristóteles influenciava Montesquieu e, por via deste, os federalistas norte-americanos, podendo desde logo afirmar-se a filiação aristotélica da integração europeia.
Assentando no Jusnaturalismo, os teólogos protestantes, crentes na predestinação como incerteza perene da salvação, introduziam o medo, já presente em São Paulo e Santo Agostinho, na construção de uma ciência protestante, base da edificação da Revolução Científica do século XVII (auge das transformações sócio-económicas iniciadas, já, no século XIII, aquando da construção das primeiras unidades políticas organizadas, como Portugal) e da construção do Estado Moderno, assente na doutrina do contrato social (oriunda da vertente platónica da Política) de que Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau, John Locke e Immanuel Kant se afirmariam, desde logo, seguidores, por oposição ao associativismo implícito de Montesquieu e dos federalistas, herdeiros da vertente associativista do aristotelismo – para a qual, antes do Estado, resultante do contrato social, já existiam associações pré-estaduais, sendo as primeiras de todas as resultantes das relações imutáveis estabelecidas entre homens e mulheres e entre senhores e escravos, nesta categoria incluindo-se as crianças.
Simultaneamente, o Renascimento, como causa e consequência das Descobertas, acontecimento épico, colectivamente europeu no desfecho, exclusivamente português na aurora do seu brilhantismo, abria caminho para a identidade paradigmaticamente estadual, primeiro da Europa, depois do mundo. Consubstanciando o Ocidente dos Estados, que viera substituir a Respublica Christiana, à época em que a Espanha e a França se constituíam como as primeiras grandes unidades políticas europeias, enquanto a Áustria, unindo-se à Hungria, tomava a dianteira do espaço alemão, Nicolau Maquiavel criava a expressão Estado e Jean Bodin dava-lhe legitimidade, através do conceito de Soberania, pela definição do qual é considerado o pai do Estado Moderno. Una, indivisível, própria e não delegada, irrevogável, perpétua e suprema, a soberania passou a ser o conceito por excelência que define a noção de Estado.
Consensual entre os juristas, o Estado surge sendo, então, como refere o Professor Doutor José Adelino Maltez[9], “um povo, sobre um território, organizado em torno de um determinado poder político” ou, de forma mais completa, como ensina Marcello Caetano, “um povo fixado num território, de que é senhor, e que dentro das fronteiras desse território institui, por autoridade própria, órgãos que elaborem as leis necessárias à vida colectiva e imponham a respectiva execução”[10], surgindo a soberania como um poder territorial, por exercer-se dentro das fronteiras das várias unidades políticas. Resultado da congeminação do discurso político com o filosófico, na sequência do fundamento teórico dado pelo Jusnaturalismo ao Direito Romano, o Direito passou a ser usado pelos Estados Territoriais Soberanos como justificador do Poder.
Tendo-se o Estado assim entendido, soberano e territorial, afirmado como a forma organizacional mais eficiente[11], depressa a Europa assistiu ao pulular de Estados Territoriais Soberanos, que encontrariam, no Congresso de Westfália, a consolidação de que careciam.
Reunido de 1643 a 1648 para pôr fim à Guerra dos Trinta Anos, o Congresso de Westfália – que, determinando a vitória dos protestantes, estabeleceu a derrota do associativismo perante o contratualismo – marcou o revés dos Habsburgos, permitindo à Europa repor a ordem na cena internacional. Estabelecendo diversos princípios, determinou o aparecimento, pela primeira vez, de um verdadeiro sistema internacional, regulado pelo Direito Internacional de base cristã, especialmente criado, em substituição do jus gentium, para regular as relações entre os Estados Territoriais Soberanos.
Napoleão Bonaparte e a Revolução Francesa viriam, porém, no século XVIII, desregular a ordem estabelecida em Westfália, sendo necessário um novo Congresso, desta feita reunido em Viena, de 1814 a 1815, para restabelecer a ordem pré-revolucionária, reinstitucionalizando a política, assente, bem como o Direito Internacional, no mesmo fundamento cristão fornecido pela religião. Na verdade, também o meio utilizado pelo Congresso para alcançar os objectivos propostos, a Santa Aliança, encontrava substrato valorativo e ético no Catolicismo.
A adopção dos ideais revolucionários um pouco por toda a Europa, assim como a independência dos Estados Unidos da América do Norte e o início das independências latino-americanas esvaziaram de conteúdo as resoluções do Congresso de Viena, que foram substituídas “...pelo pragmatismo diplomático articulado através do Direito Internacional”[12] positivista, substituindo a ordem de Westfália-Viena pelo chamado Concerto Europeu, expressão de um equilíbrio de poder ou balança de poder, representando, justamente, o pragmatismo diplomático assente no Direito Internacional positivista. A base de sustentação da nova ordem mundial não era mais o Catolicismo, antes o interesse do Estado Nacional Soberano Territorial. Afinal de contas, o Direito Internacional institucionalizava o Concerto Europeu, adicionado do nacionalismo, que surgia como factor de aglutinação do Estado, que se pretendia coeso em torno de si mesmo. Por outro lado, Grocius propunha a laicização desse direito, terminando com o substrato valorativo e ético do mesmo, enquanto, na Política, as teorias da circulação das elites de Vilfredo Pareto e Mosca propunham a massificação da mesma, determinando a alteração da ordem internacional.
Segundo observa, e muito bem, Polanyi[13], a paz alcançada neste período resulta da conciliação de interesses em torno da necessidade da paz para o desenvolvimento do comércio. O concerto Europeu, por um lado, e o interesse pela paz da comunidade financeira internacional – grupo social cosmopolita que, então, administrava o padrão-ouro internacional[14] –, por outro, originaram o que o mesmo denomina de “paz de cem anos[15]”.
A partir desta base de sustentação, erguem-se as fases da evolução da Teoria da Integração Europeia, havendo, assim, uma fase pré-integração caracterizada por uma abordagem amplamente normativa do processo de integração europeia, que tem início no período entre-Guerras, com o Federalismo. Como movimento político, esteve sempre directamente ligado aos desenvolvimentos específicos registados na Europa, designadamente no âmbito dos movimentos em prol da federação europeia, como os levados a efeito pelos Social-democratas alemãs ou pelo conservador Conde Coudenhove-Kalergi.
As grandes teorias da integração, de facto, pode dizer-se, têm início com o Federalismo de inspiração norte-americana, trazido para a Europa por Coudenhouve-Kalergi e Spinelli, e mais recentemente por Pinder. Mais um projecto político – de instituir uma Federação de Estados para evitar novos conflitos entre os Estados, dando pois mais relevância ao produto final e englobando a organização política com dois níveis de governo distintos: o federal e o regional – do que uma teoria propriamente dita, o Federalismo propõe, ao nível da integração regional, o sistema irrealista de um super-estado.
O Federalismo inspirou as primeiras criações práticas da unidade europeia: a passagem da ideia à prática. Assentava sobre o Idealismo Wilsoniano e sobre o Internacionalismo Liberal (que corresponde ao Paradigma Liberal), daí ter-se afirmado como uma doutrina irrealista. Considerava o Federalismo que os ganhos obtidos com o comércio internacional seriam suficientes para ultrapassar qualquer dilema de segurança e que o Direito Internacional e a Organização Internacional (a SDN) eram suficientes para substituir o dilema de segurança de cada Estado (sua estrutura nacional de defesa) por um sistema de segurança colectiva.
Teoria normativa que tem vindo a ser utilizada, recentemente, no sentido de explicar e analisar aspectos particulares da política europeia, o Federalismo relaciona-se de perto com a integração europeia, afirmando-se a ideia federal como fundamental para a edificação da Europa Unida, apesar da palavra federal conter uma série de diferentes conteúdos, consoante o contexto político em questão. Assim, ela sugere desunião e fragmentação na Índia e no Reino Unido, enquanto significa precisamente o contrário na Alemanha e nos Estados Unidos, o que equivale a dizer que as federações que existem na sociedade internacional são muito distintas entre si.
Quando se centra na integração europeia, o contexto empírico surge particularmente abrangente, já que o nível estatal é ultrapassado em prol de uma “união cada vez mais maior entre os povos da Europa” que conjuga elementos intergovernamentais com outros supranacionais, federais, confederais e funcionais. Esta Europa assim híbrida, com a sua complexa estrutura institucional, não consegue ser definida, com precisão, pela Ciência Política, embora seja claro que ela caminhe, cada vez mais, em direcção a uma finalidade política que sugere, crescentemente, ser um destino federal, ainda que esta Europa federal não se confunda com um Estado federal da forma como o conhecemos.
De facto, a evolução comunitária, nomeadamente da Comunidade para a União, demonstra a força da ideia federal na construção europeia, particularmente reforçada com a assinatura dos Tratados de Roma, em 1957, e do Acto Único Europeu, em 1986. Neste sentido, o Federalismo surge como uma teoria que procura chegar à explicação da integração europeia como um objectivo consciente e perfeitamente racional dos Estados-Nação europeus, que continuam, apesar de integrados, a perseguir os seus interesses nacionais num mundo de mudança internacional muito turbulenta. Federar significa, assim, construir um processo estatal e de integração nacional; significa uma forma particular de juntar unidades territoriais anteriormente separadas, autónomas ou independentes, de modo a constituir uma nova forma de união assente no princípio da unidade na diversidade. Trata-se, pois, de uma união voluntária de unidades políticas e territoriais cujo principal objectivo é reconhecer, preservar e acomodar formalmente interesses, identidades e culturas distintas segundo um processo de barganha ou contrato que assenta na ideia da parceria igual entre as partes, de acordo com a noção de reciprocidade mútua: a ideia segundo a qual os participantes não tomam decisões apenas em benefício do todo, mas abstêm-se de tomá-las se prejudicarem algum ou alguns parceiro(s) ou a união como um todo. O que significa que existe um senso de comprometimento moral com a comunidade de membros que constitui a união. A ideia federal, essencialmente anti-absolutista e anti-centralista, congrega, pois, os princípios federais da autonomia, solidariedade, pluralismo, cidadania e subsidiaridade, que permitem a edificação de uma união, da base em direcção ao topo – e não do topo para a base em sentido hierárquico.
Evidentemente, a EU não pretende vir a ser uma federação deste ponto de vista restrito. A EU, ao contrário das federações que, ao longo dos séculos, têm surgido, não resultou de acções políticas conscientes que procuraram redigir uma constituição como base de um novo Estado – o Estado federal. A EU resultou de um processo único que, através de acções levadas a efeito no campo económico, procuram alcançar o objectivo político de criar uma “união cada vez mais forte entre os povos europeus”, através de tratados internacionais ambíguos. Existe, assim, uma complexa interacção entre o campo económico e a vertente política, na prossecução dos interesses nacionais de cada Estado-membro, que deram origem a um tipo novo de união federal como nunca, até então, havia existido.
Em termos de prática política, o movimento federalista teve, na Europa, os seus primeiros dias no período entre-Guerras, embora a ideia federal tenha, então, permanecido inaplicável. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Resistência intelectual a Hitler e Mussolini foi cristalizando a ideia federal. De facto, foi entre os membros da Resistência Europeia anti-fascista que a ideia federal foi originalmente esboçada, na tentativa de dar resposta à necessidade de organizar a Europa após a guerra. No pós-Segunda Guerra Mundial, os Estados europeus reagruparam-se rejeitando, porém, a federação como solução para a unidade europeia. No entanto, a ideia não morreu e, ao contrário, manteve-se bastante influente em toda a Europa Ocidental, sobretudo defendida pela União Europeia dos Federalistas, criada em Dezembro de 1946. Logo nos anos 1950, a influência desta ideia seria determinante nos projectos de criação de uma Comunidade Europeia de Defesa e de uma Comunidade Política Europeia, não tendo, os fracassos destas, tido qualquer efeito nefasto sobre a relevância da ideia federal. Reforçada com o Acto Único Europeu e, depois, com o Tratado de Maastricht, a ideia federal encontrou, no alargamento a Leste, de Maio de 2004, forte adepto, pois a necessidade de manter a EU coesa e unida, ante o alargamento a um número elevado de novos membros, era reforçada, justamente, pelo Federalismo. Actualmente, o debate constitucional encontra, no Federalismo, um apoio, no sentido em que a rejeição do Tratado Constitucional pela Holanda e pela França cria um empecilho à ratificação do mesmo, claramente federalista, ainda que a redacção de uma constituição para a Europa nunca antes estivera entre os objectivos da União.
Também o Funcionalismo de David Mitrany[16] pode ser localizado nesta primeira fase. Mitrany aborda, de modo fortemente normativo, de que forma, através de uma rede de organizações transnacionais de base funcional, se pode constranger os Estados a evitar uma futura guerra. Na verdade, a preocupação de Mitrany não era concretamente a integração regional europeia, até porque considerava que a integração regional seria um empecilho à concretização dos seus objectivos gerais de paz, pois mais do que pretender transcender o modelo do Estado Nacional Soberano – o causador das guerras –, a integração viria reforçar esse modelo. As suas preocupações possuíam, de facto, um carácter geral: a obtenção da paz em nível geral e mundial. Profundamente inovador, dominando as concepções teóricas durante a década de 1950, o Funcionalismo rejeita os modelos constitucionais internos, o Federalismo ou o Governo Mundial, defendendo que a forma que a instituição regional adoptar depende das funções que entretanto assumir. Assim, a cooperação iniciada num sector terá tendência a espalhar-se a vários outros (processo de spill-over) e, por isso, surgirá a necessidade de instrumentos de coordenação da cooperação cada vez mais extensa, até que estes assumam funções de coordenação política. Os nacionalismos ver-se-ão, desta forma, corroídos e, por conseguinte, diminuirá o risco da guerra.
O Funcionalismo assenta na ideia de função utilizada na Matemática e na Biologia, compreendendo o sistema político como um sistema autónomo e aberto que mantém constantes relações e trocas com os outros subsistemas da sociedade (económico, social, aparelho judicial, etc.), havendo, assim, entre os subsistemas, uma complexa rede de trocas.
Teoria inspiradora de Jean Monnet e Robert Schuman para a criação das Comunidades Europeias, mostrou-se correcta ao nível da integração gradual, sector a sector – teoria dos pequenos passos de Monnet. Cedo demonstrou, porém, grandes falhas. Para além da crença ingénua na divisão entre a técnica e a política, o Funcionalismo mostrou-se incapaz de explicar os fracassos da Comunidade Europeia de Defesa e da Comunidade Política Europeia, ao nível da integração política da Europa Ocidental.
Neste contexto, e não obstante a actuação conjunta do concerto Europeu e do padrão-ouro internacional para a existência da paz de cem anos, a expansão da Democracia e a introdução dos parlamentos nacionais dificultaram a política conservadora, facilitando a ocorrência de mudanças. Simultaneamente, a introdução do sufrágio masculino, o aparecimento do sindicalismo e dos partidos políticos e a circunstância de a opinião pública ter passado a poder influenciar o processo político interno de muitos Estados[17] – pressupostos da democracia – preparavam o fim da paz de cem anos, com o eclodir da Primeira Guerra Mundial.
Com o fim das hostilidades, Woodrow Wilson, então presidente dos Estados Unidos, patrocinou um projecto de paz mundial assente nos projectistas da paz do século XVIII, nos seus Catorze Pontos, ao sugerir a criação da Sociedade das Nações (SDN). Efectivamente criada em 1920, amplamente marcada pelo idealismo wilsoniano, a SDN constituiu a última tentativa de fazer com que o Direito Internacional fosse capaz de manter a ordem do sistema internacional.
Enfraquecida pela não participação dos Estados Unidos logo de início, a SDN viu-se desde logo relegada a uma posição marginal, com actuação limitada às querelas sobre os rios internacionais e algumas questões sociais.
O fim da Primeira Guerra Mundial criou, assim, o ambiente para que emergisse a tensão entre o “idealismo do universalismo liberal” de matriz kantiana e a continuação do “realismo de matriz hobbesiana”[18]. Procurando um espaço entre as duas correntes, continuavam os estudiosos do Direito Internacional, na tentativa de uma terceira via internacionalista de cariz grociano. Pouco espaço lhes era, contudo, dedicado.
Os idealistas, defendendo a necessidade da emancipação, acreditavam na possibilidade de o sistema internacional estruturar-se como uma comunidade que exigiria algo como uma República Universal, base da idealização da Sociedade das Nações[19]. Enquanto isso, os realistas apontavam a realidade da anarquia internacional, crendo que o sistema internacional se formava com base num estado de natureza em que cada Estado é um lobo, existindo, em luta pela sobrevivência, a guerra de todos contra todos. Os grocianos, por sua vez, apostavam na necessidade da ordem, na concepção de uma verdadeira sociedade internacional.
A Segunda Guerra Mundial marcou o dobre de finados da Sociedade das Nações, tendo os intelectuais depressa tecido severas críticas ao idealismo-utopismo de Wilson, introduzindo, como reacção, o Realismo, enquanto o Direito Internacional se apagava totalmente. Na verdade, o historiador Edward Hallet Carr (1892-1982), com “The Twenty Years` Crisis (1919-1939) – An Introduction to the Study of International Relations”, de 1939, argumentando que, embora o conhecimento científico resulte de finalidades práticas e de análise abstracta, o mesmo não descarta a adopção de uma postura realista, marcou o início da Teoria das Relações Internacionais, nascida e posteriormente desenvolvida nos Estados Unidos.
Professor de História, Carr partiu da tensão entre o utopismo e o realismo, como lhes chamou, procurando distanciar-se do primeiro, sem cair nos exageros do segundo. Embora acreditasse, como os utopistas, que o pensamento pode modificar a conduta humana, sem contudo ser total, como consideram os mesmos, a liberdade de escolha do homem de estado; e embora denunciasse o pessimismo realista de que o homem é mau por natureza, aproximava-se destes quando entendia o respeito pelas lições da História[20]. Para o Professor Doutor José Adelino Maltez, assume Carr a perspectiva dos cépticos que se consideram, como Hume e Burke, conservadores, não sendo Carr um simples realista, antes um racionalista que procurou afastar-se da vertente utópica idealista[21].
Assim nascia, de qualquer modo, uma nova estrela, a Teoria das Relações Internacionais. A nova disciplina, inicialmente autonomizada pelo factor guerra, conforme defenderam sempre os realistas como Hans Morgenthau e Henry Kissinger, herdeiros directos das observações de Friedrich Nietzsche, veio suceder ao Direito Internacional na institucionalização da Política entre os Estados, face à incapacidade daquele em manter a ordem – como ficava demonstrado pela eclosão de duas guerras mundiais.
Naturalmente, o primeiro debate que centrou as atenções dos novos profissionais foi a oposição entre o Idealismo e o Realismo, surgindo mais tarde diversas correntes críticas do Realismo, enquanto a Teoria da Integração ganhava contornos mais definidos.
De facto, com a segunda fase da Teoria da Integração, a fase explicativa, entra-se, efectivamente, na teoria da integração europeia propriamente dita. Procurando explicar de que forma surge a integração europeia e os desenvolvimentos desta, a segunda fase inicia-se com a assinatura dos Tratados de Roma e vai, sensivelmente, até ao início da década de 1980. Apesar das tentativas realistas de integrar os Estados numa visão mais abrangente, os primeiros sucessos das Comunidades Europeias desafiaram a existência do sistema do Estado Soberano de base territorial – que está no centro das concepções do Realismo. Desta forma, as teorias da integração procuraram, neste período, explicar o processo de construção institucional supranacional, isto é, compreender e analisar a EU como um tipo de sistema político. Duas abordagens seguiram este sentido: o Neofuncionalismo de Ernst Haas e Philippe Schmitter e o Intergovernamentalismo de Stanley Hoffmann e Alan Milward, podendo, aqui, individualizar-se o Intergovernamentalismo Liberal de Moravcsik. Baseadas, ambas, na premissa da racionalidade dos actores, colocaram o enfoque justificativo dos avanços e retrocessos da integração sobre diferentes níveis e diferentes campos sociais. Assim, o Neofuncionalismo explicou a evolução do sistema estatal anárquico para a construção institucional supranacional através do empurrão que certos padrões sociais e de mercado deram ao comportamento das elites em direcção à edificação do Mercado Comum. O Intergovernamentalismo, por seu lado, explicou-o como resultado de um processo decisório racional num contexto histórico que conduziu à mais clara e forte definição dos interesses dos governos dos Estados Nacionais envolvidos.
Segundo o Neofuncionalismo, em virtude da interconexão entre as diversas áreas de iniciativa, reunidas na chamada low politics, elas apresentam um forte potencial de espalhar a integração entre si. Por outras palavras, a integração levada a efeito numa determinada área conduz ao espalhar da integração por outras áreas, num processo de spill-over, primeiro sobre as áreas mais directamente relacionadas com a política do mercado e, depois, mesmo além dessa (spill-over funcional). Além disso, e na medida em que os actores estendem e partilham as suas lealdades e redefinem as suas identidades, espera-se que eles busquem uma integração mais aprofundada em termos políticos (spill-over político). Salientando o papel das elites e das burocracias transnacionais na aprendizagem da cooperação internacional e nos fenómenos de spill-over políticos, técnicos (sectoriais, funcionais) e geográficos, originando o snowball efect, o Neo-Funcionalismo viria afirmar as vantagens da cooperação no cenário internacional relativamente às situações de enfrentamento em caso de diferendos. A integração surge, assim, como a melhor forma dos Estados organizarem o comportamento cooperativo, já que pressupõe a esperança no papel das instituições supranacionais (autoridade de base territorial como unidade básica de análise). Influenciado profundamente pelo movimento behaviorista na Ciência Política, o Neo-Funcionalismo centra-se sobre o processo de integração em si, conferindo grande ênfase ao processo de integração e das instituições comunitárias. Construído a partir do Funcionalismo, procurando colmatar as suas falhas e mantendo parte da sua agenda normativa (especialmente o Neofuncionalismo Político de Jean Monnet), o Neofuncionalismo introduziu, tanto uma grande ênfase sobre os actores interessados na integração (e, por conseguinte, capazes de levar a integração cada vez mais longe, como a Comissão), tanto um interesse social científico explicito de criar uma teoria da integração regional que, ultrapassando o caso concreto da Europa, se afirmasse como uma teoria geral. O neofuncionalismo de Ernst Haas, Leon Lindberg e Philippe Schmitter viria dominar a década de 1960. Disfrutando de grande popularidade inicialmente, especialmente ao nível da integração europeia – em virtude do spill-over sectorial que a partir da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço deu origem à Comunidade Europeia da Energia Atómica e à Comunidade Económica Europeia, do spill-over geográfico do alargamento das Comunidades à Grã-Bretanha, à Irlanda e à Dinamarca e do spill-over político do desenvolvimento da Política Agrícola Comum –, o Neo-Funcionalismo sofreu fortes revezes com os vetos da França à adesão britânica, com a crise da chaise vide de 1965 e, depois, com a crise petrolífera mundial e a recessão económica que haveria de generalizar-se na década de 1970[22]. Além do mais, o Neo-Funcionalismo revelou ignorar a influência dos factores externos e não distinguiu entre a high e a low politics.
Não obstante estas falhas, Cox e Jacobson, na mesma época, e de modo relativamente anexo ao Neo-Funcionalismo, conduzem uma grande pesquisa sobre o processo decisório das organizações internacionais de carácter universal. Sublinhando o papel dos grupos e dos indivíduos nesse processo decisório, ambos interpretam as organizações internacionais como algo mais que a pura soma dos respectivos membros.
De um modo diferente, mas também neofuncionalista, Karl W. Deutsch visualizou, em 1957, a integração como provindo de uma crescente comunicação e interconexão entre os actores além fronteiras, criando o chamado Transnacionalismo. Esta abordagem não recebeu, nunca, grande atenção, embora seja interessante, porque foca, sobretudo, a integração social, e não tanto a política, como usualmente sucede. No entanto, a abordagem de Deutsch centrou-se sobre o caso específico da NATO e da comunidade transatlântica de segurança e não propriamente sobre o caso europeu. Daí que não lhe seja dada grande atenção quando se estudam as teorias da integração europeia.
Entusiasta das novas técnicas behavioristas e da imagem da sociedade internacional da Escola Inglesa de Relações Internacionais, Deutsch ressalta, da definição de integração, a existência de expectativas de transformação pacífica. Existem, efectivamente, da parte de quem participa num processo regional de integração, a expectativa de que as transformações ocorrerão de forma pacífica. Concluindo que o nível de transacções entre os Estados é uma das mais importantes características para o desenvolvimento de comunidades, Deutsch distigue entre comunidades amalgamadas – aquelas em que as actividades políticas pré-existentes fundem-se – e as comunidades pluralistas – aquelas em que as entidades políticas pré-existentes mantêm a sua soberania, ainda que sem total liberdade de opções nas respectivas escolhas políticas[23]. Ainda que o trabalho de Karl Deutsch possa considerar-se demasiado teleológico, não analisando com profundidade as condições e os mecanismos que podem conduzir à desintegração (em lugar da formação de comunidades), o que tem ocorrido muito na nossa era pós-moderna, e que o trabalho de Deutsch pouco nos ajuda a compreender, a verdade é que, na época em que surgiu, contribuiu de facto bastante para o progresso da teoria da integração regional, tendo como caso de estudo as Comunidades Europeias.
O mesmo poderá dizer-se da abordagem de Morton Kaplan que, em 1957, lança a obra “System and Process in International Politics” enquadrada na tentativa behaviorista de trazer para a disciplina de Relações Internacionais os contributos da Economia ou da Astronomia, para assim construir modelos teóricos. Kaplan faz uma correcção estrutural-funcionalista ao anterior Realismo, recorrendo à emergente cibernética e à tradicional balança de poderes; tentativa frustrada que não teria nunca as repercussões que os seus seguidores haviam imaginado.
Incapazes de explicar os revezes por que as Comunidades Europeias passavam nos anos 1960[24], as teorias de integração até então elaboradas viram-se acrescentadas de uma nova abordagem, que nasceria nos Estados Unidos vinculada à tradição realista das relações internacionais. Aluno de Raymond Aron, Stanley Hoffman desenvolveria, em plena década de 1960, o Intergovernamentalismo, que visa, desde logo, explicar a integração europeia reabilitando a diversidade de Estados em oposição à convergência das elites proclamada por Haas e Lindberg. Procurando compreender e explicar o caso integracionista das Comunidades, Hoffman considera os Estados como os actores centrais das relações internacionais, daí a influência do Realismo. Não se trata, porém, de um realista puro, na medida em que Hoffman afirma que o interesse nacional de um Estado deriva unicamente da sua posição no sistema internacional. Com a preocupação de considerar a relação interno-externo, Hoffman vê as Comunidades Europeias como uma cooperação entre Estados cujo funcionamento interno é regido por princípios de autoridade e de hierarquia. Num contexto de interdependência generalizada, essa cooperação entre Estados evolui para uma forma aprofundada de regime internacional, que permite aos Estados gerir mais facilmente problemas específicos (issue-areas). Não considerando o spill-over dos neo-funcionalistas, Hoffman considera que tornar comum a soberania (pooled sovereignty) resultante daquele processo não provoca a diminuição do papel dos Estados, antes reforça-o.
Sendo o Intergovernamentalismo uma abordagem teórica da integração europeia pertencente à Academia Norte-Americana, seria depois um historiador britânico a difundir estes trabalhos pela Europa. Para Alan Milward[25], o Intergovernamentalismo é tido em conta pelo viés da rational choice, já que o objectivo dos Estados é reduzir os custos de transacção num contexto de economia aberta. Assim, a integração regional europeia, que Milward procura teorizar, é uma acção colectiva visando, cada Estado-membro, optimizar os ganhos. Refutando a tese de que os Estados europeus, ao decidirem unir-se numa comunidade, teriam renunciado a uma parte da respectiva soberania, criando instituições comuns, Milward afirma que a integração europeia foi o meio encontrado pelos Estados europeus para restabelecerem-se individualmente da destruição causada pela guerra. Milward reduz, assim, a integração regional, unicamente à dimensão económica, subestimando todos os outros aspectos: factores exógenos, os interesses e as ideologias dos dirigentes, a identificação identitária das populações, as questões problemáticas que opunham os Estados europeus entre si, especialmente a França e a Alemanha. Os Estados surgem, assim, na concepção estatista de Alan Milward, como guardiães do templo (tese que defende), tendo sido assim a formação das Comunidades Europeias.
De facto, persista um debate intenso entre os apoiantes da integração entendida como reforço do Estado Nação, como Milward, e os apoiantes da integração entendida como forma de ultrapassar o Estado Nação em busca do supranacionalismo. Abordagens mais recentes no âmbito do Intergovernamentalismo, em particular o Intergovernamentalismo Liberal, embora não neguem a importância da decisão racional dos actores individuais (Estados Soberanos) na criação de Instituições Supranacionais, focam com maior intensidade o reforço da capacidade de decisão desses actores por acção dessas Instituições Supranacionais, colocando a questão ao contrário: a capacidade de decisão dos actores sai reforçada da existência de Instituições Supranacionais, embora não seja constrangida por estas. Deste ponto de vista, estas Instituições são criadas com objectivos específicos e estão sob controlo dos actores que as criaram. O que significa que estas Instituições podem ser alteradas a qualquer momento.
Uma terceira fase da teoria da integração europeia apresenta uma nova geração de teóricos, que procura analisar a governança. Criada, sobretudo, desde os anos 1980, esta fase analítica tenta compreender que tipo de sistema político é a União Europeia e, a partir daqui, conseguir descrever o processo político no interior da EU e, ao mesmo tempo, a forma como funciona a política regulatória da EU. Consideram estes teóricos, radicados no Intergovernamentalismo Liberal de Moravcsik e no Neo-Neofuncionalismo de Stone, Sweet, Sandholtz, Zysman, Tranholm e Mikkelsen, que as Instituições Supranacionais não são meras ferramentas nas mãos dos seus criadores, antes têm um papel importantíssimo no processo europeu de integração e no desenvolvimento da governança europeia. Assim, e como os neofuncionalistas haviam demonstrado, as Instituições podem causar consequências inimagináveis, sendo muito menos facilmente reversíveis do que os intergovernamentalistas afirmaram, o que significa que, deste novo ponto de vista, a complexa estrutura institucional da EU veio para ficar, sendo as abordagens teóricas da integração europeia, não tão centradas sobre a Teoria das Relações Internacionais, mas mais sobre a Política Comparada. Na realidade, a necessidade que a teoria sentia de ultrapassar o estato-centrismo das abordagens teóricas até então elaboradas, em prol da análise de um espaço político policêntrico com múltiplos actores, conduziu, em meados dos anos 1980, a um discreto retorno ao Neo-Funcionalismo – moribundo desde meados da década anterior. De facto, a implantação do Mercado Interno nas Comunidades Europeias, em 1992, revigorou a análise neo-funcionalista, espelhada sobretudo nos trabalhos de Wayne Sandholtz e John Sysman. Para estes neo-neo-funcionalistas, a integração europeia surge como resultado da convergência de interesses entre as elites transnacionalizadas e as instituições comunitárias, enquanto se afirma como processo político marcado por uma lógica de expansão das actividades através de pequenas, mas sucessivas modificações (incrementalism). Neste sentido, Sandholtz e Sysman sustentam que o Acto Único Europeu foi a resposta das elites europeias às mudanças ocorridas na cena internacional nos anos 1980, conformando uma série de alianças transnacionais entre a Comissão Europeia (então presidida por Jacques Delors) e as elites industriais europeias. Do mesmo modo, Anne-Marie Burley e Walter Mattli consideram que o desenvolvimento de uma ordem jurídica comunitária é o resultado da convergência entre a comunidade europeia de juristas e os juízes do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
O monismo inerente ao Intergovernamentalismo deveria, assim, para estes autores, ser abandonado, para dar-se aos grupos sociais e às instituições comunitárias o estatuto de actores plenos do processo europeu de integração regional.
Esta terceira fase alargou, assim, o escopo da pesquisa empírica e da reflexão teórica sobre a integração europeia e introduziu um elevado grau de interdisciplinaridade a estes estudos, sob a forma de abordagens comparativas e institucionalistas que procuram esclarecer questões como: que tipo de política a EU realmente é e como funciona, a adaptação institucional e a boa governança, incluindo as questões da legitimidade, da democracia e da transparência e, ainda, a europeização das regras, das instituições e das práticas da governança na UE. Na busca de respostas a estas perguntas, a teoria colocou o acento tónico sobre a dimensão construtivista da integração e da governança europeias e acrescentou uma dimensão crítica à análise do fenómeno integracionista europeu; a partir de onde diversos conceitos acabaram sendo desenvolvidos, como o entendimento da EU como um sistema de múltiplos níveis (Marks et al., 1996), a EU como uma rede de governança (Jachtenfuchs e Kohler-Koch, 1996), a EU como política multi-perspectivada (John Ruggie, 1993).
Com as Revoluções Europeias de 1989-90, muitos foram os que afirmaram a alteração radical das teorias e postulados através dos quais o sistema bipolar era analisado. Geopoliticamente alterado, transformado, no imediato, num sistema unipolar, historiografistas das Relações Internacionais proclamaram a incapacidade analítica da Teoria das Relações Internacionais em estudar o sistema internacional, avançando tentativas de substituição dos velhos paradigmas por novos. Mudava a Teoria das Relações Internacionais e, com ela, a própria Teoria da Integração, que agora passaria a centrar-se num ângulo mais analítico do que propriamente descritivo.
As teorias e os modelos de análise propostos e utilizados para o estudo das Relações Internacionais até 1989 pareciam ter perdido, a partir daí, capacidade analítica, mostrando-se inconsistentes diante dos fenómenos novos que abalavam a vida internacional.
Rapidamente, o Realismo de Hans Morgenthau, o Realismo prático e histórico de Edward Carr, a Abordagem Clássica de Adam Watson e Hedley Bull, o Marxismo (Dependentista) de Raúl Prebisch e Samir Amin, o Pluralismo de Stanley Hoffman, Joseph Nye e James Rosenau, o Marxismo (Estruturalista) de Immanuel Wallerstein, o Neo-Realismo de Kennet Waltz, o Institucionalismo Neoliberal de Robert Keohane, Francis Fukuyama e Samuel Huntington, assim como as mais recentes formulações teóricas do Construtivismo de Nicholas Onuf, em parte assentes no pós-Modernismo de Richard Ashley, na teoria feminista de Sandra Harding, na teoria normativa de Chris Brown, na teoria crítica derivada da Escola de Frankfurt, da qual se destacam Robert Cox e Mark Hoffman, e na Sociologia histórica de Charles Tilly e Michael Mann, pareciam ter perdido consistência analítica, demonstrando enorme fragilidade teórica, ao paradigmática que, imediatamente após as transformações ocorridas a Leste, parecia abalar o estudo das Relações Internacionais. De acordo com o Professor Doutor José Flávio Sombra Saraiva, estas teorias chegariam, mesmo, a considerar que “…dominadas pelos fenómenos da globalização económico-financeira e pela integração liberalizadora dos mercados, as relações internacionais teriam encontrado seu novo modelo sistémico”, ao “...passarem a supor que o contexto internacional do presente fosse uma nova forma acabada de sistema internacional”[26], o que sugeria uma ausência de instrumentos para a análise das Relações Internacionais compostas pela vida internacional difusa e incerta, sobretudo por ter anunciado, no desfecho do século XX, o fim do Estado Nacional Soberano.
Neste suposto contexto de incapacidade analítica por parte das teorias propostas, o caminho aberto pela Historiografia das Relações Internacionais surgia no horizonte como uma nova esperança no estudo da disciplina, afectada na sua consideração como disciplina autónoma. Não se pode pretender, contudo, reduzir o estudo teórico das relações internacionais à abordagem histórica das mesmas. Ainda que a junção de ambas as perspectivas, como propõe Brunello Vigezzi, demonstre ser profícua, as Escolas clássicas de Teoria das Relações Internacionais continuam a ocupar, não um lugar importante no contexto dos estudos internacionalistas, mas o seu próprio e determinado lugar, fazendo, isso sim, um apelo cada vez maior à interpenetração de umas nas outras, já que a insuficiência dos apoios conceptuais de uma Escola de Pensamento em Teoria das Relações Internacionais surge, justamente, como a mais-valia trazida por outra Escola, e assim sucessivamente.
A crise paradigmática das Relações Internacionais, embora limitada, a estreito escopo, afectou, contudo, a forma pela qual as Relações Internacionais são consideradas uma disciplina autónoma. Problema que surge como um aspecto da questão mais abrangente da autonomia da Ciência Política. Assim, e uma vez que tradicionalmente esta define-se a partir da concepção do facto social designado, por Jean Bodin[27], como soberania, poder superior a todos os outros no plano interno, sem superior a nível externo, então as Relações Internacionais, a partir desta noção e no entendimento das teorias tradicionais, definem-se com base nas relações que a pluralidade de poderes políticos soberanos estabelecem entre si[28]. Segundo a mesma interpretação, estas relações, não obstante a busca incessante pela racionalização e submissão das mesmas a instituições políticas que dispensem o uso da força, demonstram estar, ainda, num visível estado de natureza[29], já que cada um daqueles poderes políticos soberanos reserva-se o direito de recorrer à força própria para defesa do que considera ser o seu interesse ou direito.
Posto isto, o factor tradicionalmente autonomizador das Relações Internacionais, como disciplina individualizada no seio da Ciência Política, é, evidentemente, a guerra, no sentido que lhe é dado por Clausewitz através da simples fórmula da “continuação da política por outros meios”.
As transformações ocorridas na vida e na política internacionais, acelerando a complexidade internacional que se afirmava já crescente, vieram alterar o entendimento tradicional, conferindo às Relações Internacionais uma autonomia que lhe advém, não apenas, nem exclusivamente, da guerra.
Efectivamente, o Estado deixou de ser o único agente das relações da guerra, mas antes do processo de internacionais, passando a dialogar e a actuar, de forma pluralista, em condições de igualdade, com organizações internacionais, organizações não-governamentais, poderes erráticos - muitas vezes apelidados de terroristas, mas que se confrontam com os Estados, não os reconhecendo como poder superior -, instituições espirituais como a Igreja Católica e, até, indivíduos. De tal forma, que a definição de Relações Internacionais se torna mais abrangente, resumindo-se, de acordo com o Professor Doutor Adriano Moreira, no “conjunto de relações entre entidades que não reconhecem um poder político superior, ainda que não sejam estaduais, somando-se as relações directas entre entidades formalmente dependentes de poderes políticos autónomos”[30].
A autonomia científica e pedagógica das Relações Internacionais[31] surge, assim, não já como resultado evolução da Sociedade Internacional para a Comunidade Internacional. Processo ainda em curso, cujo início terá sido o movimento das Descobertas, ao marcar o começo da construção do Euromundo, já que este permitiu edificar um mundo já não limitado, integrando regiões que mutuamente se ignoravam.
Evidentemente, o processo de descolonização de segunda geração, iniciado após o fim da Segunda Guerra Mundial e consagrado na Carta das Nações Unidas, aprofundou a expansão do mundo, ao promover a consideração do género humano como uma só comunidade mundial. Comunidade sucessivamente reforçada pelas revoluções que, ao tornarem as relações internacionais crescentemente complexas[32], referindo a revolução global cuja vulgarização teve início no fim dos anos 80, sendo posteriormente consagrada em 1991, em relatório elaborado para o Clube de Roma.
Foi neste contexto que se desenvolveu a quarta fase da interpretação teórica da integração europeia, a fase construtiva. Com início nos anos 1990, ela procurou, desde logo, compreender como, e com que consequências sociais e políticas, a integração se desenvolve e como podem a integração e a governança ser conceptualizadas. Marcada pelo retorno da Teoria das Relações Internacionais, esta fase vê-se profundamente influenciada pelas abordagens construtivistas e críticas que têm atingido a própria Teoria das Relações Internacionais e que põem em causa as abordagens tradicionais até então construídas. De facto, a obsessão dos intergovernamentalistas e dos neo-funcionalistas com o actor da integração regional levou a que, nos anos 1990, novas abordagens à integração regional surgissem, tendo como ponto de partida a análise à integração europeia, privilegiando as instituições.
Trata-se, em primeiro lugar, do Institucionalismo Neo-Liberal, para o qual as instituições são muito mais do que simples reflexos das forças subjacentes e têm um papel muito mais importante do que o de simplesmente produzir ambientes neutros para a interacção política.
Dentro deste Institucionalismo Neo-Liberal, a variante do Institucionalismo Histórico vem logo à ribalta. Segundo os trabalhos de Paul Pierson, a União Europeia apenas pode ser analisada em relação às instituições, que são “receptáculos contemporâneos de um processo histórico ou temporal”[33]. Assim, a política da União Europeia (politics) deixa de ser vista como mera sucessão de decisões estratégicas mas antes como uma série de trajectórias (path dependency), sendo certo que a politics é abordada, por Pierson, pelo viés da policy. Segundo conclusão de Marie-Claude Smouts, a contribuição essencial do Institucionalismo Histórico, “ao qual subscrevemos totalmente, consiste em afirmar que a política no interior da União Européia somente pode ser analisada e compreendida de maneira diacrônica. Toda política (no sentido de policy) ou toda atividade política (no sentido de politics) é vista sob essa ótica como uma improvisação operando a partir de um existente ou de um capital social que se refletem particularmente nas instituições. Sem a consideração dessa variáveis temporal e estrutural, a análise da integração européia resume-se à descrição de uma sucessão de instantâneos (...) que impedem de apreender a dinâmica do processo”[34].
Uma outra lógica institucional neo-liberal é-nos dada pelo retorno do Federalismo pelas mãos de Alberta Sbragia[35] e Fritz Scharpf. Partindo da constatação de que o Federalismo é um princípio político que não termina necessariamente na criação do Estado federal, antes permite que os actores de diversa obediência institucionalizem as suas relações, Alberta Sbragia afirma que a União Europeia não parece seguir o caminho de uma construção estatista. Afinal de contas, a essência do princípio federal, isto é, o equilíbrio entre interesses territoriais e interesses funcionais parece ser solucionado de outro modo no seio da integração europeia, em virtude das estratégias comunitária e intergovernamental que presidem à formação da União Europeia.
Esta lógica tem vindo a evoluir, mais recentemente, para uma imbricação cada vez maior entre os níveis de governo, falando-se, então, de Federalismo Cooperativo, centrado sobre a análise comparada dos policy processes. É nesta base que Scharpf, comparando as experiências alemã e europeia, identifica, em ambos os sistemas, uma armadilha na decisão conjunta resultante da obrigatoriedade de encontrar-se sempre o acordo unânime ou o consenso entre os diferentes níveis de governo.
Naturalmente, esta abordagem negligencia o elo entre política e sociedade, abordando a União Europeia unicamente do ponto de vista intergovernamental.
Estas falhas do Institucionalismo Neo-Liberal, acrescentadas das falhas das teorias anteriores da integração regional, levaram a novos olhares teoréticos sobre o assunto, expressos, primeiramente, na teoria da interdependência de Keohane e Nye. N averdade, foi Robert Keohane e Joseph Nye, nos anos 70, que a cooperação internacional (que ocupa um espaço central das Relações Internacionais) alcançou uma inovação mais adaptada à chamada era pós-moderna, dando origem ao Institucionalismo Neo-Liberal. Estes foram os primeiros internacionalistas a examinar, de modo sistematizado, as situações internacionais que implicavam um grande número de actores, logrando concluir pela inadequação do paradigma estato-centrado como base para estudar a política mundial em mutação. Destronando o modelo dominante da cooperação estato-centrada, Keohane e Nye colocaram o fenómeno do transnacionalismo na agenda da pesquisa internacional, introduzindo-lhe, mais tarde, a interdependência complexa como sistema que congrega a repartição do conflito e da cooperação em torno do conceito de potência. Considerando que “sob as condições da interdependência complexa, a política seria diferente do que sob as condições realistas”, Koehane e Nye procuraram compreender a natureza mutante do sistema internacional, isto é, os padrões de mudança e o que permanece estável ao nível das relações entre Economia e Política, por forma a compatibilizar os padrões institucionalizados da cooperação internacional e o papel desempenhado pelo poder e pelos interesses. Foi assim que decidiram conjugar o paradigma realista das relações internacionais – a Primeira Grande Guerra desmentira a ideia de que os ganhos obtidos com o comércio transnacional seriam suficientes para ultrapassar qualquer dilema de segurança – com o paradigma liberal – a Segunda Grande Guerra havia desmentido a ideia de que o Direito Internacional e a organização internacional, no caso a Sociedade das Nações, seriam suficientes para substituir o dilema da segurança de cada Estado (e a estrutura nacional de defesa daí resultante) por um sistema de segurança colectiva – entendendo-os como complementares. “Power and Interdependence” procura, assim, explicar os padrões de mudança e estabilidade em meados dos anos 1970, através da integração de aspectos do liberalismo e do realismo, apresentando a tese central de que a valorização da interdependência não deve fazer esquecer que os Estados, no seio do sistema internacional, procuram, sempre, obter poder para satisfazer os respectivos interesses nacionais. Assim, sob as condições da interdependência complexa, a política internacional seria diferente e mais pacífica do que sob as condições postuladas pelo realismo. Publicada pela vez em 1977, as alterações ocorridas na cena internacional nos anos 1990 não parecem ter retirado actualidade à tese central da dupla Keohane-Nye. Afinal, as três características que, em 1977, definiam a interdependência complexa – múltiplos canais de contacto na sociedade, falta de uma hierarquia clara de temas, irrelevância da força militar – à época não caracterizavam a maior parte da política internacional, apenas pareciam ser o caminho que, mais tarde, viria a caracterizá-la, como sucede hoje. [36]
Outro olhar teórico sobre a integração foi levado a efeito pela Teoria dos Regimes Internacionais. Inscrevendo-se na corrente Institucional neo-liberal Liberal, a teoria dos regimes, tomando corpo no início dos anos 1980, veio trazer alguns novos contributos à abordagem da cooperação internacional de Keohane e Nye. A primeira definição de regime, que se tornou clássica, é-nos dada por Stephen Krasner, para quem “international regimes are defined as principles, norms, rules and decision-making procedures around which actor expectations converge in a given issue-area”[37]. No centro do Institucionalismo Neo-Liberal Liberal está, evidentemente, o papel do mercado e da inexistência constante da concorrência perfeita, o que apela à existência de organizações internacionais. Subjacente à noção de regime internacional propriamente dita encontra-se, nesta lógica, a escolha racional dos actores e a satisfação recíproca dos seus interesses bem compreendidos. Os participantes de um dado regime internacional são, assim, unidades racionais que, distintas entre si, devem agir num contexto de incerteza em que as escolhas respectivas estão balizadas pelos princípios, normas e regras do regime que impõem limites à sua acção. Evidentemente, o regime torna estas escolhas mais fáceis. A conjugação da noção de regime internacional de Krasner com a de jogo interactivo de Ruggie e de reciprocidade difusa de Keohane, atravessa o multilateralismo transversalmente e, ao nível das relações internacionais, supõe que os Estados inscritos em algum regime – isto é, num jogo de trocas repetidas – como a União Europeia ou o MERCOSUL, ora são ganhadores, ora perdedores. Mas não têm, nunca, vantagem em retirar-se do jogo e caminhar isoladamente, dado que, a longo prazo, o comportamento cooperativo demonstra ser a melhor estratégia. A reciprocidade difusa surge, desta forma, beneficiada pelos regimes internacionais, de modo a tornar mais pesado o custo da defecção e mais vantajoso o da cooperação[38].
A abordagem das relações internacionais pelos regimes, além de bastante estato-centrada, pressupõe a cooperação interestatal em issue-areas, isto é, em certos domínios de acção, que os Estados participantes respeitam. Não abrange a totalidade das questões que tocam a sociedade internacional global, a menos que exista um regime internacional para modelar cada issue-area existente. Situações dúbias, temporalidades cruzadas, o emaranhado dos diferentes actores, interesses e motivações não são, assim, abrangidos pela teoria que, nas últimas décadas, demonstrou ser a mais influente.
Procurando ultrapassar estas falhas, diversas novas teorias dominaram os anos 1990, prolongando-se para a primeira metade da década seguinte. Com a preocupação de estabelecer a relação entre o Estado e a sociedade, Andrew Moravcsik elabora, no início dos anos noventa, o Intergovernamentalismo Liberal, abordagem que congrega as influências mútuas do Realismo e do Intergovernamentalismo. Assim, os postulados de pesquisa de que parte são a racionalidade do actor estatal, o exercício do poder como resultado de uma negociação entre Estados e a teoria liberal da formação das preferências nacionais. Concebendo os Estados unicamente do ponto de vista dos governos centrais, Moravcsik negligencia, desde logo, as divergências internas dos Estados, assim como o papel dos outros níveis de governo, concentrando-se excessivamente sobre a integração, em detrimento da governança. Para Moravcsik, de facto, a tomada de decisões no seio de um processo de integração – tomando como exemplo o caso da União Europeia – cabe exclusivamente aos grandes Estados, mormente a França, a Alemanha e a Grã-Bretanha. Simplificando o processo decisório, Moravcsik vê as instituições comunitárias como agências criadas pelos Estados apenas para aumentar a eficácia das negociações interestatais, esquecendo-se que estas instituições são também organizações com autonomia face aos Estados-membros, em resultado de não ter estudado por dentro essas instituições.
A posição monista de Moravcsik, segundo a qual somente os Estados contam na formação de um processo regional de integração, empobrece bastante a análise, deixando de fora aspectos importantes a que as novas teorias dedicariam a seguir atenção.
O Novo Institucionalismo de Pierson, Scharpf, Olsen e Jorgensen coexiste com o Consocialismo de Lijphart e Taylor, o Construtivismo Social de Christiansen e Nicholas Onuf[39] e a Governance de Rosenau, para dar um entendimento novo às teorias da integração regional. Teorias recentes, nascidas na turbulência dos anos 1990, são elas, no fundo, que fornecem hoje os elementos conceituais e teóricos que nos permitem analisar os processos de integração regional, o que não implica, naturalmente, a limitação exclusiva a esses elementos, uma vez que, como a Teoria das Relações Internacionais, a teoria da integração regional, como parte daquela, é também feita, mais por acréscimos sucessivos do que por avanços decisivos.
Efectivamente, é possível observar-se que os social-construtivistas demonstraram a relevância das ideias, normas, Instituições e identidades para a política internacional, assim como a interdependência entre a estrutura do sistema estatal e a acção daqueles envolvidos na política internacional. Os pós-estruturalistas problematizaram os principais conceitos da Teoria das Relações Internacionais e deram importância à construção discursiva do entendimento da política internacional. Os teóricos críticos e os feministas teceram importantes críticas ao sistema internacional contemporâneo e ofereceram vias alternativas para a edificação de um mundo mais justo.
Estes movimentos coincidiram com a evolução da União Política na Europa, designadamente com a revisão realizada aos tratados comunitários em Maastricht, em 1991. Sob a pressão do alargamento a um número elevado de Estados e da revisão constitucional, a teoria da integração europeia enfrentou o desafio de analisar e problematizar os processos paralelos do alargamento e do aprofundamento político. Desta forma, esta quarta fase de evolução teórica, em vez de dedicar-se, como as anteriores, à explicação e análise da construção institucional, tanto a nível supranacional, como a nível estatal, da integração europeia, procurou teorizar sobre o objectivo último da integração europeia, sobre a governança europeia e sobre as implicações normativas de certas políticas europeias. Por esta razão, os trabalhos desta fase versaram sobre o entendimento da integração, sobre a forma como determinadas políticas foram definidas e levadas a efeito e sobre os efeitos políticos originados por estas definições e processos históricos. São, assim, focadas as questões centrais relativas à construção e delimitação da EU, sendo essenciais os debates sobre a legitimidade, reforçados pelos Tratados de Maastricht e de Amesterdão, e sobre as questões normativas da constituição europeia. Em particular, são focadas as controvérsias relativas ao desenvolvimento das Instituições formais e informais da EU, bem como referentes aos processos de europeização das identidades (mais do que as questões referentes às Instituições e políticas comunitárias).
[1] Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Docente no I.S.C.S.P.
[2] Cfr. WIENER, Antje e DIEZ, Thomas; “European Integration Theory”, Oxford University Press, 2ª Edição, Oxford, 2005, pp.3.
[3] Cfr. Idem, pp.4.
[4] Cfr. Idem, pp.18.
[5] Cfr. Idem, ibidem.
[6] Cfr. Idem, ibidem.
[7] Cfr. Idem, ibidem.
[8] Cfr. Idem, pp.5-10. Para os autores, existem três fases da integração europeia, existindo um normative proto-integration period que as precede a todas. Do ponto de vista aqui utilizado, este período normativo corresponde à primeira fase, por constituir peça essencial para a formação da análise teórica da integração europeia, o que justifica a sua inclusão como fase propriamente dita.
[9] Cfr. MALTEZ, José Adelino; “Ensaio sobre o problema do Estado – Tomo II Da Razão de Estado ao Estado-Razão”, da Academia Internacional da Cultura Portuguesa, Lisboa, 1991, pp.26.
[10] Cfr. CAETANO, Marcello; “Manual de Ciência Política e Direito Constitucional”, Coimbra, 5ª Edição, 1967, p116.
[11] Cfr. Tal como defende Hendrik Spruyt, Professor Associado e Director dos estudos de graduação da Universidade de Columbia, em “ The Sovereign State and its Competitors – Na Analysis of Systems Change”, Princeton University Press, Princeton, 1994. Analisando as instituições que, aquando do declínio do Feudalismo, competiam entre si – das quais salienta as ligas urbanas, como a Liga Hanseática, as cidades-estado italianas e os Estados Soberanos, dos quais destaca a França -, Spruyt considera que a dimensão superior destes, bem como a capacidade para organizar os assuntos internos e para fazer a guerra, fizeram do Estado territorial Soberano o sucessor do Feudalismo. Para Spruyt, o nascimento e consolidação, até hoje, dos Estados, não se deve, assim, a nenhum acaso da História. Em vez disso, quando o contexto económico feudal entrou em colapso, diversas alternativas de organização social foram sendo criadas. Assim surgiram a França, as cidades-estado italianas e a Liga Hanseática, por exemplo. Posteriormente, quando estas realidades conviviam entre si, o processo de selecção entrou em cena, demonstrando o Estado Territorial Soberano possuir consideráveis vantagens institucionais relativamente aos rivais. Provando ter melhor capacidade de organização, tanto interna como externa, a vitória do Estado conduziu ao desaparecimento dos rivais, sucessivamente transformados em Estados, permitindo a própria consolidação.
[12] Cfr. CASTRO, Marcus Faro de; “De Westfália a Seatle : A Teoria das Relações Internacionais em transição”, cadernos do REL, nº20, Publicação do Departamento de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, 2º semestre de 2001, pp. 13.
[13] Citado por Castro, Marcus Faro de; idem, pp. 14.
[14] O qual foi o primeiro sistema de política económica internacional criado na área financeira, a par do mercantilismo na área comercial.
[15] Cfr. CASTRO, Marcus Faro de; op. cit., ibidem.
[16] Designadamente com a publicação, pela primeira vez, em 1943, de “A Working Peace System”.
[17] Alterações em muito devidas às novas concepções social-comunistas que começavam a surgir, preparando o caminho para a Revolução Bolchevique na Rússia, em 1917.
[18] Cfr. MALTEZ, José Adelino; “Curso de Relações Internacionais”,Editora Principia, 1ª Edição, Lisboa, Outubro de 2002, pp. 195.
[19] Note-se que, ao advogar, para a SDN, um modelo assente num sistema de segurança colectiva, no seio do qual as grandes potências deveriam punir o agressor que desequilibrasse o sistema internacional, Wilson propunha um modelo, não exclusivamente utópico-idealista, como também, neste ponto, realista.
[20] Cfr. MALTEZ, op. cit., pp. 198-199.
[21] Cfr. Idem, ibidem.
[22] Acontecimentos em relação aos quais o Neo-Funcionalismo demonstrou fraca capacidade de explicação, aqui residindo, essencialmente, a fraqueza que levou ao seu abandono.
[23] Cfr. DEUTSCH, Karl, “Análise das Relações Internacionais”, capítulo XVIII – Como Alcançar e Conservar a Integração, pp. 267-281, Colecção Pensamento Político, 1ª edição brasileira, Editora UnB, Brasília DF, 1977.
[24] Especialmente a crise da chaise vide.
[25] Cfr. MILWARD, Alan S.; “The European Rescue of the Nation-State”, Routledge Edition, 2ª edição, Reino Unido, 2000.
[26] Cfr. SARAIVA, José Flávio Sombra, “Relações Internacionais – Dois Séculos de História”, volI “Entre a Preponderância Europeia e a Emergência Americano-Soviética (1815-1947)”, IBRI, com o apoio da FUNAG, UnB, Brasília DF, 2001, 1ª Edição, pp.16-17.
[27] Jean Bodin (1530-1596) - filósofo e jurista francês de origem judaica, afirmou-se como o teórico da monarquia francesa não confessional. Fugindo às lutas religiosas que enfraqueciam a França do seu tempo, Bodin desenvolveu a política de Estado francesa, de acordo com as ideias de Maquiavel, às quais agregou a legitimidade, através do conceito de soberania, pela definição do qual é considerado o pai do Estado Moderno. Una, indivisível, própria e não delegada, irrevogável, perpétua e suprema, a soberania serviu de base à classificação das formas de governo proposta por Bodin: monarquia, aristocracia e governo popular ou democracia.
[28] Cfr. MOREIRA, Adriano; “Teoria das Relações Internacionais”, Editora Almedina, Coimbra, 1996, pp.13.
[29] Conceito recuperado, criado pelos chamados contratualistas, dentre os quais se destacam Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), com o “Contrato Social” (1762), John Locke (1632-1704) com os clássicos do governo limitado pela lei, “Treatises of Civil Government” (1690) e “Letter on Toleration” (1689) e, noutra linha, aquela aqui considerada, Thomas Hobbes (1588-1679), com o célebre “Leviathan” (1615). Escola negada por figuras como David Hume (1711-1776), Hegel (1770-1813) e Karl Marx (1818-1883)
[30] Cfr. Idem, pp.18.
[31] Questão que hoje não domina o debate das Relações Internacionais. Na verdade, autores como Jean-Baptiste Duroselle, Barry Buzan e Adam Watson impõem a necessidade de abandonar o debate infrutífero entre a Teoria das Relações Internacionais e a História das Relações Internacionais, procurando a reunião de ambos. Segundo Brunello Vigezzi, no texto “Teóricos e Historiadores das Relações Internacionais”, acoplado à edição brasileira da obra de Duroselle(Todo o Império perecerá), a oposição das categorias neorealistas às categorias neoliberais não deve limitar a discussão. Não estando vinculados a estas premissas positivistas surgidas nos estados Unidos, os autores citados conseguem estabelecer um debate frutífero entre a História e a Teoria das Relações Internacionais, relegando para assunto acessório a questão da autonomia disciplinar das Relações Internacionais. Esta autonomia implica, de acordo com os paradigmas neorealistas e neoliberais, a negação da História. Aceitando as considerações de Vigezzi e de Duroselle, consideramos, porém, que a compatibilização entre a História e a Teoria das Relações Internacionais não invalida a autonomia disciplinar das Relações Internacionais, antes a fortalece, no sentido da consolidação crescente da Historiografia das Relações Internacionais, no seio da multidisciplinaridade que caracteriza o estudo das Relações Internacionais
[32] Referência à lei da complexidade crescente das relações internacionais do professor Doutor Adriano Moreira, a qual prevê a “multiplicação das dependências e interdependências que é acompanhada por uma também multiplicação quantitativa dos centros de decisão, movimento de contrários que geraria novas formas políticas, os grandes espaços, bem como órgãos supranacionais de diálogo, cooperação e diálogo (...) Numa convergência acompanhada por uma divergência que exigira uma nova unidade” (citado de MALTEZ, José Adelino; “A Comunidade Mundial, o Projecto Lusíada e a Crise do Político”, Oração de Sapiência proferida no ISCSP, Lisboa, 2000, pp. 188-189.
[33] Cfr. SMOUTS, Marie-Claude; “As Novas Relações Internacionais : Práticas e Teorias”, Editora UnB, 1ª edição brasileira, Brasília DF, 2004, pp.112.
[34] Cfr. idem, pp.112-113.
[35] Cfr. SBRAGIA, Alberta; “Thinking About the European Future: The Uses of Comparison”, in KRATOCHWIL, Friedrich e MANSFIELD, Edward D.; “Iternational Organization – a Reader”, Longman Edition, 1st Edition, New York, 1994, pp.315-324.
[36] Cfr. KEOHANE, Robert e NYE, Joseph; “Power and Interdependence”, 3rd edition, Library of Congress Cataloging –in-Publication Data, 334 páginas, ISBN 0-321-04857-1, Longman Editions, New York, 2001.
[37] Cfr. KRASNER, Stephen; “International Regimes”, edited by Peter Katzenstein, Cornell University Press, 8th Edition, 372 páginas, ISBN 0-8014-1550-0, Ithaca, USA, 1995, pp.1.
[38] Sobre a teoria dos regimes vide também as colaborações de Friedrich Kratochwil, John Gerard Ruggie, Duncan Snidal, Oran Young, Peter Haas, Robert Cox e Ernest Haas em KRATOCHWIL, Friedrich e MANSFIELD, Edward D.; “Iternational Organization – a Reader”,386 páginas, Longman Edition, ISBN 0-06-501214-3, 1st Edition, New York, 1994.
[39] Cfr. ONUF, Nicholas Greenwood; “World of Our Making: Rules and Rule in Social Theory and International Relations”, University of South Carolina Press, 1ª edição, Columbia, South Carolina, 1989.
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